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Financiamento de litígios: Solução legítima, desde que respeite os limites da lei

O financiamento de litígios é uma solução legítima para ampliar o acesso à justiça, desde que respeite os direitos dos credores e os limites legais.

5/6/2025

O financiamento de litígios tem se consolidado no Brasil como uma alternativa inteligente para viabilizar o acesso à justiça, especialmente em disputas complexas ou de alto custo. É um modelo que conecta empresas com créditos relevantes a investidores dispostos a assumir o risco, apostando em uma eventual recuperação. Essa prática, que já é comum em outros países, tem ajudado a destravar bilhões de reais em ativos judiciais - e a movimentar a economia. Mas ela não é, nem pode ser uma zona livre de responsabilidade jurídica.

A recente decisão do TJ/MG deixou isso claro. O caso envolvia a cessão de créditos futuros por parte de uma empresa que já estava sendo executada judicialmente por dívidas. O objetivo era financiar duas arbitragens contra a Petrobras. O tribunal entendeu que essa operação configurava fraude à execução: houve alienação de ativos com valor potencial, em momento posterior ao surgimento das dívidas, sem qualquer garantia de preservação para os credores.

Esse tipo de decisão nos lembra que não basta que o financiamento de litígios esteja bem estruturado contratualmente. É essencial respeitar os institutos jurídicos de fraude à execução e fraude contra credores, que existem justamente para proteger aqueles que aguardam a satisfação de seus créditos. Financiar um litígio de uma empresa endividada, sem observar essas balizas legais, não gera qualquer tipo de preferência ou privilégio automático, tampouco legitima o ato.

A única exceção relevante em termos de preferência - e que precisa ser destacada - refere-se aos honorários advocatícios, que possuem natureza alimentar e foram recentemente reconhecidos pelo STF como preferenciais, inclusive em relação ao crédito tributário. No julgamento do RE 1.326.559/SC, o STF confirmou a constitucionalidade do art. 85, §14, do CPC, equiparando os honorários aos créditos trabalhistas, com os mesmos privilégios. Esse entendimento reforça a importância da advocacia, mas não pode ser confundido com o crédito decorrente de financiamento de litígios, que não tem natureza alimentar nem preferência legal.

Portanto, o financiamento de litígios deve ser compreendido como uma ferramenta de apoio para equilibrar disputas assimétricas, especialmente em casos complexos. Quando bem estruturado e respeitando o ordenamento jurídico, é extremamente bem-vindo e contribui para o acesso à justiça e à eficiência do sistema.

Contudo, ele não pode ignorar os direitos dos credores nem os mecanismos legais que protegem o patrimônio de devedores contra manobras indevidas. O financiamento de litígios não pode ser usado para blindar ativos ou evitar execuções; se isso ocorrer, é legítimo que o Judiciário intervenha e reconheça o abuso da estrutura.

Além disso, a ausência de uma regulamentação específica abre espaço para interpretações divergentes e insegurança jurídica para todas as partes envolvidas - credores, devedores, financiadores, advogados e terceiros interessados. Por isso, é urgente avançar na construção de um marco regulatório claro, fruto do diálogo entre Judiciário, Legislativo e a iniciativa privada.

Em resumo: o financiamento de litígios é parte da evolução do sistema de justiça. Mas, como toda inovação, precisa andar de mãos dadas com a legalidade, a responsabilidade e a transparência. Ignorar dívidas existentes e comprometer o direito dos credores não é estratégia jurídica - é fraude. E o Judiciário tem razão em coibir isso.

É chegada a hora de amadurecer esse debate, afastando tanto os exageros punitivos quanto a ideia de imunidade contratual. O financiamento de litígios pode - e deve - ter um papel relevante no ambiente jurídico brasileiro. Mas, como toda inovação, precisa estar ancorado em princípios sólidos, respeito à ordem legal e responsabilidade com o sistema como um todo. O futuro do financiamento de litígios no Brasil depende de um ambiente com regras claras, respeito aos credores e segurança jurídica para todos os envolvidos.

Renata Nilsson
CEO e sócia da PX Ativos Judiciais | Consultora especializada em fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas focadas na aquisição de créditos judiciais incluindo trabalhistas, cíveis e precatórios.

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