Migalhas de Peso

Voltamos de Lisboa melhores

O Fórum de Lisboa reúne autoridades e pensadores de todo o mundo para debater o Brasil, promovendo diálogo plural, técnico e transparente, acima da polarização.

7/7/2025

Um ex-presidente da República. Governadores da direita e ministros da esquerda, cercados de parlamentares de todos os matizes. Dezenas de juízes de primeiro e segundo graus e ministros do TCU, do STJ e do STF. Banqueiros públicos e privados, agricultores, empresários, militares, jornalistas, diplomatas, religiosos. Professores de universidades de nove países. As mais elevadas autoridades portuguesas. Centenas de advogados, procuradores e membros do Ministério Público de todos os Estados da federação(!). Um ex-diretor-geral da OMC e um ex-secretário de Estado norte-americano. Os atuais presidentes do BID e da Assembleia Parlamentar da OTAN. 

O que todas essas pessoas vão fazer em Lisboa na primeira semana de julho? Dialogar sobre o Brasil. 

Há treze anos o IDP e a FGV promovem o “Fórum de Lisboa”. Antes um fórum jurídico, hoje simplesmente um “Fórum”, pois seus debates transcenderam os temas jurídicos. Na sua origem, a expressão latina forum significava lugar de reunião. Lisboa tornou-se o local de reunião anual do principal evento de debates sobre o Brasil. Na verdade, uma espécie de hub de eventos, pois o Fórum procriou e gerou excelentes seminários e eventos “paralelos”, com direito a concursos de trabalhos científicos e lançamento de livros - neste ano, por exemplo, sobre arte brasileira e sobre o presidencialismo.

Há anos testemunhamos a evolução e a qualidade dos debates, sempre atualíssimos, que perpassam temas do cotidiano, como segurança pública e transportes, aprofundam o debate em torno de políticas públicas sobre as prestações essenciais de educação e saúde, chegando à regulação da inteligência artificial, de smart contracts e de redes sociais. Há sempre novidades, como a discussão sobre a revisão do CC, o regime das apostas on-line e os efeitos das tarifas norte-americanas sobre o agronegócio brasileiro. Não há exagero em dizer que são verdadeiras audiências públicas com a presença de legisladores, reguladores e magistrados, com presença intensa da comunidade jurídica. Todos participam da construção dos marcos normativos.

Sim, tudo é público e fica registrado, atendendo ao primado de que a luz do sol é o melhor desinfetante, silenciando críticas infundadas que surgem vez por outra. Mesmo as reuniões de congraçamento e networking, parte indissociável de qualquer evento coletivo, são registradas em milhares de vídeos e imagens postadas em redes sociais, de novo exibindo absoluta transparência. Qualquer crítica em sentido contrário deve assumir a premissa inusitada de que as pessoas que tencionam praticar malfeitos reúnem-se às dezenas em espaços públicos de Lisboa ao invés de se reunirem em gabinetes ou salas de escritórios em algum lugar menos cotado. 

Por que Lisboa? Não parece ter sido uma opção estratégica, pois o evento começou como uma reunião de acadêmicos de Direito que reunia poucas dezenas de estudiosos e se valia de um tradicional ambiente de debates jurídicos luso-brasileiros. Contudo, os debates atraíram cada vez mais atenção e desejo de participação. Com a expansão, Lisboa tornou-se um espaço perfeito para o debate. O ponto da Europa mais próximo do Brasil, com insuperável afinidade cultural e especialmente jurídico-regulatória, propiciando permanente intercâmbio - tudo temperado pela igualmente insuperável hospitalidade portuguesa. Na minha modesta leitura, os principais centros de debates no Brasil infelizmente estão tomados por permanente tensão institucional, maximizada pela polarização política e não raro pela radicalização. Não é ocioso lembrar que nas semanas que antecederam o Fórum, os ministros da Fazenda e do meio ambiente não conseguiram participar de audiências e debater com parlamentares em eventos sediados em pleno Congresso Nacional (!). 

Talvez ocasionalmente Lisboa tenha assumido um traço importante de neutralidade e por isso tenha se apresentado como um espaço livre de diálogo em que o ministro de esquerda debate ideias publicamente com governadores e parlamentares de direita. Em que advogados e economistas debatem livremente na presença de magistrados os efeitos das suas decisões. Em uma palestra sobre saúde ministrada por um deputado brasileiro e pelo ex-ministro da Saúde de Portugal, sentaram-se para assistir um ministro do Supremo, dois ministros do STJ e um ministro do TCU, além de um senador da direita (literalmente) ao lado de um deputado da esquerda - e ao lado deles dois secretários de Segurança Pública. Ao todo eram mais de cem pessoas - outros seis anfiteatros debatiam concomitantemente temas igualmente relevantes. No dia anterior, o ministro Gilmar Mendes, idealizador e propulsor do evento desde a sua origem, assistia com atenção à apresentação de um substancioso relatório de pesquisa estatística elaborado por um juiz de primeiro grau sobre a situação da prescrição penal no Judiciário brasileiro. Isso mesmo: em pé de igualdade no debate acadêmico, magistrados das cortes superiores se dispõem a aprender com magistrados de primeiro grau. 

Gostei muito da imagem do ministro da Saúde de Portugal, que se referiu com entusiasmo a uma invasão cultural pacífica para designar o Fórum que se realiza em Lisboa, no que foi secundado por todas as autoridades portuguesas que se manifestaram. 

Certa vez se disse que Lisboa é uma festa. Naquela altura, senti um ar pejorativo na alusão ao título dado à tradução da obra de Hemingway. Apesar de ter uma percepção claramente diversa, gosto da imagem. Em linhas que se tornaram clássicas, Hemingway compartilhou as lembranças saudosas da vivência em Paris, que marcaram a sua vida. A festa designa uma experiência pessoal muito intensa e recheada de aprendizados carregados por toda a vida. Ele afirma que recebeu de Paris muito mais do que levou para lá. Se posso me servir da mesma imagem, o Fórum de Lisboa é sim uma experiência plena de aprendizado, baseado no diálogo, que constrói pontes, produz conhecimento e pauta temas cujas discussões serão aprofundadas e frutificarão em políticas públicas, projetos de lei e decisões judiciais. Voltamos de Lisboa melhores do que lá chegamos.

Flavio Galdino
Professor da Faculdade de Direito da UERJ.

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