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A responsabilidade penal do médico: Direito Penal brasileiro e a conduta médica

Este artigo tem o objetivo de analisar a responsabilidade penal do profissional médico no exercício de suas funções, à luz dos fundamentos do Direito Penal brasileiro.

6/5/2025

Introdução:

A medicina é uma profissão essencial e de alto risco, marcada por decisões complexas e muitas vezes tomadas sob intensa pressão. A possibilidade de ocorrência de danos à saúde ou à vida dos pacientes suscita a discussão sobre a responsabilidade dos médicos, especialmente no campo penal.

Nos últimos anos, observou-se um aumento significativo de ações judiciais contra profissionais da saúde, impulsionado pela expansão dos direitos dos pacientes e pela judicialização da medicina. Neste cenário, o Direito Médico Penal ganha relevância ao tratar da responsabilização criminal do médico.

Este artigo se propõe a examinar a atuação do Direito Penal no contexto médico, com foco na caracterização do “erro médico” e na aplicação dos tipos penais, sem desconsiderar os direitos e garantias do profissional.

Diante disso, há que se revisitar determinadas categorias dogmáticas e delimitar as possíveis consequências penais das condutas realizadas no contexto médico, de modo a trazer um mínimo de previsibilidade e segurança, tanto para o paciente quanto para o próprio profissional da saúde

Bioética e Direito Médico:

Antes de adentrarmos especificamente no tema proposto, necessário um breve relato sobre Bioética, por ser a ciência que abrange os aspectos éticos relacionados à vida humana e à saúde. Abordando questões como autonomia do paciente, o consentimento informado, a dignidade da pessoa humana, os limites da intervenção médica. 

Estes princípios da Bioética orientam as condutas dos profissionais e serão profundamente analisados na apuração de condutas que possam ser consideradas como “erro médico”, acarretando um ilícito penal, se for o caso.

Fundamentos do Direito Médico Penal:

O Direito Médico Penal é o ramo do Direito Penal que se ocupa da responsabilização criminal de profissionais da saúde em razão de sua atividade. Essa responsabilização pode acontecer em consequência de uma conduta dolosa, quando o profissional da saúde utiliza da profissão para deliberadamente cometer um ilícito penal, ou essa responsabilização pode acontecer em consequência de uma conduta culposa (negligência, imperícia ou imprudência).

A prática médica, embora pautada por protocolos e padrões científicos, envolve incertezas e margens de risco. Assim, nem todo insucesso terapêutico pode ser considerado ilícito penal. A responsabilidade penal exige a presença de conduta típica, antijurídica e culpável.

Portanto, o cuidado na análise da conduta é de fundamental importância para a conclusão de ocorrência de ilícito penal médico. Todavia, se demonstrado o ilícito, o profissional da saúde responderá pelo crime cometido.

Neste contexto, vamos abordar alguns dos crimes mais frequentes na área médica e como evitá-los.

“Erro médico” e culpa na esfera penal:

O “erro médico” penal é comumente enquadrado como crime culposo, caracterizado pela conduta do profissional de saúde que causa dano ao paciente. Caracterizado por negligência, imprudência ou imperícia.

A responsabilização penal ocorre quando o “erro médico” está inserido em um tipo penal, em situações que, via de regra, acontecem por imprudência (ausência de cautela), negligência (omissão) ou imperícia (ausência de habilidade técnica) do médico ou médica.

Os tipos penais mais frequentes que tipificam uma conduta médica contaminada pela imprudência, imperícia ou negligência incluem: homicídio culposo (art. 121, parágrafo 3º, CP); lesão corporal culposa (art. 129, parágrafo 6º, CP); omissão de socorro (art. 135, CP) e; violação de segredo profissional (art. 154, CP).

Para melhor ilustrar o presente, necessário um breve relato a respeito dos crimes acima ventilados:

Homicídio culposo:

O homicídio culposo cometido por médico ocorre quando o profissional, no exercício de sua atividade, causa a morte de um paciente sem a intenção de matar, agindo com negligência, imprudência ou imperícia. Trata-se de um crime previsto no art. 121, §3º, do Código Penal Brasileiro, configurando-se quando há violação do dever de cuidado exigido pela profissão.

A conduta culposa médica pode se manifestar, por exemplo, na omissão de um procedimento necessário (negligência), na realização de um procedimento sem os cuidados exigidos (imprudência), ou na execução de ato técnico sem a devida qualificação (imperícia). Para a responsabilização penal, é essencial a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do médico e o resultado morte, além da presença do elemento subjetivo da culpa.

Lesão corporal culposa:

A lesão corporal culposa cometida por médico ocorre quando o profissional de saúde, no exercício de sua função, causa dano à integridade física ou à saúde de um paciente sem a intenção de causar o resultado, agindo com negligência, imprudência ou imperícia. Está prevista no art. 129, §6º, do Código Penal Brasileiro.

Esse tipo de responsabilidade penal surge quando o médico, por falha técnica ou omissão de cuidado, causa uma lesão involuntária no paciente. Exemplos comuns incluem erros em procedimentos cirúrgicos, administração inadequada de medicamentos ou ausência de conduta médica necessária. Para que haja punição penal, é necessário demonstrar que a conduta foi culposa e que há um nexo de causalidade entre o ato médico e a lesão causada.

Omissão de socorro:

O crime de omissão de socorro cometida de forma culposa por médico ocorre quando o profissional da saúde, mesmo tendo o dever legal ou ético de agir, se omite de prestar atendimento necessário a alguém em perigo atual, resultando em prejuízo à vítima, por negligência, imprudência ou imperícia. Está previsto no art. 135 do Código Penal Brasileiro, embora esse artigo trate da omissão de socorro em geral, podendo haver agravamento da responsabilidade quando o agente é médico, dada sua obrigação legal e técnica de atuar.

A conduta culposa se configura quando o médico age por descuido, erro de julgamento ou falha técnica, mesmo sem intenção de causar dano. Por exemplo, um médico que deixa de atender prontamente um paciente em situação de urgência por subestimar os sintomas pode incorrer em omissão culposa.

Embora o tipo penal exija dolo (intenção), a omissão culposa pode ser analisada sob a ótica de outros crimes ou infrações médicas, especialmente se da omissão resultar lesão corporal ou morte (ex: lesão corporal culposa ou homicídio culposo).

Portanto, a omissão culposa por parte do médico pode não se enquadrar diretamente no artigo 135 como crime culposo, mas pode gerar responsabilidade penal indireta, civil e ética, especialmente se houver resultado danoso à vítima.

Violação do segredo profissional:

A violação de sigilo profissional praticada por médico ocorre quando o profissional revela informações obtidas em razão do exercício da medicina, sem justa causa ou autorização do paciente. Tal conduta é tipificada como crime no art. 154 do Código Penal Brasileiro, que trata da revelação de segredo profissional por quem tem o dever de mantê-lo.

O sigilo médico é um princípio ético e legal fundamental da profissão, sendo protegido também pelo Código de Ética Médica. A quebra desse dever, sem amparo legal ou situação de risco iminente à vida ou à saúde de terceiros, pode acarretar responsabilidade penal, civil e administrativa.

Exemplos comuns incluem o compartilhamento de informações de prontuários, diagnósticos ou conversas com pacientes, sem consentimento. A pena prevista é de detenção de três meses a um ano, além de multa. Caso a divulgação gere dano à vítima, a pena pode ser aumentada.

É permitido quebrar o sigilo apenas em casos previstos em lei (como notificação compulsória de doenças, ordens judiciais ou risco à vida de terceiros). Fora dessas hipóteses, a divulgação é considerada infração ética e crime.

Esses tipos de crimes exigem uma análise técnica detalhada, normalmente envolvendo perícia médica, para verificar se o profissional atuou fora dos padrões aceitos pela medicina, desrespeitando os protocolos médicos e a Bioética.

Para evitar as condutas acima mencionadas, o médico deve agir de acordo com os protocolos exigidos para o determinado caso, respeitando a bioética e mantendo um relacionamento de informações de todos os atos procedimentais com seu paciente.

Princípio da intervenção mínima e limites à responsabilização

A atuação do Direito Penal sobre a medicina deve observar o princípio da intervenção mínima, ou seja, o Direito Penal deve ser aplicado apenas em casos extremos. Sob o risco de o Direito Penal servir como instrumento de controle da prática médica rotineira. Tal fato geraria insegurança tanto para os profissionais como para os pacientes e paralisaria o exercício profissional.

A criminalização excessiva pode levar à medicina defensiva, prática que prioriza a autoproteção do médico em detrimento do melhor tratamento ao paciente. Esta prática resultaria em prejuízos irreparáveis para a medicina brasileira.

Considerações finais

O Direito Médico Penal deve ser pautado por equilíbrio. A responsabilização penal do médico é possível, mas deve ser aplicada com prudência, observando os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

A aplicação do Direito Penal na medicina deve proteger o bem jurídico da vida e da saúde, sem comprometer a liberdade profissional e a confiança na relação médico-paciente.

Ao profissional médico, deve-se o zelo de seguir as normas da Bioética, respeitando os direitos de seus pacientes e zelando para que a conduta escolhida seja a mais apropriada para a ocasião, evitando danos graves para ambos os atores da relação médico/paciente.

___________

BITTAR, Eduardo C. B. Ética médica e bioética. São Paulo: Atlas, 2019.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2022.

LÔBO, Paulo. Direito médico. São Paulo: Saraiva, 2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Forense, 2023.

Tacito Alexandre de Carvalho e Silva
Advogado. Pós graduado em Processo Civil. Pós graduado em Direito Médico pelo instituto Albert Einstein. Professor de Processo Civil (Faculdade São Paulo). Procurador M 2009/2016. Vereador 2021/2024.

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