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Guia para as sociedades LTDA: Quando excluir um sócio vira necessidade

A exclusão de um sócio não é só um ato de controle, mas sim uma via de proteção da empresa. Esse guia te mostrará como usá-la.

23/5/2025
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Em sociedades empresariais, especialmente nas limitadas, os conflitos entre sócios são uma realidade que, se não bem administrada, pode colocar em risco a própria continuidade da empresa. Evidentemente, não são todos os atritos que ensejam em medidas drásticas que podem impactar o empreendimento como o afastamento de um sócio judicialmente.

Divergências estratégicas, quebras de confiança e condutas prejudiciais à coletividade empresarial exigem do gestor — muitas vezes sócio remanescente do negócio — decisões difíceis, entre elas, a exclusão de um dos sócios. Nos últimos anos, a jurisprudência do STJ tem delimitado com mais precisão os contornos da exclusão de sócio por justa causa, separando o que é dissenso natural da atividade empresarial daquilo que de fato compromete a integridade patrimonial e o propósito comum da sociedade.

Mais do que uma prerrogativa de controle, a exclusão torna-se uma ferramenta legítima de proteção da empresa, desde que empregada com critérios claros, de preferência definido no início da sociedade através de algum instrumento contratual, e respeito aos direitos do sócio acusado.

O limite entre a divergência e a falta grave: Onde começa o direito de excluir um sócio

É natural que ao longo do trato societário divergências aconteçam sobre a forma de condução do empreendimento. Trata-se, de certa maneira, de uma atitude saudável para que a empresa realinhe sua rota, impulsione a criatividade e crie novas estratégias que a diferenciarão no mercado.

O entrave acontece quando essas divergências ultrapassam o limite da razoabilidade e violam os pactos contratuais, a lei ou coloca em xeque a integridade, patrimonial e de funcionamento, da sociedade. Do ponto de vista jurídico, a divergência entre sócios, por mais intensa que seja, não constitui justa causa para exclusão. Conforme reiterado pelo STJ, a mera perda da affectio societatis — expressão que designa a vontade de permanecer associado — não basta para afastar alguém da sociedade.

Para que a exclusão seja admitida, é necessário que o comportamento do sócio seja objetivamente reprovável e gere efeitos concretos no negócio, como desvio de recursos, atos de concorrência desleal, descumprimento reiterado de cláusulas do contrato social ou obstrução deliberada da gestão.

Como exemplo, o STJ no REsp 2.142.834/SP, entendeu neste julgado que a conduta do sócio que realizou retiradas de valores do caixa da empresa sem aprovação dos demais sócios, em desacordo com o contrato social, seria considerado como falta grave. O tribunal deixou claro que não se trata de avaliar desentendimentos pessoais, mas de verificar se houve ou não violação de deveres societários com impacto real na atividade empresarial.

Não obstante, a exclusão societária é uma moeda que possui outra face, esse procedimento também pode ser usado de forma oportunista para prejudicar o sócio afastado, principalmente na intenção de apropriação do negócio. Por isso a importância de definir as regras do jogo de forma clara ainda na estruturação da empresa, caso não seja você a definir caberá a um terceiro (Judiciário) tomar uma decisão.

O fundamento da exclusão e o entendimento do STJ.

A exclusão de sócio por falta grave encontra fundamento legal nos arts. 1.030 e 1.085 do CC, mas cada hipótese exige requisitos específicos. A via judicial, prevista no art. 1.030, é cabível quando a exclusão for proposta pela maioria dos demais sócios, desde que se comprove que o sócio violou deveres contratuais ou legais de forma relevante.

Por sua vez, a exclusão extrajudicial, autorizada pelo art. 1.085, depende de dois elementos: cláusula expressa no contrato social e deliberação da maioria absoluta do capital social.

O STJ tem sido rigoroso na análise dessas hipóteses. No REsp 2.142.834/SP, a exclusão foi validada porque a sócia retirou valores expressivos do caixa da empresa contrariando cláusulas contratuais que exigiam deliberação de 90% do capital para a distribuição de lucros. O STJ entendeu que a conduta não se tratava de mera discordância sobre a gestão, mas de violação deliberada da integridade patrimonial da sociedade, caracterizando falta grave.

Com base nessa linha de entendimentos do STJ, é essencial ter atenção aos cuidados na redação das cláusulas contratuais, expressões vagas ou cláusulas genéricas autorizando exclusão “por justa causa” não são suficientes. É recomendável estabelecer um rol exemplificativo de condutas, procedimento para convocação, ciência prévia e possibilidade de manifestação do sócio acusado, garantindo a regularidade formal do ato e minimizando o risco de judicialização futura.

A exclusão como o remédio amargo, mas necessário para a proteção empresarial.

A exclusão de um sócio, quando realizada dentro dos limites legais e contratuais, não é apenas uma prerrogativa dos demais quotistas — trata-se de um instrumento de preservação da sociedade. Não se trata de afastar divergências, mas de neutralizar comportamentos que comprometem a execução do objeto social ou violam a integridade do patrimônio comum.

Reforçando a autonomia privada e em busca de evitar o uso indevido desse gatilho, o STJ1 reforçou o princípio da intervenção mínima do Poder Judiciário, com base no art. 3º, VIII, da LLE - Lei da Liberdade Econômica (lei 13.874/19) trazendo a supletividade do Judiciário na tomada de decisão.

A exclusão não deve ser confundida, em nenhuma hipótese, com retaliação nem tampouco banalizada sob risco de prejudicar a atividade econômica e o fluxo de investimentos. Mas, sim aplicada diante de situações objetivas — como desvio de recursos, gestão temerária, bloqueio da atividade por disputa interna —, ela pode ser a única forma de proteção patrimonial, manter a reputação da empresa e garantir sua continuidade.

Diante desse cenário, o registro de um contrato social genérico como o fornecido pela Junta Comercial ou um modelo facilmente achado na internet que, em muitas vezes, não representa a relação societária vem a abrir possibilidades de mais à frente perder o patrimônio investido.

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1 REsp 2.142.834/SP

Autor

Emmanuel Lucas Garcia Lima Advogado especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Foi bolsista em curso de aprofundamento sobre negociação na Universidade de Harvard, Cambridge/EUA, pela CMI Interser.

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