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Tecnologia e prevenção de litígios: O papel dos dados na gestão de riscos jurídicos

A incorporação de dados na prática jurídica marca a transição de uma advocacia reativa para uma atuação estratégica voltada à prevenção e gestão de riscos.

24/7/2025

Por muito tempo, o Direito foi - e ainda é, em grande parte - construído sobre bases essencialmente reativas. O problema surge, o conflito se estabelece e, só então, o aparato jurídico é acionado. Contudo, esse modelo tem se mostrado cada vez mais custoso, ineficiente e desalinhado com a dinâmica atual dos negócios.

A transformação digital, que já permeou diversos setores, não poupou o universo jurídico. E nem deveria. A incorporação da tecnologia na rotina da advocacia já não é mais uma mera tendência, mas sim uma realidade inegável. Nesse contexto, o uso inteligente dos dados emerge como uma ferramenta estratégica fundamental na gestão de riscos, permitindo que departamentos jurídicos e escritórios de advocacia atuem muito além do contencioso tradicional.

Se antes a advocacia se ocupava prioritariamente de "apagar incêndios", hoje ela se posiciona na linha de frente da prevenção. A análise de dados aplicada ao Direito possibilita mapear padrões de litigiosidade, identificar gargalos contratuais, compreender comportamentos recorrentes e, sobretudo, antecipar cenários de risco. Essa abordagem é particularmente relevante no setor bancário, onde a judicialização é volumosa e recorrente. Ali, os dados se tornam verdadeiros aliados na compreensão de quais práticas, produtos ou cláusulas geram maior atrito com os consumidores. Com essas informações em mãos, torna-se possível agir preventivamente: redesenhando contratos, ajustando processos internos, orientando áreas comerciais e, consequentemente, reduzindo significativamente a probabilidade de litígios.

O ponto central é que a tecnologia não elimina o papel do advogado; pelo contrário, ela o amplia. A tecnologia desloca o profissional do Direito de uma posição meramente reativa para uma postura verdadeiramente estratégica. O advogado que compreende a linguagem dos dados, que se apropria das ferramentas de inteligência artificial e que entende os sinais emitidos pelos próprios processos, passa a atuar como um gestor de riscos proativo e um parceiro indispensável para o negócio.

Naturalmente, essa transição para uma advocacia baseada em dados traz seus desafios. Lidar com a privacidade e a segurança das informações, além de navegar pelas fronteiras éticas do uso de tecnologia, são temas que demandam atenção constante. Afinal, não se trata apenas de ter acesso aos dados, mas de saber como interpretá-los, protegê-los e transformá-los em decisões responsáveis e juridicamente sólidas.

Para que essa evolução se concretize, é imperativo que os profissionais do Direito desenvolvam novas habilidades, indo além do conhecimento jurídico tradicional. A capacidade de interpretar grandes volumes de dados, de colaborar com cientistas de dados e especialistas em tecnologia, e de pensar de forma estratégica e interdisciplinar é fundamental. O sucesso dessa jornada dependerá cada vez mais da sinergia entre o conhecimento técnico-jurídico e a expertise em análise de dados e ferramentas digitais.

O fato é que a gestão de riscos jurídicos baseada em dados já não é mais um diferencial competitivo - é uma exigência do mercado. Quem não se adapta a essa nova realidade, inevitavelmente, ficará para trás. O futuro da advocacia é, portanto, preditivo, estratégico e, acima de tudo, preventivo.

Karina Karla da Silva
Analista Jurídico Cível Sênior no escritório Parada Advogados, atuando na condução de despachos e no suporte estratégico de demandas processuais. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade Legale, possuindo expertise em Direito Bancário, com sólida experiência na gestão de processos, análises jurídicas e soluções voltadas à área cível bancária.

Jessica Aparecida Rescigno de Franca
Coordenadora Jurídica do Banco BMG, pós-graduada em Direito Processual Civil e Direito Digital pela FGV. Membro permanente da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP.

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