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Improbidade: Adstrição como limite e garantia processual

Diferentemente do Direito Penal, o ato de improbidade administrativa (exceto art. 111 da lei 8.429/92) adota tipicidade aberta, ampliando responsabilização, controle e proteção do interesse público.

18/7/2025

1. Introdução

Em que pese diversos princípios que são consagrados, em relação a adstrição ao juiz estar preso aos pedidos do processo, a norma quando estamos analisando ações que a Administração Pública, assim como, temos envolve diversas ciências, e multiplicidade de conhecimentos na qual nem todo o juiz domina na ações de improbidade administrativa, deve ser analisado a norma, com a interpretação mais elástica, ou seja, a axiológica, ou seja, o valor norma, o objetivo que pretende-se, e não poderia ser diferente face a natureza sui generis da ação de improbidade administrativa.

Antes de tecer algumas considerações sobre as peculiaridades da ação de improbidade administrativa, temos que enfrentar algumas questões para ficarmos mais confortável principiologicamente sobre o que realmente pode ter conflitos doutrinários e até mesmo jurisprudencial, nesse aspecto temos a teoria da individuação e a teoria da substanciação, vejamos: Na primeira temos que o embasamento está relacionado aos fundamentos jurídicos, enquanto no segundo temos que está relacionado aos fatos narrados, devendo o Magistrado fazer a leitura adaptando-o às normas positivadas. Segundo José Miguel Garcia Medina, essas teorias são entendidas como:

Individuação importa a categorização jurídica indicada pela parte, sendo menos relevantes os fatos narrados; para a teoria da substanciação, os fatos podem ter mais importância, pois o juiz deverá, com base nos elementos fáticos trazidos pelas partes, ajustar a eles a previsão contida no ordenamento jurídico [...]. O CPC/15 não adota a teoria da individuação, mas, sim, a teoria da substanciação, não a versão original, desta teoria (“todos os fatos”), mas uma concepção mais restrita, para a qual interessa apenas os fatos necessários à identificação do pedido (fatos principais, essenciais, ou jurígenos, e nãos os fatos simples e secundários) (Medina, 2018, p.533).

A questão cinge-se que o Brasil recepciona e aplica a teoria da substanciação, portanto, nasce muitas vezes alguns conflitos face a natureza da ação de improbidade administrativa, em razão da mesma ter peculiaridades que fogem a normalidade, face sua natureza sui generis. De acordo com as questões já suscita de forma introdutória, temos que é necessário em regra, que seja pormenorizado de forma exaustivas a conduta ímproba, isto é, os pedidos devem estar delineados com causa de pedir, ou seja, as sanções que naturalmente vão constar nos pedidos, devem estar amarrados aos fatos da conduta do suposto infrator, conforme podemos perceber da fácil leitura do art. 12 da lei de improbidade administrativa.

De outra banda, temos que a complexidade das ações de improbidade administrativa, guardam um universo de causas e efeitos, de diversos tipos de ciências e consequências que limitar com minuciosidade qualquer coisa que fuja da normalidade, afastar inclusive preceitos e políticas judiciárias, tais como: economicidade, aproveitamento do processo, duração razoável do processo, e diga-se que em regra em todas as fases do processo, temos que o duplo grau de jurisdição, há uma instância revisora onde poderá enfrentar questões suscitada de forma interlocutória, isto é, durante o processo, ou colocando findo ao processo em sentença, até porque não devemos perder de vista que diferentemente da tipicidade penal, onde temos tipicidade cerrada, ponto a ponto, na improbidade administrativa, o que temos são hipóteses exemplificativas, conforme artigo publicado na Revista do Ministério Público, vejamos:

Ao contrário do que ocorre no direito penal, a estrutura do tipo de injusto do ato de improbidade administrativa, com exceção do art. 111 da lei 8429/92, não se submete ao princípio da tipicidade cerrada, já que são descritos, no caput das disposições, apenas os elementos fundamentais da figura típica, apontando-se, nos incisos dos arts. 9º e 10, hipóteses exemplificativas dos comportamentos proibidos. Da leitura dos referidos dispositivos legais, conclui-se pela coexistência de três técnicas legislativas no momento de tipificação das condutas caracterizadas como ímprobas: a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, presentes no caput dos dispositivos tipificadores, permitindo o enquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados; as previsões das situações que comumente consubstanciam a improbidade de natureza meramente exemplificativa, o que facilita a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput; e a última, de caráter taxativo, adotada no art. 11 da lei Federal. Após a descrição das três tipologias de atos de improbidade administrativa, a lei 8.429/92 elenca as sanções aplicáveis a cada espécie, de acordo com a maior/ menor potencialidade lesiva dos atos. (GARCIA; ALVES, 2017, p. 369-370 apud Castro; Prado, 2022)

2. Princípio da inércia da jurisdição na ação de improbidade administrativa

Escolhemos entregar ao terceiro a solução de conflitos, seja sociais, sejam institucionais, portanto, é papel dessa máquina Judiciário, resguardar e proteger para diminuição dos conflitos sociais, e, é isso que o Estado-juiz representa ao cidadão, a sensação de justiça, mesmo que em muitos casos, tenham-se a impressão que o decidido não foi muito justo, mas que as partes tenham certeza que foi julgado com aquilo que estava respectivamente nos autos.

Todavia, seria impossível para o legislador desenhar, e adivinhar em processo tão multidisciplinar, dialogando com diversos institutos, dialogando com diversas instituições com organizações detalhar de forma minuciosa, o que por exemplo, durante o procedimento foi descoberto, e não constava inicialmente claramente na inicial, no entanto, de forma intrínseca, está atrelado ao agente ímprobo, recomeçar todo o procedimento, ou anular, seria o mesmo que esse usa a torpeza ao seu favor, pois é necessário relatar que a improbidade, guarda uma teia e labirinto de acontecimentos, às vezes criado pelo próprio agente ímprobo, até porque ninguém obrigado fazer prova contra si.

3. Licitude da cumulação de pedidos na ação de improbidade administrativa

Não há óbice para cumulação de pedidos, que exista objetivo: declaratório, constitutivo e condenatório, é pacificamente aceito pela jurisprudência, conforme podemos observar o entendimento do STJ [REsp 1.899.407/DF (recurso repetitivo), relatora ministra Assusete Magalhães, 1ª seção, julgado em 22/9/21, DJe 13/10/21; REsp 1.660.381/SP, relator ministro Herman Benjamin, 2ª turma, julgado em 21/8/18, DJe 26/11/18].

Nota-se que o objetivo principal da ação de improbidade administrativa é justamente a proteção do patrimônio público. Aliás, diga-se que o objetivo principal da presente ação é justamente a proteção ao patrimônio público, de acordo com desenvolvimento do procedimento judicial, o magistrado deverá estar adaptando de acordo com as peculiaridades do caso, sendo observado a Art. 17 da lei 8.429 § 10-D.

Art. 17 da lei 8.429 § 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta lei. (Incluído pela lei 14.230, de 2021)

A cumulatividade de pedidos, acontece pela existência de maior complexidade e necessidade maior do alcance da proteção do patrimônio público, inclusive o magistrado ele poderá adaptá-lo ao caso concreto, principalmente em razão da interpretação axiológica da norma, nesse ponto o maior esforço para dar base a essa cumulação de pedidos e encontrar nas palavras Garcia; Alves (2017, p. 445-449), observe as cinco operações:

[...] a primeira consiste na comprovação da incompatibilidade da conduta com os princípios regentes da administração pública; em seguida, passa-se a analisar o elemento subjetivo do agente; no terceiro momento, deve-se aferir se a conduta gerou outros efeitos, o que resultará na modificação da tipologia legal; posteriormente é preciso analisar se estão previstas as características dos sujeitos ativos e passivos exigidas nos arts. 1º e 2º da Lei de Improbidade; na última etapa, utiliza-se o critério da proporcionalidade entre a conduta do agente e as consequências decorrentes de eventual aplicação da Lei nº 8.429/92, podendo-se falar na coexistência da improbidade formal e da improbidade material: Caso se constate que o ato, além de violar os princípios, a um só tempo, importou em enriquecimento ilícito do agente, causou dano ao erário ou acarretou a fruição de benefício indevido pelo contribuinte, a operação de subsunção haverá de ser complementada com o fim buscado pelo agente (Garcia; Alves, 2017, p. 447-448 apud Castro; Prado, 2022).

É possível perceber que o objetivo da ação de improbidade, são as sanções punitivas, aos agentes públicos, não a reparação supraindividual, portanto, apesar do objetivo seja à aplicação de sanções punitivas aos agentes públicos, não à inibição ou à reparação de danos causados em nível supraindividual (além do individual é usado para designar interesses que não podem ser tomados de forma individual, mas que afetam um grupo de pessoas ou toda a coletividade.), logo é possível a cumulação de pedidos para que o magistrado possa com a marcha processual perceber quais se encaixam nos fatos alegados na inicial, visto que o núcleo da ação e a reparação do erário.

A ação de improbidade, portanto, nunca foi uma espécie de ação civil pública, nem integrava o “microssistema” de tutela dos direitos coletivos. É uma ação civil sui generis, na qual a repressão dos atos de corrupção deve ser compatibilizada com os direitos fundamentais dos acusados, portanto, a acumulação de diversos pedidos, estarão atrelados ao núcleo da causa de pedir, que é justamente a proteção ao patrimônio público.

5. Princípio da congruência e aproveitamento dos atos processuais nas ações de improbidade administrativa

Face a peculiaridade sui generis da ação de improbidade por diversas vezes as cortes superiores vêm entendendo pela mitigação de princípio da congruência, entende-se pela lógica-sistemática dos pedidos. Isso acontece, porque estamos falando do direito sancionador, inclusive já houve caso da multa ser diminuída de ofício pelas cortes superiores, sem que houvesse pedido, vejamos: Tal decisão, proferida sob a égide do CPC de 1973, foi publicada no informativo de jurisprudência 533, de 12/2/14.

O tribunal pode reduzir o valor evidentemente excessivo ou desproporcional da pena de multa por ato de improbidade administrativa (art. 12 da lei 8.429/1992), ainda que na apelação não tenha havido pedido expresso para sua redução. O efeito devolutivo da apelação, positivado no art. 515 do CPC, pode ser analisado sob duas óticas: em sua extensão e em profundidade. A respeito da extensão, leciona a doutrina que o grau de devolutividade é definido pelo recorrente nas razões de seu recurso. Trata-se da aplicação do princípio tantum devolutum quantum appellatum, valendo dizer que, nesses casos, a matéria a ser apreciada pelo tribunal é delimitada pelo que é submetido ao órgão ad quem a partir da amplitude das razões apresentadas no recurso. Assim, o objeto do julgamento pelo órgão ad quem pode ser igual ou menos extenso comparativamente ao julgamento do órgão a quo, mas nunca mais extenso. Apesar da regra da correlação ou congruência da decisão, prevista nos arts. 128 e 460 do CPC, pela qual o juiz está restrito aos elementos objetivos da demanda, entende-se que, em se tratando de matéria de direito sancionador e revelando-se patente o excesso ou a desproporção da sanção aplicada, pode o Tribunal reduzi-la, ainda que não tenha sido alvo de impugnação recursal. REsp 1.293.624-DF, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 5/12/13. (Informativo de Jurisprudência 533, 2014).

Apesar da confusão principiológica, no caso em tela o que foi aplicado foi o princípio da proporcionalidade, não há prejuízo ao princípio da congruência, mas uma interpretação lógico-sistemática da inicial, visto que face a natureza da ação, todos os pedidos inclusive do suposto infrator deve ser entendidas como fosse implícitas. Por outro lado, a doutrina questiona o prejuízo a ampla defesa e contraditório, assim como, não pode existir à decisão-surpresa, conforme preceitua o art. 10 do CPC, vejamos:

A regra da vedação à decisão-surpresa está consagrada no art. 10 do Novo CPC brasileiro:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. (Vasconcelos, 2016)

Tal posição jurisprudencial que aceita essa mitigação, vem sendo combatido por diversos juristas que compreendem não ser possível essa flexibilidade em prejuízo à defesa, que muitas vezes com essa insegurança jurídica, acabam por favor os “Acordo de Não Persecução Cível”, destacamos aqui entendimento do Ilustre Guilherme Carvalho e Sousa é advogado, doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas, vice-presidente da APDA - Associação Paulista de Direito Administrativo e ex-procurador de Estado.

É inquestionável a necessidade de se combater, de forma incansável, a malversação da coisa pública; todavia, os valores constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa e, mais que isso, segurança jurídica, devem ser de igual modo respeitados. Se a petição inicial não encontra com pedido em conformidade com a causa de pedir, não pode o Poder Judiciário figurar como professor de reforço do autor da ação. É preciso, portanto, repensar essa jurisprudência (Sousa, 2018)

6. Conclusão

A questão está longe de ser pacificada pelos juristas e doutrina, a solução é que seja buscado uma convergência entre a instrumentalidade do processo e o proveito do processo para aplicação da fungibilidade. Apesar de passar a impressão essa elasticidade do Judiciário em aproveitar o núcleo principal do processo a todo o custo para proteger o patrimônio público, na realidade o que podemos enxergar não é mitigação do princípio da congruência, mas aplicação do princípio da proporcionalidade, sem perder a ampla defesa e contraditório.

De outra banda, não podemos perder de vista que ação de improbidade administrativa, estamos tratando “dinheiro público” e “interesses estatais”, ou seja, estamos diante de poder de império, aquele se relacionado com esse poder, deve ter em vista, que embora não seja obrigado a fazer prova contra si, também deve equilibrar aqueles que têm relação com Poder Público, a prestação de contas, a responsabilidade fiscal, mesmo que seja uma relação público-privada, na prática adaptação dos pedidos do processos, está muito relacionado também com o desenvolvimento do processo, visto que os órgãos que têm legitimidade não tem todas as informações, visto que o suposto infrator, não é obrigado a fazer prova contra si.

____________________

BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. JusBrasil, 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11331955/artigo-17-da-lei-n-8429-de-02-de-junho-de-1992. Acesso em: 21 maio 2025.

CARVALHO, Guilherme. Improbidade e o princípio da congruência. Conjur, 03 maio 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mai-03/guilherme-carvalho-improbidade-principio-congruencia/. Acesso em: 22 maio 2025.

CASTRO, Renato de Lima; PRADO, Fernanda. Lei de Improbidade Administrativa: interpretação dos pedidos e Princípio da Congruência. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 85, jul./set. 2022. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/3481505/Renato_de_Lima_Fernanda%20Pardo_RMP-85.pdf. Acesso em: 22 maio 2025.

LIMA, Renato de; PARDO, Fernanda. A improbidade administrativa e o princípio da legalidade. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 85, 2020. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/3481505/Renato_de_Lima_Fernanda%20Pardo_RMP-85.pdf. Acesso em: 21 maio 2025.

OLIVEIRA, Danilo. A regra da vedação à decisão surpresa: artigo 10 do novo CPC. JusBrasil, 2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-regra-da-vedacao-a-decisao-surpresa-artigo-10-do-novo-cpc/305568674. Acesso em: 22 maio 2025.

PIERONI, Gustavo. Causa de pedir e pedido na ação de improbidade administrativa e aplicação da ação rescisória quando da sentença que não reconheceu a inépcia da inicial. Migalhas, 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/313903/causa-de-pedir-e-pedido-na-acao-de-improbidade-administrativa-e-aplicacao-da-acao-rescisoria-quando-da-sentenca-que-nao-reconheceu-a-inepcia-da-inicial. Acesso em: 22 maio 2025.

Fábio Toledo
Mestrando em Direito pela Universidade Candido Mendes, Pós-Graduado em Direito Privado pela UFF, Pós-Graduando em Compliance pela USP. Especializado em Direito Acidentário, Perito Judicial .

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