Nos últimos meses, a internet tem sido palco de intensas discussões a respeito de um tema aparentemente inofensivo, mas que tem gerado reações desproporcionais: os bebês reborn. Esses bonecos hiper-realistas, criados com o intuito de se assemelhar a recém-nascidos, são utilizados por colecionadores, artistas e, principalmente, por mulheres — muitas vezes chamadas de “mães de reborn” — que cuidam dessas figuras como se fossem filhos reais. A prática, embora não seja nova, reacendeu debates nas redes sociais, desta vez com um tom bastante hostil.
Vídeos de mulheres trocando, ninando ou passeando com seus bebês reborn viralizaram com frequência nos últimos tempos. Em muitos casos, os comentários se concentraram em ridicularizar essas mulheres, questionando sua sanidade mental e menosprezando suas emoções. A internet, em sua face mais cruel, se apropriou dessas imagens para produzir memes, piadas e discursos de escárnio. Poucos se preocuparam em entender as motivações que levam uma mulher adulta a adotar um reborn como parte da sua rotina afetiva.
Essa moralidade seletiva, travestida de opinião ou senso comum, frequentemente funciona como um mecanismo de exclusão social, disfarçado de juízo racional. Em um ambiente onde a diversidade de estilos de vida é tão celebrada, o cuidado com bonecos é, para muitos, onde se traça um limite arbitrário de aceitação. A intolerância, nesse caso, veste o disfarce da opinião. Mas quando a opinião passa a ofender, humilhar e marginalizar, ela ultrapassa o campo da liberdade de expressão e entra no terreno da violência simbólica — e até jurídica.
É fundamental reconhecer que, para algumas mulheres, o vínculo com um bebê reborn pode transcender o mero colecionismo ou passatempo. Objetos simbólicos podem funcionar como mediadores do luto e da reconstrução emocional.
O bullying virtual, também conhecido como cyberbullying, tem consequências graves e duradouras. A vítima pode desenvolver ou agravar quadros de ansiedade, depressão e isolamento social. A hostilidade online se soma ao estigma, tornando ainda mais difícil a vivência dessas experiências de afeto não convencionais.
Além das implicações éticas e psicológicas, a relação com bebês reborn também pode tangenciar o Direito de Família em algumas situações específicas. Embora o cuidado com um boneco não estabeleça laços de parentesco ou filiação no sentido jurídico, a forma como essa prática é encarada socialmente pode influenciar em discussões sobre capacidade parental em outros contextos. Por exemplo, em casos de avaliação psicológica para guarda de filhos biológicos ou em processos de adoção, a existência de um forte apego a um bebê reborn poderia ser indevidamente interpretado como um sinal de instabilidade emocional ou imaturidade, caso os avaliadores não possuam a devida sensibilidade e informação sobre as motivações subjacentes a essa prática.
É crucial que profissionais do Direito e da psicologia forense estejam atentos para não transformar uma expressão de afeto atípica em um fator de discriminação ou em um argumento para restringir direitos familiares, baseando-se em preconceitos em vez de evidências concretas sobre a capacidade de cuidado.
Além das implicações éticas, há também consequências jurídicas que os ofensores parecem ignorar. O Código Penal Brasileiro, no art. 140, tipifica a injúria — ofender a dignidade ou o decoro de alguém — como crime. Quando praticada pela internet, essa conduta pode ser agravada, conforme prevê a lei 14.155/21, que aumenta a pena para crimes contra a honra cometidos em ambiente digital. A depender do caso, ainda pode-se configurar crime de difamação (art. 139 do Código Penal) ou mesmo dano moral, com possibilidade de indenização cível. O anonimato online não é escudo para a impunidade.
Em um mundo onde a conexão digital se tornou predominante e o distanciamento humano parece crescer, a prática de cuidar de bebês reborn oferece uma lente para refletirmos sobre a natureza do afeto. A busca por laços significativos, muitas vezes não encontrada nas interações cotidianas, pode levar indivíduos a depositarem carinho e responsabilidade em objetos simbólicos. O escárnio online dirigido a essas "mães de reborn" pode, na verdade, revelar mais sobre nosso próprio desconforto com a fragilidade das relações humanas na era digital do que sobre a sanidade de quem se dedica a esses cuidados.
O apego a um bebê reborn desafia as convenções sobre onde e como o afeto pode ser encontrado. Em vez de um sinal de imaturidade, essa prática pode ser simplesmente um hobby, uma forma de expressão afetiva ou até mesmo uma resposta à carência de vínculos genuínos, preenchendo lacunas emocionais em uma sociedade cada vez mais individualizada. Essa capacidade de criar laços e atribuir significado para além do que é "convencional" nos força a questionar os limites da nossa própria empatia e o que realmente valorizamos na construção de relações humanas.