O princípio do acesso democrático aos cargos do Poder Judiciário encontra, no instituto do Quinto Constitucional, uma de suas mais relevantes concretizações.
Previsto no art. 94 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Quinto Constitucional estabelece que um quinto das vagas nos tribunais de segundo grau - tanto estaduais quanto federais - deve ser preenchido por advogados e membros do Ministério Público com notório saber jurídico e reputação ilibada.
Mais do que uma regra de composição jurisdicional, o Quinto Constitucional é expressão do ideal republicano de pluralidade, permitindo a oxigenação dos tribunais com profissionais de diferentes vivências jurídicas.
A participação da advocacia na jurisdição superior oferece à magistratura uma perspectiva voltada à realidade forense, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais e à prática processual.
Assim, o debate em torno do instituto do Quinto é de oportuna relevância para a Advocacia, que deverá proximamente, via votação do E. Conselho seccional da OAB/SP, eleger em 3 listas sêxtuplas, candidatos a três vagas oriundas do Quinto Constitucional do TJ/SP destinadas à Advocacia.
Segundo autores como Alexandre de Moraes (2023) e Pedro Lenza (2024), a função exercida por advogados oriundos do Quinto Constitucional tem contribuído para enriquecer os debates judiciais, introduzindo uma visão mais pragmática e voltada à efetividade da justiça.
Rui Portanova (2022), por sua vez, destaca que a presença da advocacia nos tribunais atua como vetor de garantia da legitimidade democrática do Judiciário, promovendo maior aproximação entre o cidadão e o julgador.
De qualquer maneira, a importância do Quinto Constitucional para a advocacia, tanto do ponto de vista institucional quanto funcional é de extrema relevância e aqui se analisará seus fundamentos constitucionais, os critérios de escolha e os reflexos da participação dos advogados no exercício da jurisdição.
Doutrina sobre o Quinto da Advocacia: Posicionamentos e perspectivas
A doutrina brasileira se debruça sobre o Quinto Constitucional da advocacia com uma diversidade de opiniões, refletindo certamente a complexidade do instituto.
Basicamente, os posicionamentos podem ser agrupados em duas grandes vertentes: defensores e críticos, embora existam matizes diversas dentro de cada grupo e propostas de aprimoramento.
Corrente doutrinária favorável ao Quinto da Advocacia
Os juristas que defendem a manutenção do Quinto Constitucional para a advocacia argumentam, essencialmente, que ele é um mecanismo fundamental para a democratização e oxigenação do Poder Judiciário.
Pluralidade de experiências e visões:
Um dos argumentos centrais é que a presença de advogados nos tribunais enriquece o debate e a tomada de decisões.
Advogados, ao longo de sua carreira, lidam diretamente com os problemas dos jurisdicionados, com a aplicação prática do direito e com as falhas e acertos do sistema judicial.
Essa vivência, diferente daquela dos magistrados de carreira que percorrem um caminho mais linear, procura apresentar e oferecer uma perspectiva valiosa e complementar.
Autores como Celso Barros Coelho Neto e Alexandre Pacheco Lopes Filho (em artigo para Migalhas) defendem que o Quinto Constitucional é "uma garantia para a sociedade" e que fomenta "o surgimento de novos entendimentos e posicionamentos jurisprudenciais, na medida em que as visões de tais julgadores nem sempre são as mesmas que as dos magistrados de carreira."
Mitigação da endogenia judicial:
A doutrina favorável aponta que o Quinto Constitucional evita que o Judiciário se torne um corpo excessivamente homogêneo e fechado em si mesmo.
A entrada de profissionais com vivências externas à magistratura de carreira contribui para a renovação de ideias e para a prevenção de um "pensamento único" nos tribunais.
Exemplo: O jurista Carlos Roberto Faleiros Diniz defende que o instituto representa o "aperfeiçoamento das instituições jurídicas", trazendo "outra matiz jurídico-profissional" e "reforçar a têmpera de independência da magistratura".
Fortalecimento da legitimidade e representatividade:
Ao permitir que advogados, que representam a voz da sociedade perante o Judiciário, ocupem assentos de julgamento, o Quinto Constitucional pode aumentar a percepção de que o Poder Judiciário é mais acessível e representativo dos anseios sociais.
Exemplo: Cezar Britto, ex-presidente da OAB Nacional, ao criticar propostas de extinção do Quinto, afirmou que "A participação dos advogados nos tribunais representa a participação da sociedade".
Indispensabilidade da Advocacia à Justiça:
A doutrina frequentemente remete ao art. 133 da Constituição Federal, que consagra o advogado como "indispensável à administração da justiça".
A presença desses profissionais nos tribunais é vista como uma decorrência lógica dessa indispensabilidade.
Exemplo: Thiago de Miranda Coutinho (em artigo para Migalhas) destaca que a OAB carrega "legitimidade constitucional, histórica e moral" para essa promoção da justiça, sendo os advogados "protagonistas na estrutura do Poder Judiciário e, assim, indispensáveis à administração da Justiça".
Corrente doutrinária crítica ao Quinto da Advocacia
Por outro lado, uma parte da doutrina levanta questionamentos e críticas significativas ao Quinto Constitucional, especialmente no que se refere ao modo de seleção dos advogados.
Politicização e subjetividade do processo de escolha: A principal crítica recai sobre a forma de escolha dos indicados.
A formação da lista sêxtupla pela OAB, a lista tríplice pelo tribunal e a escolha final pelo chefe do Poder Executivo são vistas como etapas suscetíveis a influências políticas e interesses corporativos, em detrimento do mérito estritamente jurídico.
Exemplo: Muitos artigos e análises, inclusive divulgados por veículos jurídicos (como Migalhas), apontam que a "politicagem" e a falta de critérios objetivos para "notório saber jurídico" e "reputação ilibada" são e serão problemas sérios.
Talden Queiroz Farias menciona a "descoberta tardia de uma vocação para a magistratura" e o "constrangimento desnecessário" de pedir votos como alvos de censura.
Ausência de experiência jurisdicional específica:
Críticos igualmente argumentam que, ao contrário dos magistrados de carreira que passam por concursos públicos rigorosos e um longo período de formação e exercício da judicatura, os advogados que ingressam pelo Quinto não possuíram a mesma vivência em decidir conflitos de forma imparcial; para esta especifica corrente a imparcialidade somente seria desenvolvida pela prática contínua da função judicial.
Exemplo: Autores que defendem a carreira da magistratura muitas vezes dao ênfase que a "imparcialidade não nasce com o magistrado, tampouco aprende-se nos cursos de Direito. Ela resulta da prática cotidiana e constante do ato de decidir", como citado em um texto sobre o Quinto Constitucional na Constituição Brasileira.
Possível quebra da paridade e isenção:
Embora não seja um consenso, há quem apresente a preocupação de que a origem profissional do advogado possa, em tese, influenciar sua imparcialidade em certas causas, especialmente aquelas que envolvem clientes ou áreas de atuação anteriores.
Propostas de aprimoramento e debates atuais
Mesmo entre os defensores, há um reconhecimento da necessidade de aprimorar o processo de escolha do Quinto da Advocacia para que críticas sejam mitigadas.
As propostas de aprimoramento frequentemente abordam:
Maior transparência e objetividade: A criação de critérios mais claros e objetivos para a avaliação do "notório saber jurídico" e da "reputação ilibada", bem como a publicidade de todo o processo de seleção.
Redução da influência política: Discussões sobre modelos que diminuam a discricionariedade do chefe do Poder Executivo na escolha final, ou que envolvam outros atores no processo.
Debate sobre a experiência mínima: Embora a Constituição exija 10 anos de efetiva atividade, há debates sobre a qualidade dessa experiência e a relevância de critérios adicionais para a avaliação da aptidão para a judicatura.
Conclusão doutrinária
Em síntese, a doutrina brasileira reconhece a importância teórica do Quinto Constitucional da advocacia como um vetor de pluralidade e oxigenação para o Poder Judiciário.
O instituto do Quinto é visto como uma forma de incorporar a visão da advocacia - indispensável à administração da justiça - aos órgãos julgadores, enriquecendo a tomada de decisões e contribuindo para um Judiciário mais próximo da sociedade.
Contudo, as críticas se concentram na prática do processo seletivo, que muitas vezes é percebido como permeado por interesses políticos e corporativos, exigindo, na visão de grande parte da doutrina, um constante aperfeiçoamento dos mecanismos de escolha para que o Quinto Constitucional cumpra integralmente seu propósito democrático e meritório.