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Omissão judicial e deferimento tácito da justiça gratuita

A omissão do juiz quanto ao pedido de justiça gratuita implica deferimento tácito do benefício, segundo o STJ.

2/6/2025

I. Introdução

O acesso à justiça é garantia fundamental, insculpida no art. 5°, XXXV, da CF/88. Como corolário lógico, a assistência judiciária gratuita é deferida àqueles que comprovadamente não possuem recursos para arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, conforme dicção do art. 5°, LXXIV, da Carta Magna e do art. 98 do CPC.

Não obstante a clareza solar dos dispositivos e a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência firmada por pessoa natural (art. 99,§3°, do CPC), não raras vezes o Poder Judiciário se omite em apreciar, tempestiva e expressamente, os pedidos de gratuidade da justiça formulados, gerando um limbo processual prejudicial ao jurisdicionado.

Contudo, o STJ, em sua função uniformizadora da interpretação da lei Federal, consolidou o entendimento de que a omissão do julgador em se manifestar sobre o pedido de assistência judiciária gratuita implica o seu deferimento tácito, em favor da parte requerente.

II. Fundamentação jurídica e jurisprudencial

Do dever de manifestação e da presunção de hipossuficiência da pessoa natural:

O art. 99, §2°, do CPC estabelece que o juiz somente poderá indeferir o pedido de gratuidade se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão, devendo, antes de indeferir, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. Para a pessoa natural, o §3° do mesmo artigo institui uma presunção relativa de veracidade da alegação de insuficiência.

A consolidação da tese do deferimento tácito pelo STJ:

A Corte Especial do STJ, no julgamento do AgRg nos EAREsp 440.971/RS (relator ministro Raul Araújo, DJe 17/3/16), firmou tese basilar sobre o tema:

"A omissão do julgador atua em favor da garantia constitucional de acesso à jurisdição e de assistência judiciária gratuita, favorecendo-se a parte que requereu o benefício, presumindo-se o deferimento do pedido de justiça gratuita, mesmo em se tratando de pedido apresentado ou considerado somente no curso do processo, inclusive nesta instância extraordinária."

Este entendimento foi reiteradamente reafirmado pela Corte Especial, como no EAREsp 731.176/MS (relatora ministra Laurita Vaz, DJe 22/3/21), que dispôs:

"A ausência de manifestação do Judiciário quanto ao pedido de assistência judiciária gratuita leva à conclusão de seu deferimento tácito, a autorizar a interposição do recurso cabível sem o correspondente preparo."

Mais recentemente, em 19/12/24, a Corte Especial, no EAREsp 2.506.419/SP (relator ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 9/1/25), reiterou:

"A ausência de manifestação do Judiciário quanto ao pedido de assistência judiciária gratuita leva à conclusão de seu deferimento tácito, a autorizar a interposição do recurso cabível sem o correspondente preparo. Precedentes da Corte Especial."

Aplicação consistente pelas turmas do STJ:

As turmas do STJ vêm aplicando uniformemente o entendimento da Corte Especial:

Consequências do deferimento tácito:

Uma vez presumido o deferimento da gratuidade, a parte fica dispensada do recolhimento das custas processuais, inclusive o preparo recursal. O benefício assim concedido tacitamente persiste em todas as instâncias e para todos os atos do processo, salvo se expressamente revogado por decisão fundamentada, conforme inteligência do art. 100 do CPC.

Importante ressaltar, como destacado no AgInt nos EDcl no AREsp 1.785.252/SP, que o benefício deferido tacitamente em sede especial possui efeitos ex nunc, não retroagindo para alcançar encargos já constituídos nas instâncias ordinárias, mas suspendendo a exigibilidade daqueles relativos ao momento do pedido ou posteriores.

Irrelevância da ausência de reiteração ou da alegação de preclusão:

A jurisprudência do STJ também aponta que não há preclusão para a parte renovar o pleito de gratuidade (AgInt nos EDcl no AREsp 1.785.252/SP). Assim, a simples ausência de manifestação judicial sobre o pedido inicial já configura o deferimento tácito, independentemente de reiterações, e afasta eventual alegação de preclusão em desfavor do requerente.

III. Conclusão e pedido (Exemplo para minutas)

Diante do exposto, considerando que a parte requerente/apelante, pessoa natural, formulou expressamente pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita em [indicar a petição e a data do protocolo], juntando a respectiva declaração de hipossuficiência, e não havendo manifestação expressa do doutor juízo a quo sobre o referido pleito até o presente momento [ou até a interposição do presente recurso], impõe-se o reconhecimento do deferimento tácito do benefício.

Tal entendimento encontra-se em total consonância com a pacífica e reiterada jurisprudência do egrégio STJ, conforme fartamente demonstrado pelos precedentes da Corte Especial (AgRg nos EAREsp 440.971/RS; EAREsp 731.176/MS; EAREsp 2.506.419/SP ) e de suas turmas.

A omissão judicial, nestes casos, opera pro jurisdicionado, garantindo o acesso à justiça e a presunção de veracidade da declaração de pobreza da pessoa natural (art. 99,§3°, CPC).

Marcelo Alves Neves
Advogado focado em conhecimento, eficiência e resultado. Tel./Wpp.: (16) 99169.4996 | Visite: www.man.adv.br | Instagram.: man.adv.br.

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