Na China, médicos-robôs já atendem pacientes. Um hospital operado por inteligência artificial trata 3.000 pessoas por dia e acerta 93% dos diagnósticos . Parece ficção científica, mas é realidade.
Enquanto isso, no Brasil, gestores de saúde encaram outra revolução: uma reforma tributária prometendo não aumentar impostos – mas a prática desmente.
A teoria oficial repete o mantra da neutralidade tributária. O governo jura que a carga não vai subir.
Porém, o diabo mora nos detalhes. A LC 214/25 deu ao setor de saúde um alívio tributário aparente: redução de 60% nas alíquotas do IBS e da CBS sobre serviços de saúde (art. 130) . O PLP 108/24, em tramitação, complementa a reforma detalhando esse regime especial da saúde.
No papel, um respiro. Na prática, vem a asfixia. Mesmo com alíquota menor, muitos hospitais, clínicas e profissionais pagarão mais imposto do que antes.
Um estudo já aponta aumento de carga para certos serviços médicos de 3,65% para até 12%. Ou seja, mesmo com desconto, a conta cresce. A própria análise interna do setor lista entre os pontos negativos da reforma o “aumento de carga tributária para alguns segmentos” e custos adicionais de conformidade.
É a promessa teórica esbarrando no imposto real.
Esse choque de realidades exige estratégia. Não dá para engolir a reforma goela abaixo sem mudança de postura. Reestruturação, revisitar regimes tributários, planejar de forma cirúrgica. A saúde entra na dieta forçada do fisco e precisa queimar gordura administrativa. Enxugar desperdícios, otimizar processos. E, principalmente, incorporar tecnologia. Aqui entra a outra força transformadora: a inteligência artificial.
Enquanto o fisco reinventa a roda dos tributos, a IA reinventa a medicina. No Reino Unido, uma ferramenta de IA aumentou em 8% a detecção de câncer nos consultórios. Pesquisadores mostraram que o modelo GPT-4 supera médicos generalistas em acuidade diagnóstica em oftalmologia e raciocínio clínico. E a China nos esfrega na cara um hospital inteiro de IA funcionando a pleno vapor. A mensagem é clara: ou surfamos essa onda, ou seremos engolidos por ela.
Mas adotar IA na saúde brasileira não é plug-and-play. Há um bisturi legal no caminho: o conceito de “ato médico”. A lei brasileira define que diagnosticar e prescrever são funções exclusivas do médico. Ou seja, o robô não pode assinar a receita. Atividades fim, como diagnóstico nosológico, permanecem reservadas ao jaleco humano.
Então, por ora, a IA atua nos bastidores: triagem inteligente, análise de exames, suporte à decisão – tudo que não for ato médico pode ficar a cargo das máquinas, pelo menos até o regulador atualizar as regras do jogo.
E aí está outro vácuo: a regulação. Estamos num limbo jurídico sobre IA em saúde. Quem responde pelo erro de um algoritmo? Até onde a máquina pode ir sem ferir a ética e a lei? Falta um marco legal claro definindo limites e responsabilidades.
O mundo debate o tema – a Europa puxa a fila com o AI Act, por exemplo – mas por aqui o assunto anda de muletas. O Conselho Federal de Medicina e o Legislativo terão que correr para acompanhar a evolução tecnológica, criando parâmetros para uso seguro e eficaz da IA na medicina.
No meio desse fogo cruzado está o gestor e o advogado tributarista da saúde. Precisam ser estrategistas de guerra. De um lado, domar o Leão tributário com planejamento fiscal robusto, aproveitando cada brecha lícita, reestruturando operações para mitigar o impacto da reforma. De outro, acelerar a transformação digital, inserindo IA onde puder cortar custos e melhorar eficiência – sempre respeitando as fronteiras legais atuais, mas pressionando por sua expansão futura.
É hora de pensar fora da caixa: delegar à IA tarefas repetitivas, administrativas e preditivas, liberando os profissionais para o que é essencialmente humano.
A tributação da saúde vai mudar radicalmente, gostemos ou não. A inteligência artificial vai impactar todos os níveis do setor. Negar qualquer um desses fatos é receita para a irrelevância.
Quem atua na saúde – seja no jurídico, seja na gestão – precisa ajustar as velas agora. Adaptar-se ou afundar. O futuro não espera: ou navegamos nas águas turbulentas da reforma tributária com a bússola da IA em mãos, ou seremos náufragos lamentando a oportunidade perdida.