Em um ecossistema financeiro cada vez mais digital e descentralizado, os intermediadores de pagamento exercem um papel essencial: viabilizam, com agilidade e segurança, a liquidação financeira entre consumidores, estabelecimentos e instituições bancárias. Porém, à medida que o volume de transações cresce e as fraudes digitais se tornam mais sofisticadas, surge um debate sobre os limites da responsabilidade civil desses agentes.
A questão central é: intermediadores de pagamento devem responder por prejuízos decorrentes de fraudes praticadas por terceiros?
A resposta, à luz da jurisprudência e da natureza da função desempenhada, deve ser negativa, salvo prova inequívoca de falha concreta em seu dever de diligência.
Neutralidade funcional e responsabilidade técnica
Intermediadores financeiros como gateways, subadquirentes e facilitadoras atuam como instrumentos técnicos de liquidação. Não participam da formulação, da oferta ou da entrega do produto ou serviço adquirido, tampouco exercem controle direto sobre o conteúdo da transação. São, em essência, plataformas que conectam comprador e vendedor, repassando valores entre instituições financeiras, de forma segura, mas desprovida de ingerência sobre a operação comercial subjacente.
Por isso, não se pode atribuir a esses agentes responsabilidade objetiva ou automática por eventos alheios à sua esfera de atuação. A jurisprudência tem reconhecido que a mera intermediação financeira, desacompanhada de culpa, não gera responsabilidade civil.
A responsabilidade exige culpa ou falha concreta no dever de cautela
A responsabilidade civil, conforme previsto nos arts. 186 e 927 do CC, depende da comprovação de conduta culposa e nexo causal direto entre a omissão ou ação do agente e o prejuízo sofrido.
Nesse contexto, a atuação diligente do intermediador, com a adoção de sistemas de segurança compatíveis com os riscos operacionais, afasta a imputação de responsabilidade. Vale destacar que a existência de uma fraude, por si só, não indica culpa da intermediadora, especialmente quando se comprova a adoção de mecanismos razoáveis de prevenção.
A responsabilização só é possível quando se evidencia, de forma objetiva:
- Ausência de medidas mínimas de verificação ou controle;
- Reiteração de falhas ignoradas;
- Omissão deliberada diante de alertas claros de risco.
Mesmo nesses casos, a análise deve ser concreta, proporcional e técnica, sem generalizações.
Tecnologia, prevenção e compliance: O dever de colaborar, não de garantir
Os intermediadores não são garantidores universais da integridade de toda a cadeia comercial digital. No entanto, como agentes relevantes do sistema financeiro, têm o dever de colaborar com a prevenção de ilícitos, especialmente no que tange a:
- Fraudes em meios eletrônicos;
- Lavagem de dinheiro;
- Financiamento ao terrorismo.
Isso se dá por meio de sistemas antifraude, análise de risco, monitoramento de padrões atípicos e cooperação com autoridades, obrigações já previstas em resoluções do bacen.
Contudo, tais deveres não podem ser confundidos com obrigação de resultado. O risco sistêmico das fraudes exige uma atuação conjunta entre plataformas, bancos, bandeiras e autoridades, e não a atribuição isolada de responsabilidade àquele que apenas processa o pagamento.
Conclusão: Responsabilidade sim, mas com equilíbrio
A economia digital exige segurança, mas também clareza jurídica e previsibilidade regulatória. A construção de um ambiente confiável passa pelo reconhecimento de que intermediadores de pagamento não são partes das relações de consumo, nem controladores diretos da origem e destino das transações.
A responsabilização, quando cabível, deve observar critérios claros e pautar-se na comprovação de falha concreta
A responsabilidade civil de intermediadores de pagamento não pode ser presumida, precisa ser demonstrada. Esse é o caminho seguro, jurídico e tecnicamente razoável para o desenvolvimento do setor.