Ingressando no STJ em maio de 2023, o REsp 2.072.206/SP buscava afastar a condenação em honorários sucumbenciais fixados no âmbito de um IDPJ julgado improcedente. Em novembro do mesmo ano, com fundamento no art. 14, II, do Regimento Interno do STJ1, o recurso foi afetado à Corte Especial, e seguiu-se rumo ao julgamento com a pretensão de formação de um precedente vinculante (art. 927, V, CPC).
O caminho rumo à formação do precedente observou, em grande parte, diretrizes adequadas, como a admissão de amici curiae2. Contudo, falhas nas etapas iniciais - notadamente a ausência de uma delimitação precisa da controvérsia, que englobasse o maior número possível de questões jurídicas relativas aos honorários no IDPJ - comprometeram significativamente a utilidade do precedente formado.
Em 13 de fevereiro de 2025, por maioria de votos, a Corte Especial do STJ reconheceu a possibilidade de fixação de honorários advocatícios no IDPJ, mas permaneceram dúvidas relevantes: (i) o trecho da decisão que afasta a incidência de honorários em IDPJ julgado procedente é vinculante ou constitui obiter dictum?; (ii) quais os critérios adequados para a quantificação dos honorários no âmbito do incidente?; e (iii) há necessidade de modulação dos efeitos da decisão proferida pela Corte Especial do STJ?
A decisão proferida no REsp 2.072.206/SP, que poderia ter encerrado a controvérsia em um único ato, revelou-se apenas parte do primeiro episódio de uma saga. Assim, em uma trilogia de textos, abordaremos: no Episódio 1, 'A procedência também tem preço'; no Episódio 2, 'A matemática da sucumbência: equidade x percentual no IDPJ'; e, no episódio final, 'A modulação e o eclipse da previsibilidade'.
No primeiro episódio dessa controvérsia, a Corte Especial do STJ analisou um caso de improcedência de IDPJ, decidindo pela incidência de honorários sucumbenciais nesses casos. Contudo, não ficou claro se a tese firmada se refere a análise dos honorários sucumbenciais apenas na hipótese de improcedência do incidente ou se também abrange situações de procedência do IDPJ.
Essa indefinição possui impacto prático significativo, pois, embora a possibilidade de acolhimento do IDPJ tenha sido mencionada no corpo do acórdão, essa questão não foi formalmente delimitada nem objeto de debate necessário. Fica a dúvida se a menção à 'não incidência de honorários na hipótese de procedência do IDPJ' constitui apenas um obiter dictum no REsp 2.072.206/SP ou se terá força vinculante.
Se fosse possível reescrever o início do primeiro episódio, enfatizaríamos a importância de delimitar a controvérsia de forma abrangente, incluindo o maior número possível de questões pertinentes, a fim de tornar o precedente mais útil e reduzir a necessidade de revisitar temas tangenciais. No entanto, como o episódio inicial já se desenrolou, resta-nos aguardar o desfecho, que ainda está em curso. Os embargos de declaração opostos ao acórdão do REsp 2.072.206/SP, cujo julgamento teve início em 21 de maio de 2025, poderão esclarecer a dúvida quanto àexistência, ou não, de força vinculante na hipótese de procedência do IDPJ. E, espera-se, que a afirmação relativa à "não incidência de honorários na hipótese de procedência do IDPJ" seja reconhecida como obiter dictum, abrindo espaço para uma análise mais aprofundada e para a correção do que se compreende como equívoco.
A manutenção do entendimento de que a condenação em honorários sucumbenciais é cabível apenas nos casos de improcedência do IDPJ, com sua exclusão nas hipóteses de procedência, gera inconsistências no sistema jurídico. Tal distinção afronta o princípio da simetria processual e pode ser interpretada como uma negativa de vigência ao caput do art. 85 do CPC, que determina a fixação de honorários sucumbenciais em todas as decisões que impliquem extinção do processo com resolução de mérito (seja de procedência ou improcedência). Ademais, essa diferenciação se mostra incompatível com a orientação firmada pelo STJ no Tema 587.
Ao deliberar sobre o cabimento de honorários sucumbenciais no IDPJ, a Corte Especial partiu da premissa de que se trata de uma ação incidental3. Nessa linha, limitar a fixação de honorários à hipótese de improcedência do incidente contradiz a própria premissa adotada, pois a natureza jurídica de ação do IDPJ não se modifica em razão de a parte sucumbente ser o autor.
Se o IDPJ é tratado como uma ação autônoma, impõe-se a aplicação do princípio da sucumbência, previsto no caput do art. 85 do CPC, independentemente do desfecho.
O caput do art. 85 do CPC consagra o princípio da sucumbência como critério objetivo para a definição da parte responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios. Tal critério visa identificar, de forma simplificada, quem deu causa à movimentação desnecessária da máquina judiciária, partindo da premissa de que, via de regra, a parte vencida é aquela que provocou a atuação indevida do Poder Judiciário.
O autor sucumbe quando a ação é julgada improcedente; o réu, quando a ação é julgada procedente. Em ambos os casos, a fixação de honorários constitui consequência lógica da existência de uma relação processual. Sob essa ótica, o acórdão proferido no REsp 2.072.206/SP no que se refere a procedência do IDPJ vulnera o princípio da sucumbência ao afirmar que "os encargos da sucumbência devem ser imputados a quem se utilizou indevidamente do instituto". A sucumbência deve ser aferida em relação à utilização indevida do Poder Judiciário, e não apenas ao uso indevido do IDPJ por parte do autor.
Justifica-se o acórdão dizendo que “... em caso de deferimento do pedido de desconsideração (direta ou inversa), com o efetivo redirecionamento da demanda contra o sócio ou a pessoa jurídica, conforme o caso, o eventual sucumbimento destes somente poderá ser aferido ao final” na ação principal. Tal justificativa contraria não apenas a premissa da qual partiu o acórdão (natureza de ação autônoma do IDPJ), mas também a ratio do Tema 587, STJ, prejudicando a coerência do sistema.
No Tema 587, o STJ analisou a possibilidade de condenação concomitante em honorários sucumbenciais nos embargos à execução (ação incidental) e na ação de execução (ação principal), tendo respondido afirmativamente à questão. Em sequência, o STJ esclareceu que a fixação de honorários em ambas as ações - principal e incidental - independe do resultado da ação incidental, reafirmando o critério objetivo do princípio da sucumbência, como se observa em voto da ministra Nancy Andrighi:
“... a cumulação dos honorários sucumbenciais fixados na ação de execução e nos embargos à execução deve ser admitida tanto na hipótese de procedência quanto na de improcedência dos pedidos neles formulados.
Permitir a cumulação apenas na hipótese de improcedência dos pedidos formulados nos embargos privilegiaria os advogados dos exequentes, o que não se admite, porquanto tal entendimento violaria a paridade de tratamento que deve ser conferida às partes.”4
A ratio decidendi do Tema 587 do STJ é plenamente aplicável à discussão sobre a cumulação de honorários sucumbenciais na ação principal e no IDPJ. Se, nos embargos à execução - ação incidental com natureza autônoma -, é admitida a fixação de honorários tanto na ação principal quanto na incidental, independentemente do resultado desta última, com mais razão essa conclusão se impõe no caso do IDPJ, que também ostenta natureza jurídica de ação autônoma.
Isso porque, enquanto os embargos à execução - apesar de autônomos - possuem natureza de defesa e, em caso de procedência ou parcial procedência, impactam substancialmente no processo de execução, revelando uma autonomia apenas relativa, o IDPJ apresenta autonomia completa em relação à ação principal. Seja julgado procedente ou improcedente, o resultado do incidente não altera substancialmente o processo principal, o qual permanece com o mesmo valor.
Exemplificando, uma execução de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) com procedência de embargos à execução e que tem como resultado a extinção da execução. Nos termos do tema 587, STJ, o advogado do executado receberá R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela sua atuação nos embargos à execução e R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela sua atuação na ação de execução. Se o resultado fosse inverso – improcedência dos embargos à execução, o advogado do exequente também receberia R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela sua atuação nos embargos à execução e R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela sua atuação na ação de execução.
Em contrapartida se esta mesma execução tivesse um IDPJ julgado procedente para incluir mais 4 executados no polo passivo da execução, o advogado do exequente nada receberia pela sua atuação no IDPJ, e receberia os mesmos R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela sua atuação na ação de execução5, valor este que agora será divido entre 5 litisconsortes.
Ao fim e ao cabo, deixar de aplicar o princípio da sucumbência nos casos de procedência do IDPJ, além de contrariar os fundamentos técnico-jurídicos anteriormente expostos - dentre eles, a ratio decidendi do Tema 587 do STJ -, acaba por conferir, na prática, um benefício indevido aos executados, tanto ao devedor principal quanto ao corresponsável patrimonial.
Manter o entendimento de que, na hipótese de procedência do IDPJ, não há condenação em honorários sucumbenciais, significa admitir que os corresponsáveis secundários não serão onerados na ação incidental e, na ação principal, os honorários acabarão diluídos entre os integrantes do polo passivo, que passará a contar com maior número de réus.
Em outras palavras, exige-se do credor uma postura processual responsável ao instaurar o incidente, mas se oferece, ao reverso, um cenário de impunidade processual à parte que abusa da personalidade jurídica, que não apenas não arcará com os ônus da sucumbência no incidente, como ainda poderá dividir os encargos na ação principal, caso sobrevenha a procedência do IDPJ.
Conclui-se, assim, que é cabível a fixação de honorários advocatícios no IDPJ, independentemente do resultado do incidente. Esse entendimento põe fim ao primeiro episódio da controvérsia e inaugura o segundo: de que forma os honorários devem ser fixados?
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1 “Assim,considerando a relevânciada matéria, asegurança jurídica e a função deste Tribunal Superior de uniformizar a interpretação da legislação federal, devendo-se manter,sempre que possível,a integridade ea coerência de sua jurisprudência, proponho, com fundamento no art. 14, II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a afetação do presente feito à Corte Especial.” (questão de ordem proferida pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no Resp nº 2072206/SP).
2 Houve a presença de três amici curiae: Febraban, OAB e IBDP.
3 “... o requerimento de desconsideração da personalidade representa exercício de pretensão e, portanto, dá ensejo a uma demanda incidental e não a um mero incidente. Há partes - inclusive com ampliação subjetiva do processo -, causa de pedir e pedido. Além disso, a decisão aplicará regras de direito material e produzirá efeitos na esfera jurídica dos envolvidos, determinando, se procedente, a responsabilidade de alguém por dívida alheia. Ainda, como se trata de questão de mérito resolvida em cognição exauriente, haverá produção de coisa julgada material.” (destaque do voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no Resp nº 2072206/SP)
4 STJ, REsp n. 1.980.956/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 9/12/2022.
5 A situação de desequilíbrio fica ainda mais evidente quando o advogado no IDPJ é distinto do advogado da ação principal. Nessas situações o advogado do IDPJ não receberá nada em nenhum momento.