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Contratos de barter: Complexidade jurídica e riscos elevados no agronegócio

O contrato de barter é ferramenta estratégica no agronegócio, mas exige estrutura jurídica sólida para mitigar riscos patrimoniais, fiscais e operacionais.

31/7/2025

No contexto do agronegócio brasileiro, os contratos de barter consolidaram-se como instrumento central de financiamento não bancário, especialmente para pequenos, médios e grandes produtores, viabilizando a antecipação de insumos necessários para a produção, mediante a entrega futura de parte da safra.

Embora muito difundido, e fundamental para a dinâmica econômica do setor, o contrato de barter envolve elevado grau de sofisticação técnica, rigor jurídico e gestão de riscos, impondo às partes a adoção de instrumentos contratuais robustos, capazes de oferecer segurança jurídica e mitigar os riscos financeiros, operacionais e patrimoniais.

Trata-se, portanto, de uma operação complexa, que demanda atuação jurídica especializada, sob pena de exposição a litígios de elevado valor econômico e consequências patrimoniais irreversíveis.

Para quem atua nesse setor, entender bem esse tipo de operação é essencial para evitar riscos e proteger o próprio patrimônio.

O contrato de barter, na essência, configura-se como uma operação de troca mercantil com obrigação futura de entrega.

A sistemática é a seguinte: o fornecedor entrega os insumos antes do plantio e o produtor paga com a colheita, conforme o volume e tipo de grão definidos em contrato.

Na prática, o valor da obrigação costuma ser fixado em sacas, e não em reais, o que pode gerar insegurança jurídica em caso de quebra de safra, variação expressiva no preço das commodities ou entraves logísticos.

A importância da estrutura jurídica para a segurança da operação:

Por se tratar de um contrato atípico, isto é, sem regulamentação específica na lei, a correta caracterização jurídica da operaçãocomo troca mercantil com obrigação futura de entrega é essencial, pois afasta não só discussões sobre sua natureza como contrato de compra e venda a prazo, como, também, a configuração como operação financeira disfarçada.

Nesse sentido, a intenção é minimizar os riscos de incidência de garantias específicas e obrigações fiscais adicionais, além de eventuais questionamentos por parte das autoridades fiscais e regulatórias.

Vale ressaltar que a doutrina especializada e a prática jurídica consolidada reconhecem que, desde que bem estruturado, o contrato de barter mantém sua natureza de contrato de permuta, com execução diferida no tempo.

Diante dos riscos inerentes à atividade agrícola, como aqueles provenientes de eventos climáticos, mercadológicos e operacionais, o contrato de barter exige a formalização de garantias reais robustas, tais como:

I. O penhor agrícola sobre safra futura, devidamente registrado, conferindo direito real ao credor sobre os bens que serão produzidos, nos termos do art. 1.438, do CC, e da lei 4.829/1965, diploma que institucionaliza o crédito rural;

II. A alienação fiduciária de recebíveis agrícolas ou de grãos armazenados, que transfere a propriedade resolúvel dos bens ao credor até a integral quitação da obrigação e

III. A hipoteca sobre bens imóveis rurais, quando aplicável, garantindo o adimplemento mesmo em caso de frustração de safra.

Assim, a ausência, ineficácia ou a formalização deficiente dessas garantias expõe o credor a altíssimo risco de inadimplemento, além de dificultar ou inviabilizar a recuperação dos créditos inadimplidos.

Nesse contexto, é fundamental que o contrato de barter seja redigido com precisão, estabelecendo de forma clara e objetiva a quantidade exata da produção a ser entregue, os critérios de qualidade exigidos, como limites de impurezas, níveis de umidade, certificações específicas e parâmetros comerciais usualmente adotados, bem como o local, os prazos e os procedimentos relacionados à entrega, recepção e conferência da mercadoria.

Não se trata apenas de definir as condições básicas de entrega. É essencial que o contrato preveja cláusulas rigorosas sobre penalidades pecuniárias, como multas moratórias e compensatórias em caso de inadimplemento total ou parcial, além de mecanismos de compensação financeira ou reposição nos casos de perdas, avarias ou divergências qualitativas.

Tais dispositivos são indispensáveis para mitigar riscos de controvérsias entre as partes e garantir maior segurança jurídica na execução das obrigações assumidas.

Vale destacar que a ausência desses parâmetros tem levado a litígios complexos, nos quais as partes divergem quanto ao efetivo cumprimento do contrato, resultando em disputas periciais longas, custosas e marcadas por alto grau de subjetividade.

Dada a própria natureza da atividade agrícola, exposta a variáveis que escapam ao controle das partes, os contratos de barter devem contemplar, ainda, cláusulas específicas de alocação e mitigação de riscos, tais como:

A inexistência de tais cláusulas aumenta significativamente o risco de judicialização da operação, bem como o surgimento de disputas sobre a obrigação de entrega e a responsabilidade por perdas decorrentes de eventos externos.

Essas falhas contratuais, aliadas à ausência de orientação jurídica especializada, têm gerado consequências práticas bastante negativas, como revelam casos concretos e a jurisprudência mais recente.

Em geral, operações de barter mal estruturadas resultam em perdas patrimoniais irreversíveis, decorrentes de inadimplemento, frustração de safra ou litígios malconduzidos e em execuções judiciais ineficazes, por ausência ou fragilidade das garantias reais constituídas.

Além disso, operações dessa natureza mal planejadas têm levado a questionamentos fiscais e regulatórios, com risco de requalificação da operação como financiamento disfarçado, sujeitando as partes a multas, autuações e demais encargos tributários e financeiros. Tem, igualmente, ocasionado impacto reputacional severo, especialmente em transações com o mercado internacional, no qual compradores, financiadores e investidores exigem contratos juridicamente sólidos e equilibrados.

Conclusão:

O contrato de barter é, sem qualquer dúvida, uma das ferramentas mais relevantes e sofisticadas do agronegócio brasileiro.

Diante da elevada complexidade jurídica, operacional e econômica que envolve os contratos de barter, como se viu, sua estruturação exige atenção meticulosa, com cláusulas claras, garantias reais bem constituídas e uma gestão jurídica estrategicamente preventiva.

Ignorar esses cuidados equivale, na prática, a assumir riscos jurídicos, patrimoniais e financeiros de proporções imprevisíveis.

No cenário atual do agronegócio, a atuação jurídica especializada na modelagem, revisão e acompanhamento desses contratos não é mais um diferencial, mas sim uma necessidade. Representa um verdadeiro pilar para o sucesso das operações, a proteção do patrimônio e a sustentabilidade de longo prazo das relações comerciais no campo.

Cláudia Klocke Ghini Jorge Okumura
Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade Damásio de Jesus.

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