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IA no Brasil: A euforia dos dados e o silêncio da responsabilidade

O uso da IA no Brasil cresceu 890% em 2024, mas a euforia da produtividade mascara um despreparo alarmante. Este artigo analisa os riscos e a urgência de uma advocacia tecnicamente responsável.

23/7/2025

O uso da IA generativa no Brasil cresceu 890% em 2024, mas a euforia da produtividade mascara um despreparo alarmante. Este artigo analisa os riscos e a urgência de uma advocacia tecnicamente responsável.

Vivemos um paradoxo no Brasil. Celebra-se com euforia o crescimento de 890% no uso da onteligência artificial generativa em 2024, um marco que promete revolucionar a produtividade corporativa. Contudo, sob a superfície deste otimismo, emerge um dado alarmante e proporcionalmente ignorado: um aumento de 2,5 vezes nos incidentes de perda de dados no mesmo período1. A euforia da eficiência parece ter silenciado o debate sobre a responsabilidade. Para a advocacia, ignorar essa dissonância não é uma opção; é uma falha profissional.

O cerne do problema reside em uma assimetria perigosa: a facilidade de acesso a ferramentas como Gemini, ChatGPT ou Claude é infinitamente maior que o nível de preparo técnico e ético para utilizá-las. A prática do "Shadow IT" (o uso de tecnologias sem o conhecimento ou a chancela da governança corporativa) tornou-se endêmica. Advogados, na busca legítima por celeridade, inserem dados de contratos, petições e estratégias sigilosas em plataformas cujos termos de serviço e políticas de privacidade raramente são compreendidos em sua totalidade. A ação, aparentemente inofensiva, de pedir a uma IA para "melhorar a redação" de uma cláusula contratual pode configurar, na prática, um vazamento de dados.

É fundamental compreender que a segurança de uma plataforma de IA não é uma característica monolítica. Ela varia drasticamente conforme o tipo de plano contratado. Utilizar a versão gratuita ou pessoal de um modelo de linguagem, por exemplo, geralmente concede à empresa desenvolvedora o direito de usar os dados inseridos para treinar seus futuros algoritmos. Apenas os planos corporativos (como o Google Workspace para o Gemini ou o ChatGPT Team/Enterprise) oferecem, por meio de garantias contratuais e DPA - Acordos de Processamento de Dados, a segurança de que as informações do cliente permanecerão confidenciais e não serão incorporadas ao modelo

A distinção é sutil no clique, mas abissal na consequência jurídica. Para um advogado, a escolha entre um plano pessoal (CPF) e um corporativo (CNPJ) não é uma questão de preço, mas de conformidade com o Estatuto da Advocacia e com a LGPD. O dever de sigilo, pilar da nossa profissão, não admite negligência tecnológica.

O desafio, portanto, transcende a mera adoção de uma nova ferramenta. Ele exige a construção de uma cultura de segurança digital e de uma nova forma de diligência. É preciso que os escritórios de advocacia instituam protocolos claros de uso, invistam no treinamento contínuo de suas equipes e, acima de tudo, assumam a responsabilidade de auditar e validar cada informação gerada por um sistema algorítmico antes que ela receba a chancela de uma assinatura.

A promessa da IA é real, mas o seu benefício só se concretiza quando a inovação caminha ao lado da prudência. Caso contrário, a busca pela eficiência artificial pode resultar, ironicamente, em um passivo muito real, comprometendo o que um advogado tem de mais valioso: a confiança de seu cliente e sua própria credibilidade. O futuro da advocacia pertence aos que souberem equilibrar a audácia de inovar com a sabedoria de proteger.

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1 MILAGRE, Rafael. Uso de IA no Brasil cresceu 890% em 2024; riscos e soluções. Milagre Digital, 10 maio 2025. Disponível em: https://milagredigital.com/uso-ia-brasil-riscos-solucoes/. Acesso em: 22 jul. 2025.

Jamille Porto Rodrigues
Advogada e Professora de Direito Digital, Inteligência Artificial e Novas tecnologias aplicada ao Direito e Marketing Jurídico.

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