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A nova face da corrupção: Direito Penal como arma política

“Em tempos de crise, o Direito Penal deixa de proteger e passa a punir o inimigo do momento.”

4/7/2025

1. Introdução: A falsa neutralidade do discurso anticorrupção

Vivemos uma era em que o combate à corrupção se tornou dogma de fé institucional. Sob o verniz de moralidade pública, o sistema penal brasileiro passou a atuar como instrumento de dominação política, promovendo não a justiça, mas a eliminação de adversários. Juízes ganham status de heróis, promotores viram celebridades e delatores premiados se transformam em comentaristas da vida nacional.

A corrupção, que é real, endêmica e grave, passou a ser explorada como narrativa seletiva, instrumentalizada para reforçar posições de poder e silenciar vozes dissidentes. Não se combate mais o crime: se combate o criminoso conveniente.

2. O Direito Penal do espetáculo: Quando o processo vira julgamento público

A criminalização da política no Brasil não é um fenômeno novo, mas alcançou um novo patamar com a operação Lava Jato. O processo penal, antes garantista e técnico, cedeu espaço ao Direito Penal do espetáculo, guiado por manchetes, vazamentos e conveniência eleitoral.

Basta lembrar quantas prisões preventivas se prolongaram por anos, sem sentença. Quantas decisões judiciais foram antecipadas por capas de revistas.

Quantos políticos foram usados como troféus - e depois absolvidos em silêncio.

Nesses cenários, o que menos importa é o tipo penal. A culpa não precisa mais de prova. Basta ser inimigo político.

3. Corrupção como categoria ideológica: Um novo critério de cidadania

No Brasil, a corrupção deixou de ser um delito técnico e passou a funcionar como uma categoria ideológica de exclusão. O “corrupto” é aquele que diverge, que desagrada, que ameaça a ordem estabelecida. E, como todo inimigo ideológico, não merece presunção de inocência, contraditório ou devido processo legal.

A corrupção, assim, não é um crime - é um selo moral atribuído pelo poder a quem deve ser neutralizado. E o Judiciário, muitas vezes, aceita esse papel com entusiasmo preocupante.

4. A erosão do conceito de crime político

Paradoxalmente, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não definiu o que é crime político. Essa omissão não é inocente: permite que a justiça criminal escolha, ao sabor das circunstâncias, quem está fora do jogo.

Enquanto crimes políticos continuam mal tipificados e intencionalmente ignorados, os crimes funcionais contra a administração pública são tratados como se fossem revoltas institucionais. O que deveria ser um debate jurídico, vira sentença política. O que deveria ser uma apuração técnica, vira punição antecipada.

5. O uso estratégico da moralidade: Do direito à vingança institucionalizada

Não há dúvida de que a corrupção precisa ser combatida - mas isso só pode ser feito com legalidade, técnica e imparcialidade. O que se vê, no entanto, é o oposto: ações penais baseadas em narrativas morais, decisões fundamentadas em “clamor social” e julgamentos contaminados por preferências ideológicas.

É o triunfo da moralidade seletiva, que justifica abusos desde que “do lado certo da história”. Um novo tipo de vingança foi institucionalizado: a punição jurídica com motivação política, travestida de defesa da ética pública.

6. Conclusão: O Brasil precisa de um novo pacto jurídico

É urgente refundar a relação entre política e Direito Penal. Ou restabelecemos o império da Constituição e da legalidade, ou vamos continuar assistindo a um sistema de justiça que mais serve ao poder do que à sociedade.

O combate à corrupção precisa existir, mas não pode ser personalizado, espetacularizado ou convertido em arma política.

O preço da seletividade penal é alto: a destruição silenciosa do Estado Democrático de Direito.

Claucio Antunes Fileti
Advogado criminalista. Especialista em tribunal do júri, crimes econômicos, empresariais e tributários. Defende com estratégia, coragem e técnica. Sócio fundador da Claucio Antunes Advogados.

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