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Paguei o sinal, mas desisti da compra do imóvel. E agora?

Desistiu da compra do imóvel após pagar o sinal? Entenda a diferença entre arras confirmatórias e penitenciais e saiba como reaver seu dinheiro.

4/8/2025

Imagine a cena: depois de muita procura, você encontra o imóvel ideal. A negociação avança, o coração se enche de expectativa e, para selar o compromisso, você paga o "sinal". Mas, por um imprevisto, você precisa desistir do negócio. O vendedor, irredutível, se recusa a devolver o valor. O que fazer?

Essa situação, vivida por um cliente que nos procurou recentemente, é mais comum do que se pensa e ilustra um ponto crucial: o "sinal", ou, juridicamente, as "arras".

Pense no "sinal" (ou "arras", em termos jurídicos) como a materialização do "sim, eu quero". É aquele valor inicial que você paga para "travar" o negócio e mostrar que seu interesse é real, transformando a negociação em um compromisso firme entre as partes. Contudo, o que define se você pode ou não reaver esse dinheiro em caso de desistência é o tipo de arras previsto em contrato. Existem dois tipos:

Arras confirmatórias: São a regra geral. Quando o contrato não especifica o tipo de arras, presume-se que sejam confirmatórias. Elas servem como uma garantia. Se o comprador desiste, perde o valor do sinal para o vendedor. Se o vendedor desiste, ele deve devolver o sinal em dobro ao comprador (Art. 418 do CC.)

Arras penitenciais: Estas devem estar expressas no contrato. Elas funcionam como uma "multa" pré-acordada pelo direito de arrependimento. Quem desiste do negócio, seja comprador ou vendedor, paga o valor das arras como penalidade, e não há direito a indenização extra.

A pergunta que fica é: Então eu sempre perco o sinal se desistir? Não necessariamente.

A resposta depende do seu contrato. Em muitos acordos entre particulares, a desistência do comprador pode, sim, levar à perda total do valor pago como sinal. Contudo, a situação não é tão simples e a retenção total nem sempre é legal.

A Justiça tem considerado abusiva a retenção de valores muito elevados, mesmo que previstos em contrato. Além disso, se a sua desistência for motivada por uma falha do vendedor (por exemplo, um vício oculto no imóvel ou a falta de um documento essencial), a culpa pelo fim do negócio é dele, e você tem o direito de receber o sinal de volta, corrigido.

Diante de tudo isso, o maior risco é quando o vendedor simplesmente se recusa a devolver o valor, mesmo quando você tem o direito. Nesses casos, o comprador se vê obrigado a entrar com uma ação de cobrança que pode levar anos.

É por isso que a atuação de um advogado especialista é tão importante na elaboração do contrato e na assessoria da negociação entre as partes.

Mas, receber um "não" do vendedor ainda não é o fim da linha. Um profissional qualificado seguirá uma estratégia clara e profissional, que normalmente envolve três passos:

  1. Notificação extrajudicial: O primeiro passo é formalizar a situação. Uma notificação bem redigida, explicando as bases legais do seu direito e estipulando um prazo para a devolução, demonstra profissionalismo e muitas vezes resolve o impasse sem a necessidade de um processo.
  2. Negociação e acordo: Caso a notificação não surta efeito, a próxima etapa é buscar um acordo para a devolução (parcial ou total), que será documentado em um termo de quitação para dar segurança a ambas as partes.
  3. Ação judicial: Se a via amigável falhar, o caminho é a ação judicial para reaver o valor pago indevidamente, onde se pode até mesmo solicitar uma tutela de urgência para acelerar o processo.

E como evitar um problema como esse? A melhor forma de resolver um problema é não entrar nele. Antes de pagar qualquer valor como sinal, proteja-se com estas ações preventivas:

  1. Se você depende de financiamento bancário, exija que o contrato inclua uma cláusula clara afirmando que o sinal será devolvido integralmente caso o crédito não seja aprovado.
  2. Nunca pague um sinal com base apenas em um recibo simples ou acordo verbal. Exija um contrato de promessa de compra e venda que detalhe todas as condições, incluindo as regras para o sinal.
  3. Garanta uma análise jurídica prévia, isso pode revelar problemas (dívidas, pendências judiciais) que justificariam a desistência e garantiriam a devolução do seu dinheiro.

Conclusão: A compra de um imóvel é um passo sério e envolve um patrimônio que, muitas vezes, levou anos para ser construído. Confiar na sorte ou em acordos verbais é um risco desnecessário

Se você está diante de uma situação de desistência, não presuma que seu dinheiro está perdido. Busque orientação jurídica especializada para analisar seu contrato, entender seus direitos e garantir que eles sejam respeitados.

Caroline Lopes Rodrigues
Advogada especialista em Direito Imobiliário. Assessoria jurídica para condomínios e elaboração de contratos imobiliários com foco em segurança jurídica. Sócia em Lopes, Martins & Escanhoela.

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