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Escrow notarial garante segurança em contratos e operações societárias

Cartórios agora podem custodiar valores em negócios privados, como M&A e contratos com cláusulas de earn-out, garantindo mais segurança e previsibilidade às partes.

5/7/2025

A celebração de contratos privados envolvendo somas relevantes ou condicionantes complexas sempre foi um desafio no Brasil. Nas operações societárias, por exemplo, é comum que parte do valor da aquisição não seja paga de forma imediata, mas sim vinculada a eventos futuros, como o atingimento de metas financeiras ou operacionais pela empresa adquirida. Esse modelo, conhecido como earn-out, permite que parte do preço da transação varie conforme a performance da sociedade após a conclusão da operação. Ainda que seja uma solução amplamente utilizada para equilibrar expectativas entre comprador e vendedor, seu cumprimento depende, muitas vezes, de boa-fé e confiança, o que nem sempre é suficiente para afastar riscos jurídicos e disputas judiciais.

Foi diante dessa realidade que o ordenamento jurídico brasileiro passou a reconhecer a figura da conta garantia notarial, chamada de escrow notarial. Trata-se de um instrumento por meio do qual os cartórios de notas podem administrar valores de negócios jurídicos privados, agindo como custodiante imparcial até que as condições acordadas pelas partes sejam integralmente cumpridas. Com a regulamentação recente trazida pelo provimento 197/25 do CNJ, essa funcionalidade passou a ser oficialmente oferecida pelos tabelionatos, conferindo um novo nível de segurança e formalidade às transações contratuais no país.

Na prática, isso significa que, ao invés de depositar valores diretamente na conta da contraparte, a parte interessada pode realizar o pagamento antecipado em uma conta vinculada, mantida sob administração do tabelião. Esses valores só serão liberados mediante a verificação do cumprimento de cláusulas previamente estipuladas, como, por exemplo, a entrega de documentos, a obtenção de determinada certidão ou, no caso das operações societárias, a confirmação de que a empresa atingiu o EBITDA previsto no contrato como condição para o pagamento da parcela variável. Caso as condições não sejam atingidas, ou sejam descumpridas, os valores são mantidos ou devolvidos, conforme pactuado.

Essa solução é especialmente útil para negócios empresariais, operações de M&A, transações imobiliárias e demais contratos que envolvam múltiplas etapas ou obrigações interdependentes. Além de reduzir significativamente os litígios decorrentes de inadimplemento ou divergência na interpretação contratual, a escrow notarial agrega agilidade e previsibilidade à execução dos contratos, além de evitar a judicialização prematura de controvérsias.

Importa destacar que, diferentemente das escrituras públicas, o uso da conta garantia notarial não impõe a publicização do negócio. A confidencialidade é preservada, tanto quanto ao conteúdo do contrato, quanto à própria existência da conta, o que atende à demanda de muitas empresas que preferem manter suas operações fora do acesso público. Como se trata de um contrato privado com intervenção notarial apenas na gestão dos valores, a formalização ocorre com discrição, sem que as informações fiquem disponíveis em cartório.

A previsão legal para a escrow notarial foi inserida no art. 7-A da lei 8.935/1994, incluído pela lei 14.711/23 (marco legal das garantias), mas somente em junho de 2025 foi regulamentada de forma prática, com a definição de procedimentos operacionais e a viabilização técnica da conta por meio de convênios entre os cartórios e instituições financeiras, como o celebrado com o Banco Safra.

Com essa inovação, o Brasil avança na construção de um ambiente de negócios mais estável, transparente e eficiente. O serviço notarial, tradicionalmente associado à segurança documental, passa agora a integrar também a dinâmica da gestão patrimonial e contratual privada, oferecendo um instrumento que, além de juridicamente robusto, é economicamente viável, inclusive quando comparado a outras garantias como seguros ou cartas de fiança bancária.

A adoção da escrow notarial tende a se expandir nos próximos anos, especialmente entre empresários, investidores e operadores do Direito que atuam com contratos de maior complexidade. Em um cenário onde confiança é essencial, contar com uma ferramenta que assegura o cumprimento das obrigações antes da liberação dos recursos representa um ganho relevante para todas as partes envolvidas.

Felipe Martinelli Barbosa
Advogado com foco em Direito Empresarial, especialmente em Direito Societário, atuando em planejamento sucessório e reestruturações corporativas. Pós-graduando em Direito Societário pelo ILMM

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