Todo negócio jurídico necessita ser exteriorizado de alguma forma: seja oralmente ou por escrito, por meio de instrumento particular ou escritura pública, com ou sem testemunhas. Os estudiosos apontam que o antigo direito romano já diferenciava os negócios jurídicos solenes e os não solenes: nos primeiros, a forma é da substância do ato, enquanto nos segundos a vontade pode ser exteriorizada sem se prender a uma forma específica. No caso dos negócios jurídicos não solenes, a forma utilizada pode facilitar a prova da existência de tais avenças, entretanto, a forma é ad probationem em tais casos. Mas, o direito romano primitivo lidava em regra com negócios celebrados oralmente, que deviam ser celebrados publicamente para que ficassem na memória do povo.
Por influência dos gregos, a forma escrita foi introduzida no direito romano e já era amplamente utilizada no século II a.C. Contudo, até a codificação de Justiniano, a forma escrita era importante para a prova, mas não essencial. Em 528 d.C., Justiniano aprovou norma determinando “que, quando as partes tivessem convencionado celebrar um contrato por escrito, ele só se reputaria perfeito com a redação do documento. Nesses casos, a forma escrita passou a ser elemento essencial do negócio jurídico”.1
Segundo James Gordley, foi a Escolástica Ibérica no século XVI que preparou o caminho para a concepção contemporânea que considera a vontade como elemento essencial nos atos jurídicos, relegando a forma de exteriorização da vontade como elemento complementar do suporte fático dos negócios jurídicos2. Atualmente, a forma não é mais requisito de existência do negócio jurídico, mas sim pressuposto de validade. Portanto, caso o negócio jurídico não seja formalizado de acordo com as imposições legais (forma prescrita em lei), ou se o negócio recorreu a meio proibido (forma defesa em lei), considera-se que o ato existe, apesar de nulamente.
Atualmente, prevalece no direito brasileiro, a regra da liberdade de forma, permitindo que as pessoas celebrem negócios jurídicos da forma que preferirem (art. 107 do CC), a não ser que a lei exija “expressamente para aquela espécie, forma própria especial, ou se negocialmente for exigido instrumento público (CC, arts. 108 e 109)”.3
Foi submetido à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 116) a questão da validade da contratação de empréstimo consignado por pessoas analfabetas, por meio de instrumento particular assinado a rogo e firmado por duas testemunhas. A atividade bancária, por expressa disposição do art. 3º, § 2º do CDC, é situada no espectro dos serviços. Tal questão já foi objeto de apreciação na ADIn 2591, perante o STF, que reafirmou a constitucionalidade da norma que coloca os serviços bancários sob a égide do CDC.
A referida lei, contudo, não trata especificamente do contrato de prestação de serviços. É o CC que disciplina a contratação de serviços, permitindo que tal contrato seja celebrado de forma verbal. Parece ser de conhecimento comum que é admissível a celebração deste tipo de contrato por comportamentos concludentes ou manifestações orais, a exemplo do que ocorre ordinariamente em serviços tais como os prestados por cabeleireiros, engraxates, taxistas, manicures, etc.
No sentido de prever forma probatória, o art. 595 do CC faculta a celebração do contrato de prestação de serviços por analfabeto mediante assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas. Paulo Lôbo adverte que o art. 595 “não há de ser interpretado como se vedasse a conclusão oral do contrato de prestação de serviços, pois este, quase sempre, se conclui por manifestações orais ou mesmo tácitas de vontade, (...). Trata-se de exceção à regra segundo o qual a assinatura a rogo dá-se perante notário ou serventuário público”.4
No âmbito da 3ª turma do STJ, há uma linha de precedentes que valida contratos de empréstimo consignado celebrados por analfabetos nos moldes do art. 595 do CC. Destaca-se o REsp 1907394, relatado pelo ministra Nancy Andrighi, que versava sobre contrato de empréstimo consignado celebrado por indígena idoso e analfabeto. A turma decidiu que, com base no princípio da liberdade das formas e do consensualismo, e na ausência de uma lei específica em contrário, é válida a celebração do contrato por pessoa analfabeta mediante assinatura a rogo e subscrição por duas testemunhas. Além disso, destacou que não se deve presumir incapacidade devido à condição de indígena, idoso ou analfabeto, e que o terceiro que assina a rogo deve ser uma pessoa de confiança do analfabeto, independentemente de procuração.
Ademais, o art. 411,II do Código de Processo considera autêntico o documento cuja “autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei”. Neste sentido, o TJ/DF decidiu que é válido o contrato de empréstimo “assinado de forma eletrônica no terminal de autoatendimento com utilização de cartão com chip e senha, que é de uso pessoal e intransferível, o que comprova a existência do negócio jurídico. O valor creditado em conta e o saque indicam que a parte se beneficiou com a operação, não havendo qualquer indício de vício no plano de validade do negócio”. Destaca-se também neste precedente a comprovação de que o consumidor sabia utilizar o cartão da conta e o terminal de autoatendimento, vez que mensalmente efetuava o saque de seu benefício previdenciário.
Considerando os avanços tecnológicos na celebração dos contratos de empréstimo, com o uso de reconhecimento facial, assinaturas digitais, geolocalização, etc, espera-se que o STJ não crie obstáculos desnecessário ao tráfego jurídico, impondo a exigência de formalização por escritura em situações que não o requeiram. Tal exigência, além de gerar custos que seriam naturalmente repassados aos consumidores, colocaria em risco os avanços conquistados no campo dos contratos eletrônicos.
_______
1 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 174,
2 GORDLEY, James. The Philosophical Origins of Modern Contract Doctrine. Clarendon Law Series. New York: Oxford University Press, 2011.
3 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da validade. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 31.
4 LÔBO, Paulo. Direito Civil – Volume 3: contratos. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2025, p. 340.