Direitos individuais diante de omissões administrativas em concursos públicos
Com a entrada em vigor da lei 15.142/25, que ampliou o percentual de reserva de vagas para negros, indígenas e quilombolas de 20% para 30% nos concursos públicos federais, surgiram dúvidas quanto à sua efetividade. Muitos editais foram publicados após a sanção da nova norma, mas ainda seguem aplicando o percentual anterior. Outros, em andamento, sequer mencionam o novo texto legal. Diante desse cenário, cabe a pergunta: o candidato pode recorrer ao Judiciário para exigir a aplicação da nova lei?
A resposta é: sim, desde que observados certos requisitos jurídicos e fáticos. Este artigo apresenta os fundamentos e as hipóteses em que o pedido judicial é legítimo e eficaz.
Aplicação obrigatória aos editais publicados após 3/6/25
A regra geral é clara: concursos públicos publicados após a entrada em vigor da lei 15.142/25 devem obrigatoriamente observar a nova cota de 30%. A omissão dessa previsão constitui ilegalidade manifesta, podendo ser objeto de impugnação administrativa ou, em caso de negativa, ação judicial com pedido liminar.
Nesse caso, o candidato interessado ou o Ministério Público pode pleitear a retificação do edital, sob pena de violação ao princípio da legalidade (art. 37, caput, CF) e ao dever constitucional de promoção da igualdade (art. 3º, IV, CF).
E se o edital for anterior, mas o concurso ainda está em curso?
Para concursos já em andamento, publicados antes da nova lei, mas ainda sem provas realizadas ou com etapas preliminares em curso, há espaço para discussão judicial, especialmente se a ausência da nova cota gerar prejuízo concreto e imediato ao candidato.
Nesses casos, o Judiciário deve ponderar:
- Se a fase do concurso permite readequação sem comprometer a segurança jurídica;
- Se há omissão administrativa diante de clara previsão legal vigente;
- Se a não aplicação da lei viola direitos fundamentais do candidato.
Ação judicial: fundamentos e pedidos
Caso o candidato opte por buscar o Judiciário, os principais fundamentos jurídicos são:
- Violação ao princípio da legalidade (CF, art. 5º, II e art. 37);
- Inobservância do direito à igualdade material e à ação afirmativa (CF, art. 3º, I e IV);
- Inércia administrativa em face de norma cogente.
Os pedidos cabíveis incluem:
- Concessão de liminar para adequação imediata do edital;
- Inclusão do candidato em lista suplementar de cotistas, mesmo que de forma provisória;
- Suspensão de etapas do concurso até decisão definitiva.
Precedentes e tendências do Judiciário
Embora ainda não haja jurisprudência consolidada sobre a lei 15.142/25, os tribunais têm admitido o controle judicial sobre editais de concurso em matéria de cotas raciais, sobretudo quando há afronta a normas legais ou constitucionais.
Tribunais regionais federais e estaduais já decidiram, em outras ocasiões, que a ausência de previsão de cotas em concursos públicos viola o princípio da legalidade, permitindo a correção judicial da omissão.
Conclusão: o Judiciário é uma via legítima de defesa do direito à inclusão
O candidato que se sentir lesado pela não aplicação da nova lei 15.142/25 deve, inicialmente, buscar a via administrativa. Porém, persistindo a ilegalidade, pode e deve recorrer ao Poder Judiciário para garantir o respeito às ações afirmativas legalmente previstas.
A nova legislação é um instrumento de justiça social que não pode ser negligenciado por formalismos ou omissões. Cabe à advocacia, às defensorias públicas e ao Ministério Público promover sua plena efetivação, inclusive com medidas judiciais urgentes quando necessário. A lei existe - e o direito à sua aplicação é real.