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Prisão preventiva revela falha do Estado em manter a ordem pública!

O texto mostra que a prisão preventiva fundamentada na ordem pública expõe a incapacidade estatal de manter a ordem, violando o direito à liberdade por falha na atuação do próprio Estado.

3/6/2025

Dando continuidade ao tema das prisões cautelares, passado sobre inconstitucionalidade da temporária, agora será abordado sobre a prisão preventiva, prevista no art. 312 do CPP, que quando decretada com fundamento na garantia da ordem pública demonstra uma incapacidade do Estado em cumprir sua Constituição provendo o básico à sociedade.

Explanando, de forma breve e teórica, a prisão preventiva é uma exceção à liberdade do indivíduo e ao princípio da presunção de inocência, podendo ser decretada em qualquer fase (inquérito ou instrução processual), não tem prazo estabelecido, sendo, portando, um destaque das cautelares.

A prisão preventiva demanda dessa atenção por ter a necessidade de ser devidamente fundamentada, quando o juiz - o único competente para decretar tal prisão - decide pela manutenção da preventiva ele deve, de forma justificada, demonstrar que, no caso concreto, outras prisões não são suficientes.

Além disso, o art. 312 estabelece os requisitos necessários para a decretação de tal instrumento, sendo eles: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal; juntamente com a prova da existência do crime, indicio suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade (fummus comissi delicti e pericullum libertatis).

Necessário esclarecer que a preventiva não pode ser decretada para preservação da integridade do agente delinquente, não cabendo, portanto, o argumento de proteção do Estado à integridade física do criminoso. Além disso, o clamor público e a gravidade do crime não devem (ou não deveriam), ser parâmetro para violação da liberdade, sob pena de garantias e direitos constitucionais.

Falando, especificamente, do requisito da garantia da ordem pública, não se tem um conceito exato, Paulo Rangel afirma que:

Por ordem pública deve se entender a paz e a tranquilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade.1

Diante desse conceito, podemos refletir que o Estado, ao prender o indivíduo com a justificativa em garantir a ordem pública, estaria declarando sua incompetência para atingir os fins sociais, determinados na nossa Constituição. Como que o Estado precisa dirimir a liberdade de alguém para promover as condições necessárias de assegurar a ordem?

Nessa linha, Tourinho Filho afirma que:

Quando se decreta a prisão preventiva como ‘garantia da ordem pública’, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa lei Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem pública’ diz tudo e não diz nada.2

A Constituição estabelece em seu art. 144 que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, logo, o Estado falha quando a partir do momento que o sujeito comete o crime e se torna perigoso, trazendo a justificativa da prisão como uma consequência para garantia da ordem.

A finalidade desse texto é de fazer uma reflexão, o fundamento previsto no art. 312 do CPP, seria incabível e inconstitucional. Primeiro, porque o Estado falha em não garantir a aplicabilidade do art. 144 da CRFB/1988. Segundo, porque antecipa a pena do acusado, sendo uma grave violação ao princípio da presunção de inocência.

Mas e se o criminoso ficar solto e continuar delinquindo no transcorrer da instrução processual?

Caberia então ao Estado, na forma do mesmo art. 144 da CRFB/1988, prover as condições necessárias para que isso não ocorra, destacando, então, que o problema está nos poderes constituídos, em cumprir os fins a que se destinam.

Outro questionamento valido para o caso concreto: quantos presos em flagrante tem a conversão para preventiva decretada com fundamento na ordem pública?

Não podemos afirmar, mas sabemos que são inúmeros, sendo essa, uma prova que o Estado se utiliza de instrumentos arbitrários para violar a integridade e liberdade do individuo por conta de sua incompetência em prover os direitos básicos e necessários para uma sociedade eficaz.

O agente cometer um ato delituoso é a consequência de um Estado que falha nas condições mínimas de vivência, como a estrutura de segurança aos cidadãos, com isso, a prisão preventiva é a consequência de problema extremamente maior, que não se resolverá violando a liberdade.

Finalizo afirmando que não deveríamos permitir uma afronta clara a nossa Constituição, que é o direito da liberdade, com um fundamento que demonstra incapacidade do Estado na gerência dos direitos mínimos, é irracional pensar que estamos combatendo a consequência (sujeito delinquente), e não a causa do problema (falha nas estruturas dos poderes constituídos).

_______

1 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal 6ª edição revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Lúmen Juris. 2002, p. 528

2 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo. Saraiva. 2003. V.III. p. 510

Leonardo Marinho Montenegro
Advogado Criminalista, especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro- EMERJ. Auditor do TJD-RJ. Atuou como Delegado de Prerrogativas.

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