A remoção, enquanto forma de deslocamento de servidores públicos, possui três modalidades. Todas elas presentes no art. 36 da lei 8.112/90: I) de ofício, no interesse da Administração; II) a pedido, a critério da administração e; III) a pedido, independentemente do interesse da administração.
Nesta última modalidade (III), temos outros três motivos, são eles:
- para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
- por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial e;
- em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.
Interessa a este artigo, a remoção pelo motivo da alínea ‘b’, mais precisamente por motivo de saúde de dependente.
Como se pode ver, caso tal remoção seja para acompanhar tratamento de saúde de dependente que não seja cônjuge ou companheiro (pois, nesse caso, a dependência é presumida), a lei, publicada em 1990, determinou que o dependente em questão deve viver às expensas do servidor requerente, ou seja, restringe a dependência ao âmbito financeiro.
Ocorre que, como dito, a lei 8.112 foi publicada em 12/12/1990, momento em que era mais comum os servidores públicos serem arrimo, não somente de sua família constituída (cônjuge e filhos), mas também de pais e mães, razão pela qual se justificava colocar, como requisito concessivo, a necessidade de se comprovar a dependência financeira.
Porém, após 34 anos de existência do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, mudanças nas carreiras dos serviços públicos no Brasil, estabilização da moeda e controle inflacionário, e, por fim, evolução no estudo de moléstias, sobretudo psicológicas, é preciso concluir que o perfil da dependência de vários dos lares se modificou.
Como é possível ver neste artigo1, o lançamento do Plano Real findou o descontrole inflacionário pelo que passava o Brasil desde os anos 1970, o que, aliado a políticas sociais de transferência de renda, inserção no mercado de trabalho e incentivos ao acesso a cursos superiores, como o Prouni, alteraram o cenário que havia no início dos anos 90.
Atento a isso, o STJ, já em 2014, no julgamento do Agravo Regimental no REsp 1.467.669/RN, relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia, afastou a necessidade de a dependência dos familiares em relação ao servidor público ser meramente financeira, indicando que devem ser levados em conta outros fatores, sobretudo ante a proteção constitucional à família, advinda do art. 226 da CF/88.
Tal entendimento, no entanto, ficou restrito à 1ª turma do STJ e, em 2023, foi mudado a partir do julgamento do REsp 2.015.278-PB, de relatoria do ministro Sérgio Kukina, em que se passou a privilegiar a literalidade da alínea ‘b’ do inciso III do art. 36 da lei 8.112/90, retomando o entendimento de que a dependência tenha de ser financeira. Da mesma forma, decidiu a 2ª turma, por meio do Agravo Interno no REsp 2.117.475/RN de relatoria do ministro Francisco Falcão.
Assim, apesar de garantir a observância ao texto legal, temos que se deixou, em segundo plano, a garantia constitucional de proteção à família, bem como a que garante o amparo idosos, inscrito no art. 230 da CF/88, e aprofundado com o Estatuto do Idoso.
Isso, aliado aos inúmeros diagnósticos de doenças psicológicas como a depressão, por exemplo, em que a participação da família é central para estabilização dos efeitos e provável cura, nos faz crer que o entendimento atual do STJ coloca em risco a efetividade de diversos tratamentos de saúde de dependentes de servidores públicos civis da União.
Além disso, tal posicionamento não acompanhou a evolução econômica da população brasileira (apesar de ainda haver muito a avançar), em que muitos pais e mães de servidores já não dependem do dinheiro de seus filhos, podendo se manter financeiramente, mas não emocionalmente.
Dessa forma, é preciso que a legislação e, sobretudo, a jurisprudência, acompanhem o avanço social, de forma a privilegiarem as proteções presentes no texto constitucional, e para que os servidores públicos possam cuidar dos seus entes em todos os âmbitos de suas vidas, independentemente do dinheiro envolvido.
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1 https://www.infomoney.com.br/guias/plano-real/, acesso em: 04 de abril de 2025.