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A antissocialidade no condomínio edilício

Artigo associa taxonomia do comportamento ao Direito Condominial, propondo soluções jurídicas e administrativas para condôminos antissociais em prol da convivência coletiva.

5/8/2025

A taxonomia do comportamento e a antissocialidade no condomínio edilício: Uma leitura jurídico-comportamental da vida em coletividade

1. Introdução

A vida em condomínio exige uma dinâmica de relações sociais constante e regrada, na qual a autonomia da propriedade individual encontra limites na coletividade. O conflito entre o exercício do direito de propriedade e o dever de respeitar o convívio social é uma realidade crescente nas cidades brasileiras, onde a moradia vertical se impõe como solução urbanística.

Nesse contexto, emerge a figura do condômino antissocial: aquele que, por comportamento reiterado e nocivo, compromete a paz, a segurança e a salubridade do ambiente coletivo. Este artigo parte da hipótese de que a taxonomia do comportamento - como sistema de classificação das condutas humanas - é uma ferramenta poderosa para compreender, diagnosticar e propor soluções para tais situações.

2. A vida em condomínio e os limites da propriedade

O condomínio edilício é um interruptor de culturas e hábitos. Sendo o condomínio um lugar que agrega as mais variadas culturas, ele tem o poder de fazer cessar todas as formas de comportamento, para que todos, sem exceção, se adapte as suas regras previamente estabelecidas.

Isso implica dizer, que aquele que tem por hábito conversar alto em horários nada convencionais, em razão de sua tradição familiar, ao decidir morar no condomínio edilício sua cultura é interrompida, respeitando uma norma que não acompanhará sua cultura.

Da mesma forma aquele, que está acostumado tocar sua guitarra com sua caixa de som, ao aceitar morar em condomínio, tal prática cessa, pois, as regras condominiais, exigirão que tal barulho não afete a coletividade, pouco importando, se há anos ele toca dentro de seu espaço privativo. Ou, aquele que gosta de acumular coisas, porque amar ter tudo como recordação.

O art. 1.336, inciso IV, do CC, estabelece como dever do condômino não utilizar sua unidade de forma prejudicial à segurança, à salubridade e ao sossego dos demais. Trata-se da materialização da função social da propriedade, prevista também no art. 5º, inciso XXIII, da CF/88.

A convivência condominial exige condutas cooperativas, que se alinhem às normas internas e ao bem comum. Nesse cenário, o comportamento antissocial é uma afronta não apenas à lei, mas à ordem institucional e psicológica da coletividade.

3. A taxonomia do comportamento: Conceito e aplicações

Taxonomia vem do grego, taxis, "ordem" e nomia, “método”, ou seja, metodologia da ordem, no campo condominial, pode ser aplicado, pois, os métodos que estabelecem essa ordem é a convenção, regimento interno e as decisões assembleares, nunca desconsiderando o texto da lei.

Kurt Lewin, foi um grande psicólogo e pesquisador sobre o tema, quando se debruçou em estudar as inúmeras ações dos indivíduos as estruturando nos ambientes coletivos1.

Tendo a metodologia da ordem estabelecida - através da convenção, regimento interno e decisões assembleares-, todos que assim decidirem compor o condomínio edilício, deverão se submeter a metodologia pré-estabelecida, pois, esses três compêndios de regras, se revestem de uma relação contratual, que podemos considerar como contrato plurilaterais.

No contexto condominial, isso significa diferenciar o condômino que, eventualmente, comete um deslize, daquela cuja conduta reiterada compromete o bem-estar coletivo e mesmo sendo punido administrativamente, insiste em violar aquela metodologia de ordem, pré-estabelecida para aquela coletividade.

4. A tipologia comportamental nas relações condominiais

A convivência em condomínio apresenta uma gama de comportamentos observáveis. A classificação funcional pode ser organizada em:

Essa categorização auxilia na formação de juízo sobre a necessidade de aplicação de penalidades.

5. Respostas jurídicas e administrativas à antissocialidade

O síndico é um órgão do condomínio, por meio do qual este age, com características assemelhadas ao do mandato. As ações do condomínio se realizam por meio do síndico, que é seu órgão executivo.

Paulo Lôbo leciona sobre o tema:

“Mas o síndico é órgão do condomínio e órgão não representa e sim 'presenta'. A entidade se exterioriza pela atuação do órgão, segundo o modelo dos órgãos da pessoa física: o cérebro ou a mão, por exemplo, integram-na 2.”

O art. 1.337 do CC autoriza a imposição de multa de até 10 vezes o valor da cota condominial ao condômino antissocial, podendo haver ação judicial para restrição do uso da unidade.

O TJ/SP, no julgamento da apelação cível 1002457-23.2016.8.26.0100, reconheceu a gravidade da conduta, em razão de reiteradamente colocar em risco os vizinhos, autorizando a restrição judicial de seu acesso às áreas comuns e à própria unidade, diante da conduta agressiva e contumaz, restando assim ementado:

Condomínio edilício. Ação de exclusão de condôminos. Sentença de procedência, mantendo a propriedade dos réus, mas retirando-lhes o direito de usar a coisa. Apelação dos réus. Penalidades do art. 1.337 do CC que não foram suficientes para cessar a conduta ilícita dos condôminos. Prova testemunhal que confirma o comportamento antissocial e agressivo dos réus, de caráter grave e reiterado, que prejudica a convivência em condomínio. Situação que justifica a perda do direito do uso pessoal dos réus da unidade. Recurso não provido. 3

Medidas como advertências, multas, foram insuficientes para conter os condôminos, considerados antissociais. O relator ponderou em sua decisão: E se as multas não são suficientes para frear o mau comportamento dos réus e eles continuam prejudicando a convivência saudável do condomínio, tem-se como solução adequada a restrição do uso da propriedade pelos réus.

Nesse sentido, aliás, é o que nos ensina Francisco Eduardo Loureiro: “Não diz a lei se as sanções pecuniárias do art. 1.337 esgotam as providências para fazer cessar a conduta ilícita do condômino. Parece claro que, a par da multa, podem ajuizar o condomínio, os condôminos ou mesmo possuidores prejudicados tanto ação indenizatória como de obrigação de fazer e não fazer, inclusive com pedido cominatório ou de tutela específica, na forma do art. 461 do Código de Processo Civil. Entre as medidas assecuratórias do resultado prático equivalente ao adimplemento, que preferem as perdas e danos, estão a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e impedimento de atividades nocivas, se necessário com requisição de força policial. Cabe, assim, medida para retirar o condômino nocivo do edifício, para apreender objetos perigosos, que causem ruídos, ameacem a saúde ou o sossego dos demais condôminos ou a interdição de determinadas atividades ilícitas. Tais medidas certamente farão cessar o ilícito, na maioria dos casos. Note-se que em tais casos perde o condômino o direito de usar a unidade, permanecendo, todavia, com a posse indireta e a prerrogativa Comentado de fruição, entregando-a à exploração lícita de terceiros.4

Nesse sentido, também, foi o entendimento sobre o tema no enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil, tendo como autor o ministro Marco Aurélio Bezerra de Melo. Enunciado 508: “Verificando-se que a sanção pecuniária se mostrou ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (Arts. 5º, XXIII, da CF/88 e 1.228, §1º do CC/02) e a vedação ao abuso do direito (Arts. 187, e 1.228, §2º, ambos do CC/02) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do artigo 1.337 do CC delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal”. Justificativa: A sanção de exclusão do condômino anti-social, conquanto seja extremamente severa, por vezes, é o único mecanismo para o restabelecimento da paz social e a convivência harmônica entre os condôminos. A tentativa de sancionar apenas patrimonialmente o condômino anti-social pode não ser o suficiente, pois se após as árduas providências tomadas pelo condomínio, o condômino associal resolver pagar o equivalente a dez vezes o valor da cota condominial e continuar criando “insuportabilidade de convivência”, deverá sofrer uma sanção mais enérgica que vem a ser a própria interdição do imóvel para o condômino recalcitrante. Situações envolvendo prostituição, drogas, festas rave, dentre outras, não devem ser toleradas pela comunidade cumpridora de seus deveres. A parte final do parágrafo único do art. 1337 do Código Civil diz que a sanção patrimonial será aplicada “até ulterior deliberação da assembleia” que poderá deliberar pelo ajuizamento de ação judicial para excluir o condômino anti-social. Importa assinalar que tal medida é admitida no direito suíço, alemão, italiano, espanhol e argentino. Não se vulnera o direito de propriedade, na medida em que o condômino anti-social após a determinação judicial liminar ou definitiva, poderá exercer outros poderes dominiais como a própria alienação. O referido enunciado amolda-se ao atual estágio do direito civil em que se prestigia a funcionalidade dos institutos (art. 5º, XXIII, CC e 1228, § 1º, CC) e o repúdio ao abuso do direito (art. 187 e 1228, § 2º, CC).5

Quando o condômino age reiteradamente, e mesmo com a aplicação das sanções administrativas - multa e advertência -, necessário convocação da massa condominial, para comparecer em assembleia e deliberar por aplicar penalidade mais severa (10 vezes o valor da cota condominial) e autorização para propor ação judicial para sua exclusão.

Alguns até consideram que o condômino antissocial, é apenas o agressivo, mal-educado, barulhento, quando na verdade, tudo o que coloca em risco a saúde, segurança e salubridade do ambiente condominial, como é caso dos acumuladores. Lembrando que o condomínio é um interruptor de cultura e hábitos num todo.

O TJ/SP, na apelação 0003122-32.2010.8.26.0079, reconheceu a condição antissocial de uma condômina acumuladora, veja:

CONDOMÍNIO. CONDÔMINO ANTISSOCIAL. EXCLUSÃO POSSIBILIDADE. Requerida mantém grande acúmulo de sujeira em prédio de apartamentos. Risco de incêndio. SENTENÇA DE EXTINÇÃO, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Sanções pecuniárias do art. 1.337 do Código Civil não esgotam as providências para fazer cessar a conduta ilícita do condômino. Requerida utiliza da propriedade de maneira nociva aos demais condôminos. Possibilidade de imposição de obrigação de não utilizar o imóvel. RECURSO DO AUTOR PROVIDO, para julgar procedente a ação, vedando a Requerida de fazer uso direto do imóvel, com a desocupação em 60 dias (imóvel limpo e higienizado), sob pena de execução, arcando a Requerida com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios dos patronos do Autor (fixados em R$ 7.000,00), além da multa de 1% do valor da causa (a que foi atribuído o valor de R$ 10.000,00) e de indenização de 20% do valor da causa, em decorrência da litigância de má-fé.6.

Considerações finais

A leitura jurídico-comportamental da convivência condominial revela que a análise funcional dos comportamentos é essencial para uma gestão justa e eficaz. Sendo o condomínio um interruptor de cultura e de hábitos, suas regras se sobrepõem a todos esses históricos pessoais e familiares, a partir do momento que se decide viver no coletivo condominial. O condômino antissocial deve ser compreendido como um desvio classificável, não apenas como um problema jurídico, mas como uma disfunção no convívio humano.

A aplicação da taxonomia do comportamento pode fornecer aos síndicos, gestores e operadores do Direito, instrumentos mais técnicos e objetivos para manter a paz condominial.

_________________

1 Lewin, Kurt (1936). Princípios da Psicologia Topológica. Nova York: McGraw-Hill.

2 Direito Civil: Coisas, vol. 4, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, pág. 260

3 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1002457-23.2016.8.26.0100, 35ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Morais Pucci. Julgado em 30 de agosto de 2021. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em: 01 ago. 2025.

4 Código Civil Doutrina e Jurisprudência”, Coordenador Min. Cezar Peluso, Editora Manole, 2007, pg. 1.204

5 V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. - Brasília : CJF, 2012.

6 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 0003122-32.2010.8.26.0079, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Flavio Abramovici. Julgado em 27 de agosto de 2013. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br. Acesso em: 01 ago. 2025.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 01 ago. 2025.

Wagner Gomes da Costa
Sócio da Gomes da Costa Advogados. Doutorando e Mestre pela FADISP. MBA Gestão e Direito Condominial -FSA. Prof. convidado da ESA/SP e Cursos de Síndicos Profissionais. Palestrante. @wagnercostaadv

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