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Perícia cyber grafotécnica: Uma metodologia híbrida

A evolução do estudo da escrita como prova pericial usando o método CGT.

25/6/2025

1. Introdução

A identificação da autoria gráfica por meio de assinaturas constitui uma das tarefas mais tradicionais e desafiadoras da perícia documentoscópica. Nas últimas décadas, a evolução acelerada das tecnologias de imagem, conjugada com o advento da IA - inteligência artificial, introduziu novas possibilidades para a análise pericial, culminando no surgimento de uma abordagem híbrida e metodologicamente mais robusta: a perícia cybergrafotécnica.

Diferentemente da perícia grafotécnica clássica — que se fundamenta majoritariamente na observação humana e na expertise consolidada do perito em grafoscopia — a perícia cybergrafotécnica incorpora técnicas computacionais objetivas, algoritmos de comparação vetorial e sistemas de medição de similaridade que fornecem suporte técnico-quantitativo à conclusão pericial.

O contexto normativo brasileiro, especificamente os arts. 464 a 473 do CPC, estabelece diretrizes claras para a prova pericial. O art. 473, § 1º, determina a obrigatoriedade da exposição clara do método utilizado e da fundamentação técnica, criando um imperativo legal para a adoção de tecnologias que garantam precisão e reprodutibilidade das conclusões periciais. A integração de recursos como vetorização, matching por keypoints e cálculo de distâncias gráficas atende diretamente a essa exigência normativa, oferecendo resultados mais confiáveis e auditáveis.

A perícia cybergrafotécnica propõe, assim, um novo paradigma metodológico: a significativa redução da carga subjetiva na avaliação pericial. A análise gráfica, historicamente caracterizada pela predominância da interpretação humana, passa a incorporar métricas objetivas que permitem a replicabilidade dos resultados — um dos critérios fundamentais para que um método seja considerado cientificamente válido, conforme estabelecido por Popper (1934) em "The Logic of Scientific Discovery".

Este artigo propõe a sistematização dessa nova abordagem metodológica, articulando harmoniosamente os fundamentos consolidados da grafoscopia tradicional com os avanços contemporâneos do processamento computacional de imagem, estruturando uma metodologia que permita aferir, de forma clara, objetiva e tecnicamente fundamentada, a existência de autoria gráfica comum entre assinaturas digitalizadas.

2. Fundamentos técnicos e legais da perícia cybergrafotécnica

A perícia cybergrafotécnica fundamenta-se em três pilares estruturais: a normatividade processual civil brasileira, a doutrina clássica consolidada da grafoscopia e os fundamentos técnico-científicos contemporâneos oriundos da ciência da computação e da visão computacional.

2.1 Base legal e normativa

A prova pericial encontra disciplina específica nos arts. 464 a 473 do CPC brasileiro. O art. 464, § 1º, estabelece que a perícia deve ter por objeto "esclarecer fato que dependa de conhecimento técnico ou científico", legitimando expressamente o uso de tecnologias avançadas como suporte qualificado à análise grafoscópica.

O art. 468 reafirma a exigência fundamental de imparcialidade técnica do perito, enquanto o art. 473, § 1º, especifica os elementos que obrigatoriamente devem compor o laudo pericial:

A utilização de algoritmos computacionais na identificação gráfica não substitui o juízo técnico especializado do perito, mas o corrobora com elementos objetivos e mensuráveis, aumentando substancialmente a confiabilidade, a robustez e a capacidade de resistência a impugnações da prova pericial.

2.2 Doutrina clássica da grafoscopia: Fundamentos internacionais e consolidação nacional

A grafoscopia, como disciplina técnico-científica voltada à identificação da autoria manuscrita, desenvolveu-se a partir de estudos sistematizados no século XIX, com forte influência da escola europeia, sendo posteriormente consolidada no Brasil por meio da contribuição de autores e peritos forenses especializados.

2.2.1 Autores internacionais pioneiros

Entre os primeiros teóricos sistemáticos da análise grafoscópica destaca-se Jean-Hippolyte Michon, que introduziu o conceito revolucionário de que a caligrafia reflete inequivocamente a individualidade psicomotora do autor. Seu discípulo, Jules Crépieux-Jamin, refinou significativamente essa abordagem ao classificar sistematicamente os elementos gráficos fundamentais da escrita, incluindo forma, pressão, direção, velocidade e continuidade, estabelecendo um modelo técnico-científico que, até os dias atuais, serve de base metodológica para análises periciais.

Outros estudiosos de relevância internacional contribuíram decisivamente para a consolidação da grafoscopia como ciência aplicada à identificação forense, incorporando métodos experimentais rigorosos e critérios objetivos para avaliar a autenticidade de assinaturas, com particular ênfase no automatismo gráfico e na constância neuromotora dos gestos escriturais.

2.2.2 Autores nacionais de referência

No Brasil, a grafoscopia foi incorporada às práticas periciais por meio da contribuição de autores que adaptaram criteriosamente os fundamentos clássicos europeus à realidade forense nacional. Eduardo Câmara, em sua obra seminal sobre identificação grafoscópica, sistematizou critérios técnicos como espontaneidade, continuidade gráfica e ritmo escritural, sendo amplamente referenciado por peritos judiciais em todo o território nacional.

Armando Macieira, por sua vez, contribuiu com análises técnicas aprofundadas sobre elementos formadores das letras, técnicas de falsificação e identificação de traços distintivos, reunindo esse conhecimento em seu manual especializado voltado à documentoscopia forense.

A doutrina brasileira, ao estabelecer um diálogo produtivo com a tradição europeia e adaptá-la à realidade processual local, formou uma base sólida e tecnicamente consistente para a atuação pericial contemporânea, permitindo o desenvolvimento natural de abordagens metodológicas modernas como a perícia cybergrafotécnica. Essa nova metodologia atualiza e potencializa os princípios clássicos ao integrá-los harmoniosamente com recursos computacionais avançados, mantendo, contudo, o rigor técnico e a fundamentação científica herdada de seus precursores históricos.

Clique aqui para acessar a íntegra do artigo.

Osvaldo Janeri Filho
Especialista em Inteligência Jurídica Aplicada. Membro da Comissão de Direito Digital e da Direito Bancário da OAB Cientista, Autor, Palestrante.

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