O perigo de promover o que não se entende
A ascensão dos influenciadores digitais transformou pessoas comuns em potências de alcance publicitário. No entanto, essa mesma força de persuasão, quando direcionada ao mercado financeiro, pode gerar consequências sérias - inclusive criminais.
O recente alerta da CVM sobre CFDs e Forex deixou claro que a atuação de influenciadores digitais na promoção de produtos financeiros irregulares - especialmente derivativos não autorizados, como CFDs (Contratos por Diferença) e investimentos via Forex - coloca essas figuras públicas no centro da engrenagem que causa prejuízo a milhares de consumidores.
Não é só “postar um publi”: É assumir um risco jurídico
É comum ver influenciadores promovendo plataformas estrangeiras de investimento, corretoras não autorizadas ou estratégias altamente arriscadas, muitas vezes sob o rótulo de “educação financeira”, “dicas de oportunidades” ou “mera opinião”.
Em troca, recebem comissões por cliques, cadastros ou até mesmo sobre as comissões dos seus seguidores - o que, em certos casos, caracteriza um comissionamento ilegal por atividade típica de analista ou assessor de investimentos, sem qualquer certificação.
Ou seja, a partir do momento em que o influenciador é remunerado diretamente pelas (“corretoras”), e ainda mais quando há cálculo sobre o volume de ordens ou taxas de corretagem geradas, ele não é mais um espectador inocente. Ele é parte da cadeia de intermediação.
A estrutura por trás do post: O comissionamento da influência
Conforme o próprio esquema apresentado pela CVM (vide imagem), há uma rota transacional estruturada para viabilizar o pagamento desses influenciadores:
- A corretora irregular transfere valores para uma money service transfer;
- Os recursos são canalizados por instituições financeiras offshore e depois direcionados ao Brasil via bancos intermediários;
- Empresas de marketing digital ou diretamente os influenciadores recebem esses valores em reais, mascarando a origem financeira e jurídica dos pagamentos.
Esse fluxo revela que não se trata de uma mera relação publicitária, mas sim de uma engrenagem de captação ilegal de investidores brasileiros, com uso de imagem e credibilidade digital para legitimar fraudes:
Diagrama, linha do tempo
O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.
(Fonte: CVM)
Analogias perigosas: A experiência das apostas online
Assim como nos esquemas com “joguinhos” de casas de apostas - onde influenciadores incentivam apostas mascaradas como diversão -, os CFDs/Forex/criptoativos promovidos por figuras públicas simulam investimentos sérios, mas são, muitas vezes, verdadeiros cassinos financeiros não regulamentados.
A diferença é que, no caso de CFDs e Forex:
- Há a aparência de um mercado financeiro legítimo;
- Há grande assimetria de informação técnica entre influenciador e seguidor;
- E, em muitos casos, há prejuízos vultosos sem qualquer proteção regulatória.
A analogia, portanto, não é apenas retórica: é juridicamente útil para evidenciar o grau de indução em erro, vício de consentimento e responsabilização solidária na cadeia de consumo.
Responsabilidade direta na reparação dos prejuízos
O influenciador que promove essas plataformas e obtém benefício financeiro direto, sem qualquer registro como agente autorizado, pode ser responsabilizado de forma objetiva e solidária pelos danos suportados pelos investidores, com base no CDC, nas normas da CVM sobre oferta pública irregular e exercício ilegal de atividade de intermediação e até mesmo em normas penais, como o crime contra o Sistema Financeiro Nacional e crimes contra o mercado de capitais, além de associação criminosa/organização criminosa, lavagem de dinheiro e etc.
A jurisprudência já começa a se consolidar nesse sentido, responsabilizando intermediários não regulados, ressalta-se, mesmo que não tenham operado diretamente os ativos.
O que muitos desconhecem é que a responsabilização não se limita ao conteúdo publicado, mas pode alcançar a totalidade do prejuízo coletivo decorrente daquela atuação. E isso inclui valores milionários ou até mesmo bilionários, muitas vezes em moeda estrangeira, especialmente em casos de esquemas internacionais com múltiplas vítimas.
Imagine ser chamado a responder judicialmente por centenas de milhões ou até bilhões de reais/dólares desviados por corretoras ilegais, simplesmente porque sua imagem foi o elo decisivo para atrair os investidores.
Isso não é uma hipótese remota. É o desdobramento jurídico natural quando a influência é usada para legitimar operações que a CVM já declarou como ilegais e potencialmente criminosas.
Considerações finais - Influência tem preço: E pode ser bilionário
A atuação de influenciadores digitais no mercado financeiro exige responsabilidade proporcional ao alcance da sua voz. Promover plataformas, produtos ou estratégias de investimento - especialmente quando não autorizadas - não é apenas uma escolha de conteúdo: é uma exposição direta a riscos jurídicos reais.
A partir do momento em que há benefício econômico, ainda que indireto, e participação ativa na indução do público a investir, surge a responsabilidade solidária pelos prejuízos causados à coletividade.
E aqui reside um ponto muitas vezes ignorado: não importa se o dinheiro captado pelas corretoras ilegais não foi direcionado ao influenciador.
O que importa é que sem a influência exercida, muitas vezes nada teria sido investido.
Essa atuação - que pode parecer inofensiva, ou até “irrelevante” frente a estruturas internacionais - pode resultar em responsabilizações milionárias ou até bilionárias, inclusive em dólares, especialmente diante de esquemas com centenas ou milhares de vítimas.
Em tempos de monetização por visibilidade, é essencial lembrar: Quem empresta sua credibilidade a um sistema ilegal pode acabar cobrando caro - mas pagando mais caro ainda.