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Disputas entre sócios: Estratégias para evitar o colapso da empresa

Análise estratégica das disputas entre sócios, com foco em causas, prevenção por governança e soluções judiciais e extrajudiciais à luz do Direito Societário brasileiro.

4/6/2025

A convivência entre sócios, embora essencial à constituição e à manutenção de empreendimentos coletivos, está longe de ser imune a tensões. As relações societárias, por sua própria natureza, envolvem expectativas distintas, níveis variados de dedicação, interesses econômicos e afetivos, e, muitas vezes, visões estratégicas conflitantes. Quando não são devidamente estruturadas desde o nascimento da sociedade, essas divergências podem evoluir para impasses graves, comprometendo a governança, a continuidade e o próprio valor do negócio.

Este artigo propõe uma abordagem estratégica das disputas entre sócios, com início na identificação das causas mais comuns dos conflitos societários e nas boas práticas de governança preventiva. Na sequência, são analisadas as principais medidas judiciais e extrajudiciais disponíveis para a resolução dessas controvérsias, à luz do ordenamento jurídico brasileiro. O objetivo é oferecer ao operador do Direito e ao empresário atento não apenas um arsenal técnico de soluções, mas também um olhar pragmático voltado à preservação da atividade empresarial e à pacificação das relações internas.

1. Causas comuns de conflitos entre sócios

A experiência prática evidencia que disputas societárias raramente eclodem de forma abrupta ou isolada. Na maioria dos casos, os conflitos decorrem de uma combinação de fatores estruturais, comportamentais e contratuais, com uma evolução silenciosa que conduz ao colapso da confiança entre os sócios. Compreender as origens mais recorrentes desses litígios é essencial para a prevenção e a escolha da estratégia jurídica mais adequada à sua resolução.

1.1. Desalinhamento de visões estratégicas

Uma das causas mais recorrentes de atrito entre sócios é a divergência quanto à condução dos negócios, especialmente no tocante a investimentos, expansão, reinvestimento de lucros e gestão de riscos. Em sociedades com crescimento acelerado, é comum que sócios fundadores, muitas vezes unidos inicialmente por afinidade pessoal, passem a divergir quanto aos rumos estratégicos da empresa, revelando visões incompatíveis de longo prazo.

A ausência de um pacto societário robusto, prevendo mecanismos de resolução de impasses estratégicos (como cláusulas de deadlock), agrava sobremaneira esses conflitos, tornando inviável a continuidade harmônica da affectio societatis.

1.2. Desigualdade na dedicação ou contribuição ao negócio

Outro fator sensível é a percepção de desequilíbrio na contribuição de trabalho, capital ou expertise entre os sócios. Situações em que um dos sócios se ausenta da gestão, reduz sua participação operacional ou se dedica a outros empreendimentos podem gerar sensação de injustiça, especialmente quando os lucros são divididos de forma equitativa.

Esse cenário é potencializado pela inexistência de critérios objetivos para remuneração pró-labore, distribuição de lucros ou metas de performance vinculadas à permanência societária (vesting, lock-up, entre outros).

1.3. Divergências sobre distribuição de resultados

A falta de consenso sobre o uso do resultado da sociedade - seja para distribuição entre os sócios, seja para reinvestimento na operação - é fonte de constantes dissensos. Enquanto alguns sócios podem priorizar a liquidez pessoal, outros podem defender a capitalização da empresa.

Tais desentendimentos, quando não regulados em contrato social ou acordo de sócios, comprometem o planejamento financeiro do negócio e favorecem rupturas, sobretudo em sociedades familiares ou com composição paritária.

1.4. Quebra de deveres fiduciários e atos de deslealdade

A prática de atos contrários à lealdade societária constitui causa objetiva de conflitos, inclusive apta a ensejar exclusão por justa causa.

Dentre os comportamentos mais lesivos, destacam-se:

A violação de deveres fiduciários, além de fragilizar a confiança entre os sócios, pode configurar abuso de poder de controle, administração temerária ou mesmo infração penal, ensejando medidas judiciais imediatas.

1.5. Falta de formalização e ambiguidade contratual

Cláusulas genéricas, contraditórias ou silentes em relação a aspectos sensíveis da governança societária, como regras de sucessão, critérios de avaliação de quotas, quorum deliberativo e poderes dos sócios, favorecem interpretações divergentes e litígios.

A ausência de instrumentos auxiliares como acordo de sócios, política de sucessão e regulamento interno contribui para a insegurança jurídica e desorganização interna, dificultando a gestão da empresa e a resolução célere dos conflitos.

1.6. Interferência de questões pessoais ou familiares

Em sociedades constituídas entre familiares, amigos ou cônjuges, é comum a transferência de conflitos pessoais para a esfera empresarial. O entrelaçamento emocional e patrimonial pode obstruir decisões racionais, dificultar negociações e inviabilizar soluções objetivas. Nesses casos, a mediação prévia e o distanciamento profissional da assessoria jurídica são ainda mais recomendáveis.

2. Prevenção de conflitos: Boas práticas de governança societária

A verdadeira excelência na administração societária não reside apenas na reação eficiente aos litígios instalados, mas sobretudo na capacidade de preveni-los por meio de mecanismos sólidos de governança.

A adoção de boas práticas no ambiente societário permite a construção de relações mais estáveis, transparentes e previsíveis entre os sócios, mitigando riscos jurídicos e favorecendo a longevidade da atividade empresarial.

2.1. Planejamento jurídico na constituição da sociedade

A prevenção começa na origem. A elaboração criteriosa do contrato social ou do estatuto da sociedade deve refletir não apenas os aspectos formais exigidos em lei, mas, sobretudo, as regras específicas que regerão a convivência societária.

É recomendável que o instrumento constitutivo vá além do modelo padrão, contemplando:

Esse nível de detalhamento confere segurança jurídica e evita que o silêncio normativo seja fonte de litígio futuro.

2.2. Acordo de sócios: Instrumento de alinhamento estratégico

O acordo de sócios ou acordo de quotistas, previsto no art. 118 da lei das sociedades por ações (e admitido por analogia nas sociedades limitadas), é instrumento fundamental para a governança moderna. Por meio dele, é possível regular:

Sua natureza contratual confere flexibilidade às partes, permitindo ajustes finos que muitas vezes não são compatíveis com o contrato social, além de propiciar soluções privadas, céleres e mais eficazes para situações de crise.

2.3. Formalização das deliberações e documentação contábil

A informalidade excessiva na condução dos negócios é terreno fértil para disputas. A realização periódica de reuniões ou assembleias formais, com lavratura de atas detalhadas e arquivamento regular na Junta Comercial, constitui prática essencial de governança.

Da mesma forma, é imprescindível manter a escrituração contábil atualizada e transparente, com livros e demonstrativos financeiros auditáveis. A ausência de registros contábeis idôneos compromete a apuração de haveres, prejudica a prestação de contas e fragiliza a posição da parte diligente em eventual litígio.

2.4. Política de sucessão e continuidade

A ausência de um plano sucessório definido é uma das maiores causas de instabilidade em sociedades familiares ou com sócios em idade avançada.

Recomenda-se que a sociedade defina, por escrito, a política de sucessão:

Tais instrumentos não apenas evitam disputas entre espólio e sócios remanescentes, como também preservam o controle societário em mãos estratégicas.

2.5. Implementação de cultura de compliance e códigos de conduta

A disseminação de princípios de integridade, transparência e responsabilidade entre os sócios e administradores contribui para um ambiente mais previsível e ético. Códigos internos de conduta, canais de denúncia e políticas anticorrupção devem ser adaptados à realidade da sociedade, ainda que de pequeno ou médio porte.

A implantação de práticas de compliance também pode auxiliar na identificação precoce de condutas lesivas à sociedade, facilitando sua correção antes que se convertam em disputas irreversíveis.

2.6. Assessoria jurídica contínua e preventiva

Por fim, a presença de assessoria jurídica especializada desde a constituição da sociedade até sua fase de maturidade revela-se medida indispensável à prevenção de litígios. A atuação consultiva do advogado, pautada na antecipação de riscos e na adoção de soluções personalizadas, deve ser constante e não apenas acionada em momentos de crise.

3.   Litígios e disputas societárias no Poder Judiciário

A convivência societária, embora essencial à constituição de empreendimentos coletivos, frequentemente revela tensões e conflitos que desafiam a continuidade saudável da atividade empresarial.

Quando o consenso entre os sócios se torna inviável, o ordenamento jurídico brasileiro oferece uma série de medidas judiciais aptas a restabelecer a ordem interna, resguardar direitos e, se necessário, dissolver os vínculos societários.

A seguir apresentam-se as principais medidas disponíveis para solução de disputas entre sócios, abordando as ações judiciais cabíveis, com enfoque prático e fundamentos legais.

Ação de dissolução parcial de sociedade

Prevista nos arts. 1.029 a 1.035 do CC, essa ação permite a retirada de um ou mais sócios da sociedade, com consequente apuração de seus haveres, sem, contudo, implicar na extinção da pessoa jurídica. Trata-se de importante instrumento para a preservação da atividade econômica em casos de ruptura da affectio societatis, falecimento de sócio ou deliberação de exclusão.

Ação de dissolução total de sociedade

Utilizada em hipóteses extremas, quando a continuidade da sociedade se torna inviável, a dissolução total encontra respaldo no art. 1.044 do CC. Nessa via, requer-se a liquidação integral do patrimônio social e a extinção da empresa, com partilha entre os sócios ou herdeiros, bem como o pagamento da totalidade das dívidas ou passivos, sob pena de serem automaticamente transferidos aos sócios.

Ação de apuração de haveres

Pode ser proposta de forma autônoma ou incidental à dissolução, com o fim de quantificar o valor justo da participação societária do sócio desligado. Fundamenta-se, principalmente, no art. 1.031, §§2º e 3º, e demanda perícia contábil para o cômputo do valor patrimonial das quotas.

Ação de exclusão judicial de sócio

Prevista no art. 1.030 do CC, essa medida visa afastar sócio cuja conduta prejudique deliberadamente a sociedade, sendo imprescindível a comprovação de justa causa, como atos de inegável gravidade ou violação de deveres fiduciários.

Ação anulatória de deliberação social

Utilizada quando decisões assembleares ou de reunião de sócios são tomadas em desacordo com a lei ou com o contrato social. A ação busca declarar a nulidade do ato jurídico viciado, com base no art. 1.015, §1º do CC.

Ação de responsabilização de sócio, diretor ou administrador por atos de gestão

Destinada a apurar a responsabilidade de sócios ou administradores que tenham causado danos à sociedade por meio de condutas culposas ou dolosas. Fundamenta-se nos arts. 1.011, §1º, e 1.016 do CC, e pode culminar em condenação pessoal ao ressarcimento de prejuízos.

Ação de prestação de contas

Nos termos dos arts. 550 e seguintes do CPC, esta ação visa compelir sócio ou administrador à apresentação das contas relativas à gestão empresarial, sendo essencial para verificação de eventuais irregularidades ou abusos na administração.

Ação declaratória de inexistência de relação societária

Cabível nas hipóteses em que se alegue simulação, falsidade documental ou inexistência do consentimento válido, esta ação tem como finalidade afastar retroativamente os efeitos de um vínculo societário inexistente ou viciado.

Ação de obrigação de fazer

Quando um sócio se recusa a praticar ato societário devido, como assinar alteração contratual ou entregar livros contábeis, pode-se recorrer à via judicial para obter ordem de cumprimento, nos termos do art. 497 do CPC.

Ação de urgência em litígios societários

Em situações de iminente prejuízo, o sócio lesado pode requerer medidas cautelares ou antecipatórias, como o bloqueio de bens, a suspensão de deliberações, ou a restrição ao exercício de poderes de administração. Fundamentam-se no art. 300 do CPC e visam preservar o resultado útil do processo principal.

4. Litígios e disputas societárias - Extrajudiciais

Existem ainda medidas extrajudiciais cabíveis à luz da boa governança, autonomia da vontade e mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como mediação, arbitragem, exclusão extrajudicial de sócio e reestruturações contratuais.

Apresentam-se agora os instrumentos extrajudiciais disponíveis aos sócios e administradores. Essas soluções, muitas vezes mais céleres, econômicas e eficazes, são fortemente recomendadas quando ainda subsistem canais mínimos de diálogo entre as partes ou quando a natureza do conflito permite autocomposição.

Mediação Empresarial

A mediação, regulamentada pela lei 13.140/15, constitui ferramenta nobre para solução de disputas negociais, sobretudo em sociedades familiares ou de pequeno e médio porte. Permite que os próprios sócios, com auxílio de um terceiro imparcial, alcancem consensos que preservem relações e evitem o desgaste da via judicial. Trata-se de medida não vinculativa, mas de elevada força prática e institucional.

Arbitragem Societária

A arbitragem, por sua vez, encontra previsão na lei 9.307/1996 e tem ganhado grande adesão em contratos sociais e acordos de sócios, especialmente em sociedades por ações e sociedades limitadas com estrutura mais sofisticada. Sua vantagem está na confidencialidade, especialização dos árbitros e força executiva da sentença arbitral, que equivale à sentença judicial. Sua utilização exige cláusula compromissória válida ou convenção arbitral posterior.

Exclusão extratrajudicial de Sócio

Nos termos do art. 1.085 do CC, o contrato social pode prever a exclusão de sócio minoritário mediante deliberação dos demais titulares da maioria absoluta do capital social, desde que por justa causa. A exclusão deve ser formalizada por meio de ata específica e posteriormente registrada na Junta Comercial. Trata-se de medida que exige rigor técnico e documental, sob pena de nulidade.

Notificação Extrajudicial

Instrumento simples e eficaz, a notificação extrajudicial permite cientificar formalmente o sócio inadimplente, omisso ou infrator, servindo como prova documental da tentativa de solução prévia do conflito. Pode conter advertência, constituição em mora, exigência de regularização de conduta ou convocação para assembleia.

Lavratura de Ata Notarial

Quando o objetivo é documentar comportamento reprovável, omissões ou impasses societários, a ata notarial lavrada por tabelião confere fé pública aos fatos constatados, produzindo prova robusta para eventual demanda judicial ou arbitral futura.

Alteração Contratual Consensual

Sempre que os sócios concordarem em reestruturar a sociedade para superar impasses, seja por meio de compra e venda de quotas, cisão parcial, ingresso de novo sócio ou redefinição de regras de governança, é possível, mediante acordo, proceder à alteração contratual. Essa solução é frequentemente utilizada para viabilizar a saída de sócio dissidente ou implementar novos modelos de controle e administração.

5. Conclusão

O enfrentamento de conflitos societários não deve ser encarado como um fracasso da sociedade, mas sim como uma fase natural da vida empresarial. O ordenamento jurídico oferece uma ampla gama de instrumentos, judiciais e extrajudiciais, que, se utilizados com estratégia e técnica, possibilitam preservar o valor do negócio e proteger o interesse legítimo das partes envolvidas.

A atuação preventiva, com a elaboração de contratos sociais e acordos de sócios bem redigidos, prevendo cláusulas de resolução de conflitos, exclusão por justa causa, apuração de haveres e arbitragem, constitui o mais eficaz antídoto aos litígios desgastantes.

Quando o conflito se instala, apesar de todas as medidas tentando evita-lo, cabe ao advogado orientar com precisão sobre os caminhos mais adequados, respeitando o perfil da sociedade, a complexidade do impasse e os objetivos econômicos e pessoais em jogo.

Lucas Hernandez do Vale Martins
Pós-Graduado pela FGVLaw em Processo Civil. Especialista em Contract Law - Harvard Law School. Advogado Societário e Empresarial com projeção Internacional. Relator do Tribunal de Ética da OAB/SP

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