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O golpe do falso advogado e a possibilidade de indenização

Neste artigo explicaremos o que é e como funciona o “golpe do falso advogado” e analisaremos se os bancos têm responsabilidade pelos prejuízos das vítimas.

13/6/2025

Um novo golpe tem conquistado espaço nos noticiários1 nos últimos tempos: trata-se do “golpe do falso advogado”. Resumidamente, quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos e fraudes bancárias obtêm dados referentes a processos judiciais encerrados ou em andamento e entram em contato com as partes (geralmente pessoas físicas), passando-se pelo advogado real da vítima e induzindo-a a realizar pagamentos de taxas e/ou de honorários fictícios, sob a promessa de subsequente recebimento de indenizações.

O golpe do falso advogado requer uma preparação meticulosa. Abaixo, analisaremos todas as etapas da fraude.

1ª Etapa do golpe do falso advogado: Abertura de contas bancárias em nome de “laranjas” para receptação do produto da fraude.

Para aplicar o golpe do falso advogado, em primeiro lugar, os estelionatários abrem ou obtêm acesso a contas bancárias em nome de “laranjas” para receptar o dinheiro proveniente das fraudes que serão praticadas. Trata-se de peça chave na empreitada criminosa, pois, sem conta bancária operacional, os bandidos ficariam demasiado limitados para extrair dinheiro das vítimas.

Os “laranjas” geralmente são pessoas que alugam seus CPFs para organizações criminosas em troca de pagamentos mensais ou até mesmo participação nos lucros do crime.

2ª Etapa do golpe do falso advogado: Escolha do alvo e obtenção de dados processuais.

Após garantir o acesso a contas bancárias válidas, os estelionatários escolhem um advogado ou escritório de advocacia, geralmente com farta clientela. Na sequência, o fraudador obtém dados e documentos relativos a processos patrocinados pelo advogado ou escritório.

Tais dados e documentos são facilmente obtidos em razão do princípio da publicidade processual, que impera na legislação pátria (vide art. 5º, LX da CF e art. 26, III, do CPC). Vale dizer: a publicidade do processo e das decisões judiciais é a regra; o segredo de justiça é a exceção, somente aplicável nas restritas hipóteses da lei.

Ademais, qualquer advogado com certificado digital e determinados servidores do Poder Judiciário conseguem ter acesso completo ao processo não coberto por segredo justiça, podendo facilmente obter cópia não somente das decisões (acessíveis a qualquer pessoa), mas também de petições, documentos e laudos constantes nos autos.

Depois de coletar informações e documentos sobre os processos, os meliantes pegam uma foto do advogado na internet ou clonam o logotipo do escritório, inserindo tal foto ou logotipo em um perfil de aplicativo de mensagens (p. ex., WhatsApp), comumente com o mesmo DDD do telefone real do advogado alvo do estelionato.

3ª Etapa do golpe do falso advogado: Aplicação do golpe nas vítimas.

Munidos de contas bancárias operacionais, de um perfil falso e de informações/documentos sobre os processos de um advogado ou escritório específico, os fraudadores começam a abordar sistematicamente os clientes deste advogado/escritório.

Os bandidos geralmente alegam que houve ganho de causa e que existe uma indenização disponível para saque, induzindo a vítima a pagar taxas judiciais, impostos ou honorários fictícios, para viabilizar o recebimento da suposta indenização.

Os pagamentos feitos pelas vítimas são direcionados às contas de “laranjas”, criadas ou obtidas de antemão pela organização criminosa e, a partir de lá, os bandidos transferem o dinheiro de conta em conta até que o mesmo chegue ao beneficiário final da fraude.

Como se prevenir contra o golpe do falso advogado?

Para prevenção contra o golpe do falso advogado, a medida de segurança mais importante é sempre utilizar apenas os canais oficiais de comunicação disponibilizados por seu advogado no momento da contratação. A título de exemplo, este autor (que é advogado) informa categoricamente a seus clientes que os contatos oficiais são feitos somente por um número de telefone e por um e-mail específicos, que constam no contrato de prestação de serviços e no rodapé de todas as petições.

Assim, qualquer contato recebido por canais de comunicação diferentes daqueles indicados expressamente por seu advogado, devem ser prontamente desconsiderados ou, pelo menos, analisados com extrema desconfiança e cautela.

Caso o cliente não consiga contato com seu advogado pelos canais oficiais disponibilizados no momento da contratação, ele poderá consultar o número de telefone constante no Cadastro Nacional de Advogados2 ou validar o endereço de e-mail pela ferramenta “ConfirmADV”, recentemente lançada pela OAB3 no intuito de coibir o golpe do falso advogado.

Meu advogado tem culpa pelo golpe do falso advogado?

A nosso ver, o advogado real não tem qualquer culpa nos casos do golpe do falso advogado, a não ser que se produza provas em sentido contrário.

Isto porque, como explanado acima, os estelionatários têm muita facilidade em obter dados e documentos relativos a processos judicias, não se podendo imputar responsabilidade ao advogado real pelo “vazamento” de tais informações. Sequer é possível falar em “vazamento”, pois, pelo princípio da publicidade processual, as informações e decisões de processos não cobertos por segredo de justiça são públicas.

Quanto às fotos utilizadas no perfil falso, desde a criação e difusão da internet, é fato notório que, uma vez disponibilizada na rede mundial de computadores, uma imagem está sujeita a ser capturada por terceiros (às vezes mal intencionados). E os advogados, como qualquer outro profissional liberal, usam fotos para promoção e divulgação de seu trabalho na internet, o que os torna alvo em potencial para estelionatos.

A situação já é diferente em relação aos bancos, conforme veremos abaixo.

O banco utilizado pelo estelionatário para receptar o produto da fraude pode ser responsabilizado por ressarcir os prejuízos sofridos pelas vítimas do golpe do falso advogado?

É evidente que o golpe do falso advogado (e vários outros golpes, diga-se de passagem), jamais se concretizaria caso os estelionatários não tivessem amplo acesso a contas bancárias irregulares, abertas em nome de “laranjas” - muitas vezes com o exclusivo intuito de receptar o produto de fraudes financeiras.

Em casos de fraude, a responsabilidade dos bancos é objetiva, isto é, independe de culpa, nos termos do art. 14 do CDC. Reforçando tal linha argumentativa, a súmula 479 do STJ prescreve:

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Assim, em tese, é possível responsabilizar judicialmente a instituição financeira que abriu e manteve a conta bancária utilizada para receptar o produto do golpe do falso advogado, caso o banco em questão não consiga demonstrar em juízo que a abertura da conta fraudulenta respeitou a regulamentação do BACEN - Banco Central do Brasil, em especial os arts. 2º e 6º da resolução CMN 4.753/19.

A tese esposada por este autor, embora embrionária, já foi acolhida em julgados do TJ/SP. Vejamos um exemplo:

“Apelação. Ação de indenização de danos materiais e morais. Golpe do falso advogado. Realização de transferência bancária pela autora de sua conta corrente para terceiro. Requerido Picpay Serviços que providenciou a abertura sem as cautelas devidas da conta que recepcionou os valores em favor do estelionatário. A negligência em adotar medidas de segurança e compliance (KYC) implica responsabilidade pelo dano sofrido pelo consumidor. O dano moral resta configurado diante dos transtornos e dissabores experimentados pela autora em razão da falha da instituição financeira. Indenização fixada em R$ 5.000,00. Restituição de forma simples dos valores porque não preenchidos os requisitos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Sentença reformada. Recurso da autora parcialmente provido.”4 (grifos nossos).

Fui vítima do golpe do falso advogado. O que faço agora?

Para quem foi vítima do golpe do falso advogado, as recomendações iniciais são alertar o advogado (real) acerca da ocorrência do golpe, contestar todas as transações fraudulentas perante o banco a partir do qual foram realizadas e registrar boletim de ocorrência, informando, sempre que possível, o número de telefone ou e-mail utilizado para aplicação do golpe, bem como os dados da conta bancária utilizada para receptar o produto do crime.

Recomenda-se também que a vítima salve print screen de todas as mensagens trocadas com o estelionatário e do perfil utilizado para praticar o crime, pois tais capturas de tela poderão ser utilizadas como prova em eventual processo judicial.

Caso o banco da vítima negue o ressarcimento do prejuízo sofrido, o ideal é sempre consultar um advogado especialista em fraudes bancárias para analisar detalhadamente o caso concreto e estudar a viabilidade de ajuizamento de uma ação indenizatória.

_______

1 https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2025/05/02/golpe-do-falso-advogado-criminosos-acessam-processos-judiciais-para-extorquir-dinheiro-de-vitimas-saiba-como-se-proteger.ghtml; https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/nordeste/ce/golpe-do-falso-advogado-quadrilha-e-presa-no-ceara/. Acesso em 10.06.2025.

2 CNA. https://cna.oab.org.br. Acesso em 10.06.2025.

3 OAB. https://confirmadv.oab.org.br/. Acesso em 10.06.2025.

4 TJSP. Apelação Cível nº 1013455-64.2024.8.26.0037, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau, Rel. Paulo Sérgio Mangerona, j. em 16.04.2025.

Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Advogado especialista em Direito Civil, Direito do Consumidor e Fraudes Bancárias, bacharel em Direito pela USP e pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV-SP.

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