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Sistema Tributário Nacional sob nova base principiológica

A reforma tributária insere princípios expressos do Sistema Tributário Nacional, sendo importante analisar como esses princípios foram construídos no debate legislativo.

28/7/2025

A EC 132/23, conhecida como reforma tributária, promoveu significativas alterações no STN - Sistema Tributário Nacional: alterou competências; definiu e autorizou a criação de novos tributos e a extinção de outros; modificou, substancialmente, a forma de tributação sobre o consumo; e instituiu de forma expressa, princípios constitucionais tributários de observância obrigatória no Sistema Tributário Nacional.

Esses princípios são: simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente, que estão dispostos de forma expressa no § 3º do art. 145 da CF/88; e de forma implícita, o princípio da neutralidade. Esses, somados aos já consolidados no ordenamento jurídico, como o princípio da legalidade tributária, isonomia, capacidade contributiva, irretroatividade, anterioridade e o não confisco, delineiam os valores norteadores da criação e interpretação da legislação e operacionalização dos tributos. Com isso, se mostram como uma garantia aos contribuintes de que a tributação seja justa, resguardando seus direitos fundamentais. Por essa razão, os princípios constitucionais tributários, têm grande relevância no ordenamento jurídico, como bem ensina Paulo de Barros Carvalho, ao dizer que os princípios são linhas diretivas que iluminam a compreensão normativa com caráter de unidade relativa e como fator de agregação num dado feixe de normas.1

No mesmo sentido, Miguel Reale Júnior, nos traz que princípios são “verdades fundantes” de um sistema de conhecimento e quando relacionados à ciência do Direito, são categorizados como princípios gerais do Direito. Assim, se constituem como enunciados de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, seja para a aplicação, integração ou elaboração de normas jurídicas. Ressalta ainda, que a maioria dos princípios gerais do Direito não constam em textos legais, representando contextos doutrinários, mas quando estes passam a ser expressos em lei, toma força cogente, mas mantém o jus prévio e exterior à lex.2Isso significa que, mesmo quando os princípios estão expressos em lei, ou seja, com força normativa e cogente, estes mantêm os valores exterior à própria norma, irradiando os valores que carregam.

Diante da relevância desses princípios constitucionais tributários, esse estudo se propõe a identificar a estrutura do Sistema Tributário Nacional pretendida com a reforma tributária, a partir da análise dos princípios que foram inseridos no §3º do art. 145 da CF/88. Se inicia, com uma pesquisa documental, identificando como se deu a inserção desses princípios no texto da PEC. Isso porque, no aspecto das fontes legais do Direito, não é apenas a lei em si que é considerada como  fonte, mas sim, todos os atos normativos que são abrangidos pelo processo legislativo que culmina em sua formação.3

A inserção do §3º do art. 145 da CF/88 se deu em decorrência da promulgação da EC 132/23, que foi o objeto da PEC 45/19, apresentada em 3/4/19 pelo deputado Federal Baleia Rossi (MDB/SP). Esse foi o ponto de partida da reforma tributária e foi apresentado de acordo com o modelo sugerido pelo CCiF - Centro de Cidadania Fiscal4.

Ao apresentar a sugestão da reforma, o CCiF ressaltou toda a problemática do Sistema Tributário Nacional, destacando que os atuais tributos sobre bens e serviços, não tem nenhuma característica desejável a um bom sistema tributário, pois não são simples, não são transparentes, não são neutros e nem isonômicos e que isso gera uma perda de produtividade e investimento, além da falta de transparência do real valor de custo dos tributos para os contribuintes.5

Analisando a cronologia dos fatos da aprovação da EC 132/23, verifica-se que esta passou por intenso debate legislativo, sendo objeto de 221 emendas na Câmara dos Deputados, além de audiências públicas realizadas no âmbito da Comissão Especial e outras 883 emendas no Senado.

Em relação aos princípios constitucionais tributários, verifica-se que não constavam no texto original da PEC, sendo citado apenas na justificativa da proposta da EC, como objetivo da reforma trazer a simplificação do sistema tributário e aumento da produtividade, com menções aos princípios da transparência, não-cumulatividade, uniformidade de regras nacionais e eliminação da guerra fiscal. Destaca-se:

As mudanças sugeridas no texto constitucional têm como referência a proposta de reforma tributária desenvolvida pelo CCiF - Centro de Cidadania Fiscal, instituição independente constituída para pensar melhorias do sistema tributário brasileiro com base nos princípios da simplicidade, neutralidade, equidade e transparência. O modelo proposto busca simplificar radicalmente o sistema tributário brasileiro, sem, no entanto, reduzir a autonomia dos Estados e municípios, que manteriam o poder de gerir suas receitas através da alteração da alíquota do IBS.

(...)

Os efeitos esperados da mudança proposta são extremamente relevantes, caracterizando-se não apenas por uma grande simplificação do sistema tributário brasileiro - com a consequente redução do contencioso tributário e do custo burocrático de recolhimento dos tributos -, mas também, e principalmente, por um significativo aumento da produtividade e do PIB potencial do Brasil6.

Com o avanço das discussões, foi apresentado em 22/6/23 o parecer preliminar de plenário pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), cujo texto foi aprovado em dois turnos na Câmara em 7/7/23 e encaminhado ao Senado em 3/8. Após nova rodada de debates e análise de 803 emendas, o Senado aprovou, em 8/11, texto substitutivo, que retornou à Câmara e foi definitivamente aprovado em 15/12. A promulgação da Emenda ocorreu em sessão solene do Congresso Nacional no dia 20/12/23.

Segundo o relatório final da reforma tributária - PEC 45/19 e 110/13, da Comissão Mista da reforma tributária, durante a audiência pública realizada em 27/8/20, o representante da CNF - Confederação Nacional das Instituições Financeiras, senhor Isaac Sidney, destacou a necessidade de definir a reforma tributária baseada na neutralidade, simplicidade, transparência, equidade para a construção de um sistema mais justo e funcional:

(...) o sistema tributário atual é desfavorável ao ambiente de negócios, pois é caótico, complexo, burocrático, gerador de insegurança jurídica, não transparente e com alto custo de observância. A reforma deve se pautar pelos seguintes princípios: (i) neutralidade, mediante manutenção ou redução da carga tributária e não interferência nas decisões dos agentes econômicos; (ii) simplicidade e transparência, garantindo-se ao contribuinte a compreensão de seu funcionamento e a possibilidade de cumprimento das obrigações sem gastos excessivos; e (iii) equidade, de modo que a carga tributária seja isonômica entre os indivíduos e segmentos econômicos e proporcional à capacidade contributiva.7

Percebe-se que nessas audiências e discussões legislativas, os princípios foram discutidos e apresentados como objetivos a serem alcançados pela reforma e como desejam que o sistema de tributação seja. Isso porque, conforme, o Sistema Tributário Nacional é conhecido por ser um dos mais complexos, confusos e de difícil interpretação. E segundo informações do Tribunal de Contas da União.

Desde a promulgação da CF/88, foram editadas, em média, 37 normas tributárias por dia. Como consequência, as empresas gastam cerca de R$ 181 milhões por ano para manter pessoal, sistemas e equipamentos no acompanhamento das modificações da legislação.

(...)

A complexidade também contribui para o aumento e a morosidade do contencioso tributário, seja administrativo ou judicial.8

Então, a dificuldade da operacionalização e entendimento do Sistema Tributário Nacional foi o grande impulsionador da reforma tributária e pelas discussões no decorrer da tramitação, a necessidade de organizar esse sistema com medidas de simplificação foi o grande responsável não somente pela alteração dos tributos, mas por inserir os princípios de forma expressa no texto constitucional.

E assim, em 6/7/23, o deputado Federal Aguinaldo Ribeiro, apresentou substitutivo à PEC 45/19, incluindo o § 3º do art. 145, com a inserção dos princípios, o que foi aprovado, pela Câmara dos Deputados, com a seguinte redação:

Art.145. ........................................................................................................ § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente. (NR)

Posteriormente, no Senado, foi apresentado a proposta de emenda 156 à PEC 45/19 pelo Senador Alan Rick (UNIÃO/AC), sugerindo a inclusão do princípio da cooperação ao rol dos princípios no § 3º do art. 145 da CF/88. Apresentou como justificativa da proposta, que a relação entre contribuintes e o Estado deve ser colaborativa, promovendo maior eficiência na fiscalização e menor custo de conformidade. Destacou também a necessidade de integração entre os entes federados para a implementação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços e da CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, o que exige um elevado grau de cooperação. A justificativa da emenda ressalta:

O princípio orienta que toda a ação, particular ou pública, seja voltada à facilitação da relação tributária de forma a alcançar o máximo de eficiência e o mínimo de atrito, reduzindo custos de conformidade e de fiscalização e maximizando os resultados da atividade produtiva. Ele propõe uma relação jurídico-tributária mais colaborativa, situação totalmente antagônica a que experimentamos na atualidade, e está direcionado para todos os agentes envolvidos, compreendendo contribuintes, poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A alteração sugerida se faz especialmente importante eis que a implementação do IBS - Imposto sobre Bens e Serviços exigirá alto nível de cooperação entre os Estados federados. A CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços, por sua vez, demandará a cooperação destes com a União, para que os tributos sejam implementados de forma coerente e simples.

A alteração de posturas, tal qual sugere o princípio, vai ao encontro dos objetivos da reforma e do interesse comum de todos, pois é capaz de promover a harmonização e a integração entre as partes, com o potencial de facilitar a fiscalização e o cumprimento das normas tributárias.

A inclusão do princípio da cooperação no rol de princípios constitucionais que deverão orientar o sistema tributário demonstra um compromisso do Estado brasileiro com a construção de uma relação harmônica entre as partes envolvidas na relação tributária, o que pode favorecer a criação de um sistema mais justo, capaz de contribuir com o desenvolvimento econômico do país.

Assim, considerando-se que a simplificação do sistema tributário é premissa básica da proposta da reforma, é imperativa a mudança de posturas na relação mantida entre contribuintes e os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, razão pela qual sugere-se a complementação do §3º do art. 145, a fim de que a redação compreenda o princípio da cooperação como uma das diretrizes fundamentais do novo modelo de tributação.

Identifica-se assim, que, foi com o amadurecimento e discussões do debate legislativo sobre a reforma tributária é que os princípios do Sistema Tributário Nacional foram sendo delineados e inseridos no texto da PEC, com o objetivo de alinhar a reforma aos valores de um sistema tributário moderno, eficiente e justo, posto como almejado por todos.

Tal situação, nos remonta à Montesquieu, quando afirma que as normas jurídicas são elaboradas pelo homem para atender aos anseios da sociedade, não agindo somente baseado na razão ou em seu raciocínio teórico9.  Pelo que, todas as leis constantes e as que forem elaboradas dentro Sistema Tributário Nacional, devem-se pautar pelos objetivos valorativos traduzidos pelos princípios tributários, que dispostos em lei, são diretrizes obrigatórias.

De forma específica em relação aos que estão descritos no §3º do art. 145 da CF/88, Leandro Paulsen destaca que:

Simplicidade, transparência e cooperação efetivamente são valores capazes de tornar o sistema bastante mais fácil de operar, claro e colaborativo, com redução de custos indiretos, da insegurança e da litigiosidade. O princípio da justiça tributária vem operar no espaço já orientado pela igualdade e pela capacidade contributiva e agora, também, pela determinação de atenuação de efeitos regressivos. E a defesa do meio ambiente, por sua vez, incorpora ao sistema tributário uma finalidade extrafiscal permanente, dada a dimensão axiológica desse tema, sendo que a Constituição já consagrava o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, a ser defendido e preservado para as presentes e futuras gerações (art. 225). Toda a legislação tributária passa a se orientar pela sustentabilidade ambiental.10

Assim, se identifica que os princípios constitucionais tributários expressam mais do que os valores que lhes são inerentes, traduzem os objetivos que moveram a reforma tributária e, portanto, representam a estrutura do Sistema Tributário Nacional. Com isso, é imprescindível que todos os princípios elencados §3º do art. 145 da CF/88 sejam observados pelo sistema político em todas as futuras leis regulamentadoras e as que já estão vigentes, mantendo de forma coesa esses princípios, buscando maior coordenação federativa e segurança jurídica no país.

____________________

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 158

2 REALE JÚNIOR, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

3 REALE JÚNIOR, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 326.

4 Centro de Cidadania Fiscal (C.CiF) é um think tank independente que tem como objetivo contribuir para a simplificação do sistema tributário brasileiro e aprimoramento do modelo de gestão fiscal do país.

5 CENTRO DE CIDADANIA FISCAL. Proposta do CCIF para reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços. São Paulo: Centro de Cidadania Fiscal. 2019. (Nota Técnica)

6 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, p.22.

7 RIBEIRO, Aguinaldo. Relatório final da reforma tributária - PEC nº 45/2019 e nº 110/2019. Brasília, DF: Comissão Mista da Reforma Tributária. 2021.

8 BRASIL. O TCU e o desenvolvimento nacional: contribuições para a administração pública. Tribunal de Contas da união. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/desenvolvimento-nacional/sistema_tributario.html Acesso em 03/07/2025.

9 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

10 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmAcesso em: 02/06/2025.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm#art3Acesso em: 02/06/2025.

BRASIL. O TCU e o desenvolvimento nacional: contribuições para a administração pública. Tribunal de Contas da União. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/desenvolvimento-nacional/sistema_tributario.html Acesso em 03/07/2025.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda à Constituição (PEC)  nº 45/2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833Acesso em: 02/06/2025.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

CENTRO DE CIDADANIA FISCAL. Proposta do CCIF para reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços. São Paulo: Centro de Cidadania Fiscal. 2019, p... (Nota Técnica)

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2024.

REALE JÚNIOR, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

RIBEIRO, Aguinaldo. Relatório final da reforma tributária - PEC nº 45/2019 e nº 110/2019. Brasília, DF: Comissão Mista da Reforma Tributária. 2021. https://legis.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao/2334/documentos/6333Acesso em: 23/06/2025.

Mardeli Maria da Mata
Advogada. Professora universitária. Doutoranda. Atua nas áreas: Direito Tributário, Digital, Empresarial e Contratos. Sócia GDM Sociedade de Advogados. Coordenadora curso de Direito na Unifucamp.

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