A lei 15.040, sancionada em 9/12/24, reformulou profundamente o regime do seguro privado no Brasil, revogando dispositivos do CC/02 e do decreto-lei 73, de 1966.
O novo marco legal trouxe inovações relevantes, sobretudo na regulação de sinistros, que agora conta com capítulo próprio e diretrizes mais claras, definição de prazos, obrigações de informação e critérios para a apuração de sinistros.
A finalidade é equilibrar a relação entre segurado e seguradora, com regras objetivas. Na prática, porém, surgem desafios — prazos apertados e exigências de transparência que testam a estrutura do mercado.
A regulação de sinistro é o coração da operação securitária. É ali que a promessa do seguro se materializa: pagar a indenização, nos termos da apólice.
Segundo o glossário da Susep1, regulação é o "conjunto de procedimentos realizados na ocorrência de um sinistro para apuração de suas causas, circunstâncias e valores envolvidos".
O professor Bruno Miragem2 ensina:
“A regulação do sinistro integra a fase de execução do contrato de seguro. Constitui etapa contratual voltada ao adimplemento, que se desenvolve para que seja determinada a existência de cobertura para os fatos narrados no aviso de sinistro e sua extensão, com a mensuração do valor a indenizar ou do capital segurado a ser pago. Sua função precípua é preparar o cumprimento da prestação principal do segurador, definindo o an debeatur e o quantum debeatur (ainda que esta seja mais própria da liquidação do sinistro, se tomada em destaque, como fase subsequente). De forma imediata serve para apurar a ocorrência de sinistro indenizável e a extensão dos danos; de forma mediata visa promover a satisfação do interesse útil do segurado por intermédio do adimplemento da prestação principal do segurador.
Em recente decisão, o STJ3 citando o ilustre doutrinador Ernesto Tzirulnik, conceituou da seguinte forma a regulação:
“Consoante o escólio de Ernesto Tzirulnik, é uma atividade voltada à revelação (existência e conteúdo), quantificação e cumprimento da obrigação indenizatória que exsurge da obrigação de garantia a cargo do segurador. Trata-se, portanto, de um conjunto de procedimentos realizados na ocorrência de um sinistro para apuração da sua existência, causa, circunstâncias, extensão de danos e prejuízo, com vistas à caracterização do risco ocorrido e seu perfeito enquadramento no contrato de seguro (VISSOTTO, Robson. TZIRULNIK, Ernesto (org.). Direito do seguro contemporâneo. São Paulo: Contracorrente, vol. II, 2021, p. 78).”
Historicamente, a regulação é etapa essencial para medir os danos e verificar a existência de cobertura.
A nova lei consolida esse entendimento no art. 75:
“A reclamação de pagamento por sinistro [...] determinará a prestação dos serviços de regulação e liquidação [...] para identificar as causas e os efeitos do fato e quantificar os valores devidos [...]”
Dois pontos merecem destaque:
1. Basta o aviso de sinistro para iniciar a regulação — sem formalidades excessivas.
2. A reclamação pode partir do segurado, do beneficiário ou de um terceiro prejudicado.
Os arts. 76 e 77 reforçam essa base, detalhando quem pode reclamar, como se processa a regulação e quais os deveres da seguradora. A regulação e a liquidação são de responsabilidade exclusiva da seguradora, ainda que ela contrate terceiros para apoiar o processo.
Sempre que possível, os dois procedimentos devem ocorrer simultaneamente, para garantir agilidade. E, havendo cobertura parcial, há obrigação de antecipar valores em até 30 dias.
Nos arts. 78 e 79, a lei vincula diretamente os agentes técnicos à seguradora, impondo deveres concretos. O regulador e o liquidante devem informar com rapidez os valores apurados — sob pena de responderem solidariamente por atrasos.
O art. 80 impõe boa-fé, diligência e transparência. O art. 81 determina que, em caso de dúvida, a interpretação seja sempre pró-segurado — reconhecimento de forma uma assimetria na relação contratual.
O art. 82 estabelece que o relatório final da regulação é documento comum às partes — inovação que valoriza a transparência e reduz a alegação de unilateralidade no procedimento de regulação. Já o art. 83 obriga a seguradora, em caso de negativa de cobertura, a apresentar os fundamentos de sua decisão.
Apesar de todas as mudanças, a decisão final sobre a cobertura continua sendo prerrogativa da seguradora. Mas ela deve compartilhar os resultados da apuração, sempre que solicitada — exceto em relação a documentos sigilosos ou protegidos por decisão judicial. A intenção é desestimular ações judiciais apenas para obtenção de documentos.
O art. 86 impõe prazo de 30 dias para que a seguradora se manifeste sobre a cobertura — sob pena de perder o direito de recusá-la. A intenção é louvável: celeridade. Mas a sanção é extrema e, em certos casos, desproporcional.
Sinistros complexos — como os que envolvem comércio exterior — dependem de documentos difíceis de obter, fora do alcance imediato da seguradora ou do segurado. Ao impor decadência automática, a lei desestabiliza a lógica contratual.
A análise técnica é inerente ao contrato de seguro. Ao cortar esse processo com um prazo rígido, a norma compromete a equidade contratual.
Nesse contexto, a adaptação das seguradoras exige reforço de estrutura, controles e documentação — ou o risco de judicialização cresce.
O art. 87 dá outro prazo de 30 dias — agora, para o pagamento da indenização, após reconhecida a cobertura. Esse prazo pode ser suspenso, desde que a solicitação de documentos complementares seja justificada e razoável.
O art. 88 encerra com sanção de multa de 2% sobre o valor devido, correção monetária, juros legais e, quando aplicável, perdas e danos.
Com esse conjunto de normas, o processo de regulação de sinistros ganha força probatória e celeridade.
A aplicação prática exigirá cuidado interpretativo, sob pena de distorções e inseguranças jurídicas em casos complexos.
Por fim, o novo arcabouço legal valoriza a regulação de sinistro e caberá às seguradoras se adaptarem para tornar a atividade mais célere.
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1 Disponível em: https://www.gov.br/susep/pt-br/conteudo-do-glossario/q-r/r/regulacao-de-sinistro acessado em: 25/04/2025.
2 Miragem, Bruno; Petersen, Luiza. Regulação do sinistro: pressupostos e efeitos na execução do contrato de seguro. Revista dos Tribunais. vol. 1025. ano 110. p. 291-324. São Paulo: Ed. RT, março 2021. Disponível em: https://brunomiragem.com.br/artigos/019-regulacao-do-sinistro-pressupostos-e-efeitos-na-execucao-do-contrato-de-seguro.pdf Acesso em: 25/04/2025 .
3 REsp n. 1.836.910/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 8/11/2022. https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201600156993&dt_publicacao=08/11/2022