A aprovação da LC 214/25 marca o início de um novo ciclo tributário no Brasil. O fim do ICMS como o conhecemos e a criação do IBS prometem simplificação, mas a realidade para os pequenos negócios pode ser mais amarga do que o discurso reformista anuncia.
Como contadora e estudiosa do Direito Tributário, não posso deixar de expressar uma crítica contundente ao modo como a legislação trata os pequenos contribuintes. O art. 47 da LC 214/25 estabelece que o crédito do IBS e da CBS só poderá ser apropriado pelo adquirente quando o imposto devido na operação anterior tiver sido efetivamente extinto, conforme previsto no art. 27 da mesma lei.
O pequeno comércio, que hoje compra de grandes fornecedores com enormes passivos tributários, só poderá se creditar se tiver certeza de que o imposto foi recolhido. Mas como? Vamos pedir extrato de pagamento dos fornecedores? Certidão negativa por nota emitida?
A teoria parece eficiente. A prática, no entanto, cria uma armadilha: a responsabilidade é deslocada do emissor da obrigação para o elo mais fraco da cadeia econômica. O pequeno empresário terá que redobrar cuidados, sob pena de glosa de crédito e autuações injustas.
Estamos diante de uma transferência velada de ônus fiscal, em nome da moralização da arrecadação. O Fisco presume que o contribuinte tem acesso a dados que muitas vezes nem os auditores conseguem obter com facilidade. O contador, nesse novo cenário, deixa de ser mero apurador e se torna quase um investigador.
Não se trata de ser contra a reforma. Mas sim de lembrar que o sistema não pode punir quem cumpre a lei apenas por não ter controle sobre o cumprimento do outro. O IBS pode sim ser um avanço - desde que os ajustes não sejam feitos à custa de quem já caminha sobre margens estreitas.
É urgente que a regulamentação traga instrumentos práticos para essa verificação. E mais do que isso: que o Estado reconheça que segurança jurídica não pode ser privilégio de quem tem estrutura jurídica própria, mas direito de quem produz, vende e paga tributo com honestidade.