A efetividade da tutela jurisdicional executiva é uma das garantias fundamentais do processo civil contemporâneo. À luz do art. 139, inciso IV, do CPC, o juiz deve empregar medidas necessárias para assegurar o resultado prático do processo, mesmo que atípicas, desde que proporcionais, razoáveis e respeitadas as garantias constitucionais. Dentro desse contexto, a penhora de créditos locatícios tem sido admitida como meio legítimo e eficaz para a satisfação do crédito exequendo.
Recentemente, o TJ/CE, em acórdão proferido no agravo de instrumento 0633833-49.2022.8.06.0000, confirmou decisão da 1ª vara Cível da Comarca de Caucaia que autorizou a penhora dos créditos locatícios de quatro lojas de shopping pertencentes à empresa executada, mesmo diante da existência de outros bens imóveis anteriormente penhorados.
A controvérsia instaurada dizia respeito à alegação da executada de que a constrição seria indevida por representar risco à continuidade de suas atividades empresariais, violando os princípios da preservação da empresa e da menor onerosidade. Alegava-se, ainda, que os bens imóveis penhorados anteriormente seriam suficientes para a garantia do juízo.
Entretanto, o juízo de origem, nos autos do cumprimento de sentença da ação monitória 0035781-92.2013.8.06.0064, destacou que, embora existam imóveis penhorados, estes também estavam sujeitos a outras constrições judiciais em execuções distintas, não havendo segurança quanto à suficiência desses bens para adimplir a obrigação. Assim, foi determinada a penhora dos aluguéis de contratos celebrados com grandes locatários, como o Estado do Ceará, Lojas Americanas, Ortobom e Pague Menos, com depósitos em conta judicial vinculada ao feito.
O acórdão do TJ/CE, ao manter a decisão, fundamentou-se no art. 867 do CPC, que expressamente autoriza a penhora de frutos e rendimentos de bens do executado sempre que isso representar uma via mais eficiente para o recebimento do crédito. Ressaltou-se, ainda, que essa modalidade de penhora não se confunde com o bloqueio de faturamento da empresa, uma vez que não houve prova de que os valores locatícios representassem parcela essencial à sua atividade operacional.
O tribunal também rejeitou a alegação de excesso de penhora. Embora a executada tivesse imóveis penhorados, a multiplicidade de credores, o histórico de tentativas frustradas de bloqueio via SISBAJUD e a ausência de garantia efetiva do juízo justificavam a constrição adicional. Ademais, a empresa não comprovou que os aluguéis constritos comprometiam sua folha de pagamento, recolhimento tributário ou regular funcionamento.
Ainda sobre a matéria, no julgamento do Tema 769, sob o rito dos recursos repetitivos, a primeira seção do STJ estabeleceu quatro teses relativas à penhora sobre o faturamento de empresas em execuções fiscais:
I – A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora de faturamento foi afastada após a reforma do CPC de 1973 pela lei 11.382/06.
II – No regime do CPC de 2015, a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, parágrafo 1º, do CPC), justificando-a por decisão devidamente fundamentada.
III – A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro.
IV – Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805 e parágrafo único do CPC de 2015; art. 620 do CPC de 1973): a) a autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado.
Portanto, a decisão analisada, embora de natureza cível e não tributária, reafirma a jurisprudência consolidada segundo a qual, não sendo possível a satisfação do crédito por outros meios, é legítima a penhora de aluguéis, inclusive integralmente, desde que não demonstrada a inviabilidade da atividade econômica da devedora. A argumentação genérica de prejuízo sem comprovação documental não é suficiente para impedir a adoção de medidas coercitivas legais.
Sob esse prisma, o precedente reforça a função do Judiciário de equilibrar os princípios da efetividade da execução e da menor onerosidade, sempre com base em critérios objetivos e provas concretas. O processo executivo não pode ser um espaço de protelação, mas sim um instrumento legítimo de realização do direito reconhecido em título executivo.