A aquisição de imóveis por meio de arrematação em leilões tem se tornado uma prática comum. Um levantamento realizado pela Smart Leilões estima que no ano de 2024 houve um crescimento de cerca de 228% no número de arrematações em relação aos anos de 2022 e 20231.
Dentre as principais razões para a alienação desses imóveis por meio de leilão está a consolidação da propriedade pelas instituições financeiras, em razão do inadimplemento dos compradores, seja por alienação fiduciária ou hipoteca, bem como débitos fiscais ou execuções judiciais. Contudo, independentemente da razão pela qual o imóvel foi a leilão, deve-se destacar que essa modalidade de aquisição é considerada, em regra, como aquisição originária, ou seja, adquire-se o bem livre de ônus anteriormente inscrito sobre ele.
Isto porque, esta forma de aquisição da propriedade implica o rompimento de todo e qualquer vínculo daquele bem com o antigo proprietário, desvinculando-o de quaisquer ônus e gravames que o embaraçavam. Nesse sentido é o entendimento do E. STJ, vejamos:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BAIXA DA PENHORA AVERBADA EM MATRÍCULA DE IMÓVEL. ARREMATAÇÃO DO BEM EM OUTRA DEMANDA JUDICIAL. FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. POSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. 1. A arrematação é forma de aquisição originária, de modo que tem o condão de extinguir qualquer gravame que incida sobre o bem arrematado, devendo o imóvel ser transferido ao arrematante livre de quaisquer ônus que recaiam sobre ele. Precedentes do colendo STJ e desta egrégia Corte estadual. 2. Em caso de disconcordância com a arrematação efetivada perante outro juízo, nada impede que a parte interessada busque a adoção de medidas cabíveis na execução onde ocorreu a arrematação do imóvel, ou em ação autônoma, nos moldes previstos nos §§ 1º e 4º do art. 903 do CPC. 3. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO" (e-STJ fl. 177).
(STJ - AREsp: 1504887 GO 2019/0139820-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 21/08/2019)
Destaque-se que, independentemente de o gravame ou ônus estar inscrito na matrícula do imóvel, este não poderá ser repassado ao arrematante, que recebe o imóvel completamente livre e desembaraçado. Observa-se, ainda, que a indicação do rompimento do vínculo do imóvel com quaisquer ônus ou gravames alcança também os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis. Nesse sentido dispõe o CTN, em seu art. 130, parágrafo único:
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
Extrai-se do artigo supracitado que em caso de arrematação, mesmo os débitos tributários de natureza propter rem deixam de incidir sobre o bem arrematado, passando a incidir sobre o valor arrecadado com a arrematação. Destaque-se que não há distinção quanto ao fato de a arrematação decorrer de execução judicial ou extrajudicial. Nestes casos, a diferença reside apenas na origem do leilão, o que não importa qualquer impacto à aquisição.
Desta forma, ainda que o imóvel esteja gravado de diversas penhoras, elas não impedirão o registro da propriedade pelo arrematante, que deverá requerer ao juízo o cancelamento das penhoras gravadas sobre o imóvel, uma vez que não serão canceladas imediatamente. Esse, por sua vez, expedirá ofício ao cartório de imóveis para que proceda com o cancelamento direto da penhora na matrícula do imóvel.
Embora este seja o entendimento majoritário, cabe pontuar que existe uma mínima parcela da doutrina, representada por Josué Modesto Passos, que entende a aquisição mediante arrematação como forma de aquisição derivada da propriedade. De acordo com o doutrinador, a arrematação decorre de um direito anterior a esta, que deu causa à execução e, portanto configura-se como aquisição derivada da propriedade.
De acordo com o doutrinador, um fator que corrobora com a conclusão de que se trata de uma aquisição derivada - e não originária - é o fato de ser cobrado ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis na arrematação, reforçando a ideia da transmissão da propriedade do bem imóvel cuja manifestação de vontade do devedor-proprietário é suprida pelo Estado-Juiz. Tal divergência, contudo, não altera o fato de que as penhoras gravadas no imóvel perderão a eficácia.
Desta forma, é possível concluir que a aquisição de imóvel por meio de leilão, transfere a propriedade do bem de forma livre e desembaraçada dos gravames que recaiam sobre ele, razão pela qual a doutrina majoritária entende se tratar de aquisição originária.
Não obstante, não raras as vezes a matrícula do imóvel objeto da arrematação está gravado com ônus e gravames de diversas naturezas, provenientes de processos distintos de execução. Em razão disso, a despeito do direito de o arrematante receber a propriedade do imóvel adquirido em leilão de forma livre e desembaraçada, pode ser necessário a realização de diligências perante os demais juízos que originaram os ônus e gravames, a fim de informar acerca da arrematação do imóvel e solicitar que seja determinada a retirada dos ônus e gravames da matrícula do imóvel.
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1 Assíria Florêncio. Leilão de imóveis: mercado cresce 228% nos últimos dois anos no Brasil. Movimento Econômico. 19/08/2024. Disponível em: https://movimentoeconomico.com.br/geral/redacao/2024/08/19/leilao-de-imoveis-mercado-cresce-228-nos-ultimos-dois-anos-no-brasil/