O reajuste de emolumentos cartorários em Minas Gerais, instituído pela lei estadual 25.125/24 e regulamentado pela portaria 8.366/CGJ/25, foi recebido com grande polêmica desde sua publicação, e as discussões ainda reverberam no mercado imobiliário, também sob a ótica jurídica, mas principalmente quando se trata dos efeitos comerciais do novo cenário. Passando a vigorar em 31 de março de 2025, as alterações das tarifas dos serviços notariais e de registro criaram faixas de sobretaxas que, em determinadas hipóteses, representam acréscimos de até 266%. A alteração representa uma mudança significativa, sobretudo quando se trata de negócios formalizados por escrituras públicas com conteúdo financeiro significante, como compra e venda de imóveis, e algumas outras formas de transferência ou garantia imobiliária recorrentes em negociações imobiliárias.
Embora a Constituição de fato atribua à Corregedoria-Geral de Justiça a prerrogativa constitucional para legislar sobre emolumentos, a amplitude e a celeridade desse aumento motivaram debates aquecidos acerca da razoabilidade das medidas, e dos efeitos práticos sobre o mercado.
Mesmo o argumento do Poder Executivo, de que a recomposição dos valores decorre da já conhecida a inflação, não foi suficiente para acalmar os ânimos. Nesse caso específico, uma das justificativas do Poder Público foi que a inflação acumulada desde a última revisão, ocorrida há mais de dez anos, somada ao incremento dos custos de manutenção das serventias, que vão desde a remuneração dos titulares, despesas de manutenção das serventias e de tecnologia da informação, para constante melhoria dos serviços, amparam o relevante aumento ocorrido.
Todavia, quem recebeu com relutância a nova política defende que a ausência de cronograma de migração escalonado impede a adequação gradual dos usuários e acaba por concentrar em curto espaço de tempo impactos financeiros que podem impactar significativamente negócios imobiliários, sobretudo por alterar, às pressas e de modo relevante, o planejamento econômico de empreendedores e investidores. Como consequência, temem que esses custos adicionais sejam repassados ou ao consumidor final ou aos locatários e usuários de imóveis destinados à renda, seja pelo aumento do valor de venda dos imóveis, seja pela revisão de valores de aluguel.
O mercado imobiliário mineiro, já tensionado por taxa de juros elevados e incertezas macroeconômicas, fica apreensivo por vislumbrar sentir os efeitos do reajuste: a onerosidade excessiva desestimula a formalização de contratos de compra e venda e o registro de garantias reais, como hipotecas e alienações fiduciárias. Isso pode resultar em queda de arrecadação de tributos correlatos (ITBI e ITCMD) e em redução da demanda por financiamentos bancários com lastro imobiliário, afetando diretamente a cadeia de serviços correlatos (escritórios de advocacia, empresas de engenharia, cartórios, imobiliárias, corretoras).
Entidades representativas também reagiram desde o início da publicação das medidas. O Sinduscon-MG - Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais encaminhou pedido de providências ao CNJ, requerendo a suspensão cautelar das novas tabelas sob o argumento de onerosidade excessiva ao consumidor final e aos empreendimentos. A Anoreg-MG - Associação dos Notários e Registradores de Minas Gerais chegou a admitir a necessidade de atualização em razão da depreciação da moeda e do aumento de custos, mas pleiteou que a edição de norma complementar institua faixas de transição e período de adaptação, evitando choque abrupto que poderia representar maiores impactos no mercado, de forma geral.
Ao usuário menos informado, que eventualmente cogitasse a lavratura de escritura em outro estado do Brasil que pratique valores mais acessíveis, para então levar a escritura a registro – esse que necessariamente deve ocorrer no local em que se encontra o imóvel - em Minas Gerais, o novo regulamento reforça o princípio da territorialidade: o cartório mineiro deverá exigir, para fins de registro, o recolhimento da diferença entre o valor pago no estado de origem e o previsto na tabela mineira. Essa medida tem por objetivo impedir a tentativa de planejamento de economia indevida e garantir que o Fundo Estadual de Registro receba integralmente os valores legalmente estipulados.
Passados já alguns meses do início da medida, o que se tem podido perceber é que na prática, desde março essas alterações têm gerado não apenas um aumento significativo nos custos de lavratura e registro de escrituras, mas também insegurança entre os usuários desses serviços e entre os próprios cartórios que, diante das dúvidas geradas pela nova redação da lei, ainda não chegaram a um consenso sobre a forma de calcular os emolumentos adicionais.
Por isso, em termos práticos, para além da discussão tarifária que vem ocorrendo de forma paralela, é recomendável ao usuário e seus assessores, sobretudo jurídicos, acompanhar embargos e representações protocolados junto à Corregedoria-Geral de Justiça, bem como os pareceres da OAB/MG e de comissões de juristas envolvidas e, claro, discutir internamente estratégias para acompanhar as formas de cobrança e garantir que a aplicação das faixas e sobretaxas será realizada sem cobranças indevidas, e eventualmente discutir a nova política de forma individual, conforme for o caso.
Em síntese, a atualização dos emolumentos em Minas Gerais responde à necessidade de recomposição monetária das serventias, mas tampouco pode ignorar o princípio constitucional do acesso à justiça e à segurança jurídica. A norma não pode servir para desencorajar a formalização de atos, contribuindo para a insegurança do mercado imobiliário, e o acompanhamento da aplicação da norma nos meses posteriores à sua publicação é essencial para esse fim. As movimentações de associações e a potencial judicialização indicam que o tema seguirá em debate, até que se encontre o ponto de equilíbrio entre a viabilidade econômico-financeira dos cartórios e a garantia de serviços cartorários universais e acessíveis. A evolução desse cenário dependerá das decisões do CNJ, dos tribunais estaduais e, por fim, das iniciativas legislativas que venham a aprimorar o regime de transição e a participação democrática na definição das tarifas.