Tradicionalmente, os serviços legais costumam ser cobrados por meio de pacotes fechados, calculados com base no tempo estimado da ação, no volume de documentos e na complexidade do caso. No entanto, com a automação de processos, o tempo necessário para realizar essas atividades caiu drasticamente.
Apesar disso, o valor percebido pelo cliente muitas vezes permanece o mesmo, o que gera um descompasso entre o esforço visível e o preço cobrado.
Essa mudança traz um desafio importante: como manter a sustentabilidade financeira sem transmitir a impressão de que se está cobrando caro por algo que foi executado rapidamente? Nesse novo cenário, a IA exige dos escritórios uma nova abordagem de precificação, priorizando os resultados entregues em vez do tempo investido.
Além disso, também demanda um novo posicionamento perante o cliente, que precisa compreender, com clareza, o que está sendo entregue, como foi produzido e por que aquele serviço tem valor estratégico.
Cobrança por hora: Ainda faz sentido com a IA fazendo o trabalho?
De acordo com a consultoria Gartner, cerca de 40% dos serviços jurídicos corporativos serão contratados com base no valor entregue e não mais no tradicional modelo por hora trabalhada até 2026.
Essa mudança reflete o avanço da tecnologia, especialmente da inteligência artificial, na rotina dos escritórios. Conforme ferramentas sistematizadas assumem parte das tarefas operacionais, a métrica “tempo gasto” perde relevância como critério de precificação.
Em seu lugar, ganha força uma atuação estratégica, medida pelo impacto prático das soluções legais, pela redução de riscos para o cliente e pela capacidade de antecipar problemas com agilidade.
Assim, essa tendência exige que as bancas revisem seus métodos de cobrança e passem a justificar seus honorários a partir de resultados mensuráveis, e não apenas em esforço ou complexidade técnica.
Quando tudo acelera, o preço deve diminuir?
Segundo a Reuters (2024), 76% dos grandes escritórios de advocacia dos Estados Unidos já adotaram ferramentas de inteligência artificial para executar tarefas como due diligence, revisão de contratos e triagem de documentos.
Na prática, tarefas como checagem de cláusulas, verificação de inconsistências e cruzamento de dados, que antes tomavam dias, agora são concluídas em minutos..
Um relatório da ABA - American Bar Association, publicado em 2023, revelou que as bancas que incorporaram sistemas inteligentes conseguiram reduzir, em média, 35% do tempo gasto em atividades operacionais. Essa economia não foi resultado de reestruturações internas complexas, mas sim da automação de tarefas operacionais do dia a dia, como organização documental, revisão padrão e produção preliminar de pareceres.
Esse salto de produtividade encurtou o ciclo de entrega dessas soluções, mas criou uma nova tensão: como justificar honorários altos por um trabalho que parece, aos olhos do cliente, ter sido feito quase instantaneamente?
Muitos advogados já começam a adaptar sua proposta comercial, explicando que o que está sendo cobrado não é o tempo de execução, mas o conhecimento legislativo que orienta o uso desses sistemas e garante a segurança das decisões.
Ainda assim, bancas jurídicas que seguem cobrando como se ainda operassem no ritmo anterior enfrentam resistência, especialmente de clientes empresariais mais atentos ao custo-benefício e à proporcionalidade entre valor gerado e preço cobrado.
Como demonstrar valor quando o trabalho é automatizado?
A pressão por mudanças na precificação não parte somente dos escritórios, ela é, em grande parte, impulsionada pelos próprios consumidores. Uma pesquisa do Thomson Reuters Institute (2024) revelou que 61% dos clientes empresariais exigem modelos de cobrança previsíveis e transparentes.
Isso representa uma crítica direta ao formato tradicional de horas faturadas, muitas vezes percebido como opaco, imprevisível e distante do resultado efetivo gerado. Em um contexto em que a IA acelera os processos e reduz o esforço humano, empresas esperam que a forma de cobrança acompanhe esse novo ritmo.
Para muitos departamentos legais internos, não faz mais sentido pagar altos valores por tarefas que foram automatizadas, mesmo que o advogado afirme que o diferencial está no conhecimento normativo envolvido.
Por isso, escritórios que desejam manter a confiança e a competitividade precisam rever seus contratos, apresentar estruturas de precificação mais claras e mostrar, de forma objetiva, a relevância estratégica que estão entregando em cada transação.
Reposicionamento estratégico: Sua proposta de valor está pronta para a era da IA?
A incorporação da inteligência artificial na advocacia corporativa está provocando um realinhamento estrutural na forma como o trabalho jurídico é percebido, entregue e precificado. O formato de honorários fixos, antes sustentado pela previsibilidade do esforço humano, agora convive com a imprevisibilidade da inovação.
A vantagem competitiva, portanto, pertence a quem souber reposicionar sua proposta com clareza, ética e inteligência comercial. Escritórios que se anteciparem à transição, oferecendo modelos de cobrança mais alinhados ao impacto gerado e não ao tempo consumido, estarão melhor preparados para responder às demandas de um mercado que valoriza agilidade sem abrir mão de confiança.