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Ata, transcrição e divulgação: Segurança na gestão condominial

Entenda a diferença entre ata, transcrição e comunicado da assembleia e evite armadilhas jurídicas na gestão condominial. Um guia claro para síndicos e administradoras.

15/7/2025

1. Introdução

No cotidiano da administração condominial, verifica-se frequentemente que administradores e profissionais da área enfrentam dificuldades conceituais e práticas relativas à documentação e divulgação das Assembleias Gerais. Não raro, há uma confusão quanto ao que constitui uma ata de Assembleia, o que se caracteriza como transcrição integral dos debates ocorridos, e como se deve proceder à divulgação efetiva das deliberações aprovadas.

Essas confusões conceituais acarretam não apenas erros administrativos, mas também consequências jurídicas significativas, como questionamentos sobre a validade das deliberações, conflitos internos e até impugnações judiciais. Diante desse cenário, torna-se essencial esclarecer esses conceitos, diferenciando claramente as funções e os requisitos legais de cada modalidade documental e de comunicação pós-assembleia.

Este artigo tem por objetivo justamente esclarecer esses pontos fundamentais, definindo claramente o que é uma ata de Assembleia, como se diferencia de uma transcrição literal das discussões ocorridas durante o evento, e quais são os requisitos e implicações legais da divulgação das deliberações conforme estabelecido pela lei 4.591/1964, especialmente em seu art. 24, §2º. Assim, pretende-se contribuir para uma melhor compreensão dos profissionais envolvidos e, consequentemente, para uma administração condominial mais eficiente e juridicamente segura.

2. Ata de Assembleia e Transcrição: Conceitos e diferenças

Primeiramente, é importante esclarecer que a ata de uma Assembleia deve conter um resumo dos acontecimentos relevantes da reunião. Isso inclui a nomeação do presidente e do secretário da Assembleia, a identificação dos presentes, questões de ordem que foram julgadas, deferidas ou indeferidas, um breve resumo dos debates ocorridos e o modo como se deu a votação - se por aclamação ou nominal. Neste documento, é plenamente aceitável que haja supressão de informações, desde que não sejam omitidos elementos essenciais capazes de alterar significativamente o entendimento das deliberações tomadas. Não é necessário, portanto, registrar todos os argumentos, críticas ou sugestões apresentadas, desde que fique claro o que foi efetivamente decidido.

Por outro lado, a transcrição literal da Assembleia, que não se confunde com a ata tradicional, é um documento onde todas as palavras proferidas por cada participante devem ser rigorosamente registradas. Tal transcrição não é obrigatória e geralmente é adotada apenas em situações excepcionais, como casos envolvendo atos antissociais, complexidade elevada dos assuntos tratados, suspeitas de desvios ou acusações de falsidade da ata original. É importante destacar que, mesmo nesses casos excepcionais, a transcrição pode ser substituída por gravações de áudio ou vídeo das Assembleias, garantindo assim uma documentação detalhada e fiel ao que efetivamente ocorreu.

3. Direito de inclusão de manifestação na ata

Compreender claramente a natureza da ata de Assembleia permite à administração e à presidência dos trabalhos conduzir o registro documental de forma objetiva e eficiente. Nesse sentido, não há obrigatoriedade legal para que todas as colocações ou manifestações dos condôminos sejam obrigatoriamente incluídas na ata. A decisão sobre quais colocações incluir fica a critério da administração, que deve prezar pela objetividade e clareza do documento.

No entanto, caso o plenário da Assembleia decida pela inclusão específica de alguma manifestação, o presidente dos trabalhos está obrigado a registrá-la. Adicionalmente, se a convenção condominial, muitas vezes de forma inconveniente, concede expressamente o direito ao condômino de fazer constar suas observações na ata, tal direito deve ser respeitado, mas pode ser substituído pelo ato de anexar à ata a manifestação escrita do condômino, assim como um advogado pode peticionar complementando manifestações após uma audiência.

É importante compreender que a ata é essencialmente um documento coletivo, resultante de um ato coletivo. Manifestações unilaterais não têm o poder de obrigar a coletividade a incluí-las no documento oficial da Assembleia. Caso um condômino tenha interesse especial em documentar sua posição, críticas ou sugestões, poderá fazê-lo por escrito e encaminhar formalmente suas colocações ao condomínio, garantindo assim seu direito à manifestação sem comprometer a objetividade e clareza da ata da Assembleia.

4. O dever de divulgação do síndico e a vigência das deliberações

Um dos equívocos mais disseminados no meio condominial diz respeito à interpretação do art. 24, §2º, da lei 4.591/1964, que estabelece o dever do síndico de divulgar, em até oito dias, o que foi deliberado em Assembleia. A leitura equivocada, mas largamente difundida, é a de que o síndico deveria divulgar a ata assinada pelo presidente e secretário nesse prazo, e que enquanto essa ata não for divulgada, as decisões não poderiam ser executadas.

Trata-se de dois equívocos graves. Primeiramente, a lei 4.591 confere ao síndico o poder e a obrigação de comunicar as deliberações aos condôminos, independentemente da atuação ou da assinatura do presidente e do secretário da mesa. O CC, por sua vez, é omisso quanto a essa obrigação, o que reforça a aplicabilidade direta do dispositivo da lei especial.

A divulgação mencionada no art. 24, §2º, não exige uma ata formal, assinada e registrada. Trata-se de um relatório sintético, objetivo, contendo apenas a notícia do que foi deliberado na Assembleia. Não se exige transcrição de debates, justificativas ou considerações adicionais. A finalidade da divulgação é simplesmente dar ciência a todos os condôminos do conteúdo das deliberações, garantindo transparência e previsibilidade na administração condominial.

Em razão dessa confusão conceitual, observa-se uma corrida na elaboração da ata logo após a Assembleia, o que frequentemente resulta em documentos mal redigidos, com erros gramaticais e omissões relevantes, que podem comprometer a interpretação e até gerar impugnações formais.

É fundamental destacar que as deliberações assembleares entram em vigor quando são votadas e aprovadas, salvo se a própria Assembleia estabelecer outra data para sua vigência. A ata serve como comprovação posterior do ocorrido, mas não é condição para a validade ou eficácia das decisões. Tampouco a divulgação pelo síndico suspende ou condiciona a execução das deliberações. Trata-se apenas de um dever de comunicação, que deve ser cumprido com fidelidade e objetividade.

5. Conclusão

Diante de tantas distorções praticadas na rotina condominial, é indispensável reforçar o entendimento técnico e jurídico sobre os atos relacionados às Assembleias. A ata, como documento coletivo e sintético, deve registrar o essencial com fidelidade, mas sem transformar-se em um repositório de debates. A transcrição, por sua vez, é exceção e não regra, e a sua confusão com a ata tradicional apenas contribui para insegurança e conflitos internos.

A divulgação das deliberações, prevista no art. 24, §2º, da lei 4.591/1964, tem função clara e limitada: comunicar, de forma resumida, as decisões tomadas. Exigir que esse ato se submeta à ata formal e assinada é ignorar o texto legal e comprometer a eficiência da gestão condominial.

Síndicos, administradoras, conselheiros e condôminos precisam compreender melhor esses conceitos para que as Assembleias cumpram seu papel institucional, sem que sua documentação e divulgação se tornem armadilhas jurídicas. Fortalecer esse conhecimento é contribuir para uma governança mais eficaz e segura.

6. Quadro resumo final - Ata, transcrição e divulgação

1. Ata de Assembleia - Obrigatória

2. Transcrição - Facultativa

3. Divulgação - Obrigatória pelo síndico (art. 24, §2º, lei 4.591/1964)

4. Vigência das decisões - Imediata

André Luiz Junqueira
Professor, advogado e autor do livro "Condomínios - Direitos & Deveres"; Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, atuante em todo Brasil e representa cerca de 10% dos condomínios do RJ.

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