A recuperação judicial não se exaure com a aprovação e homologação do plano pelos credores. A partir daí, inaugura-se uma nova fase processual de igual importância: o cumprimento do plano. Trata-se de uma etapa decisiva para a efetividade do instituto, pois é nela que se verifica se as propostas formuladas durante o procedimento serão, de fato, honradas pelo devedor. Nesse contexto, a atuação do juízo da recuperação judicial e do administrador judicial assume papel fiscalizador, mas cujos limites devem ser cuidadosamente observados, sob pena de afronta à autonomia privada e à própria função da assembleia geral de credores.
A lei 11.101/05 prevê expressamente a obrigatoriedade de o devedor cumprir as obrigações assumidas no plano, especialmente aquelas com vencimento nos dois anos subsequentes à homologação, conforme dispõe o art. 61, § 1º. O descumprimento injustificado dessas obrigações pode ensejar a convolação da recuperação em falência, nos termos do art. 73, inciso IV. O administrador judicial, por sua vez, conforme prevê o art. 22, inciso II, alíneas “a” e “c”, tem a atribuição de fiscalizar o cumprimento do plano e apresentar relatórios periódicos sobre a execução das obrigações assumidas. Todavia, tanto o juiz quanto o administrador judicial devem observar os limites de suas atuações.
O plano de recuperação judicial, uma vez aprovado pelos credores e homologado pelo juízo recuperacional, adquire força vinculante entre as partes, sob a égide do princípio do pacta sunt servanda. O STJ, ao julgar o AREsp 2.350.612/SP, reafirmou que a interferência do magistrado fica restrita ao controle de legalidade do ato jurídico. Ao Poder Judiciário cabe apenas verificar o inadimplemento objetivo das obrigações nele previstas, sem ingerência na dinâmica negocial que foi aprovada em assembleia. Qualquer atuação que extrapole esse limite pode configurar indevida substituição da vontade coletiva dos credores.
Entretanto, há hipóteses específicas em que a intervenção judicial se revela não apenas legítima, mas necessária a garantir a preservação do processo e dos direitos dos credores. Um dos principais exemplos é a apuração do descumprimento do plano, nos termos do art. 61, §1º, da lei 11.101/05. Nesses casos, cabe ao magistrado verificar, com base em documentos objetivos e relatórios do administrador judicial, se houve inadimplemento substancial das obrigações previstas no plano aprovado. Verificado o descumprimento, o juiz poderá convolar a recuperação em falência, desde que respeitado o contraditório.
Outra hipótese relevante de atuação judicial é quando se configura fraude no cumprimento do plano, como a simulação de adimplemento ou a prestação de informações falsas aos credores ou ao administrador judicial. Nessas circunstâncias, o juízo pode determinar diligências, requisitar documentos, convocar o administrador judicial para esclarecimentos e adotar medidas para salvaguardar os interesses do processo, incluindo a suspensão dos efeitos do plano ou a decretação da quebra, se for o caso.1 2
Também é possível a intervenção judicial em situações que envolvam conflitos entre credores na fase pós-homologação, especialmente quando há divergência sobre a interpretação de cláusulas do plano ou sobre a distribuição de pagamentos3. Embora o juiz não possa reescrever o plano, ele possui competência para dirimir dúvidas de interpretação e aplicar o plano conforme seus termos, evitando medidas contraditórias ou discriminatórias.
Ainda, o juiz da recuperação judicial pode atuar para proteger a função social da empresa e o interesse público, por exemplo, diante de atos que evidenciem tentativa de esvaziamento patrimonial, transferência indevida de ativos ou ocultação de bens relevantes para a continuidade das atividades empresariais. Nesses casos, a atuação do juízo pode incluir o deferimento de tutelas de urgência, o bloqueio de ativos e outras medidas cautelares destinadas a preservar a integridade do processo recuperacional.4
Por fim, cabe ao magistrado coibir abusos de direito, posturas protelatórias ou condutas que comprometam a integridade do procedimento, nos termos do disposto no art. 139 do CPC. Nesses casos, sua atuação deve observar sempre os limites impostos pela legalidade, pela motivação das decisões e pelo respeito ao contraditório e à ampla defesa.
_______
1 AgRg no AgRg no CC 142088 / MG.
2 Recurso Especial nº 1.848.498 /SE.
3 REsp 1936385 / SP
4 CC 168000 / AL