Uma nova formação da Comissão Nacional das Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB ocorreu recentemente, triênio 2025/2028, sob a presidência do advogado Carlos Augusto Monteiro Nascimento, retomando-se o debate sobre a Uniformização de Procedimentos das Sociedades de Advogados, com o objetivo de propor um novo Provimento à diretoria da OAB. Os integrantes também trataram da criação de um Perfil Nacional das Sociedades, para subsidiar políticas da entidade, além de planejados eventos e um seminário sobre a lei 14.365/22. Está previsto, ainda, um encontro nacional com as comissões seccionais e a participação da CNSA na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, em Salvador/BA, em 2026.1
A advocacia brasileira encontra-se em um período de profunda transformação, impulsionada por mudanças demográficas, avanços tecnológicos e a constante evolução das demandas sociais e econômicas. Compreender esse cenário dinâmico é fundamental para advogados, sociedades de advogados e, sobretudo, para a OAB, que desempenha um papel central na regulamentação, fiscalização e apoio à profissão. Este artigo sintetiza as principais conclusões e insights derivados de análises recentes, incluindo o "Primeiro Perfil Nacional das Espécies de Sociedades de Advogados - Conselho Federal OAB - 2021"2, o "1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira!" (2024)3 e delineando um panorama abrangente dos desafios e oportunidades, bem como as implicações para o setor jurídico nacional.
O cenário atual da advocacia brasileira
A análise dos Estudo Demográficos e de Perfil das Sociedades revela um ecossistema jurídico em constante expansão e diversificação.
Tendências demográficas da advocacia
O panorama da advocacia brasileira destaca características marcantes da população de advogados:
Crescimento acelerado: O número de advogados inscritos na OAB tem crescido exponencialmente, ultrapassando a marca de 1,3 milhão de profissionais em todo o país. Esse crescimento, que tem sido constante nas últimas décadas, resulta em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigindo maior diferenciação profissional.
Feminização da profissão: Observa-se uma participação feminina crescente e significativa na advocacia. Dados recentes indicam que as mulheres já representam mais de 50% dos novos inscritos em diversas seccionais e se aproximam da paridade no quadro geral, com uma presença marcante em todas as faixas etárias. Essa mudança demográfica impõe a necessidade de políticas de equidade e inclusão.
Base jovem: Uma parcela substancial dos advogados é composta por profissionais em início de carreira. Estimativas apontaram que cerca de 30% a 40% dos advogados ativos possuem menos de 5 anos de inscrição na OAB, o que, por um lado, indica um grande potencial para inovação e adaptação, e por outro, levanta desafios relacionados à inserção no mercado e à aquisição de experiência.
Distribuição geográfica: A concentração de advogados ainda é maior nos grandes centros urbanos e capitais. Por exemplo, estados como São Paulo e Rio de Janeiro concentram uma parcela significativa do total de profissionais, embora a profissão demonstre capilaridade em municípios de menor porte, refletindo a necessidade de serviços jurídicos em diversas regiões.
Perfil e dinâmica das sociedades de advogados
O perfil das sociedades de advogados complementa essa visão, focando nas estruturas organizacionais:
Ascensão da SUA - Sociedade Unipessoal de Advocacia: A criação da Sociedade Unipessoal de Advocacia representou um divisor de águas. Após sua regulamentação, as “SUAs” rapidamente se tornaram o tipo societário mais comum para novas constituições, representando mais de 60% das novas sociedades registradas em alguns períodos. Esse modelo permite que advogados atuem de forma individualizada, mas com os benefícios da personificação jurídica, refletindo a busca por autonomia e a desburocratização para o advogado solo.
Predominância de pequeno porte: A vasta maioria das sociedades de advogados no Brasil, sejam elas unipessoais ou pluripessoais, é de pequeno porte em termos de número de sócios e colaboradores. Cerca de 80% a 90% das sociedades possuem até
5 advogados, incluindo os sócios. Isso indica um mercado pulverizado, com muitas micro e pequenas sociedades de advogados.
Desafios de gestão: Muitas sociedades, especialmente as menores, ainda enfrentam dificuldades na profissionalização da gestão, priorizando a atividade-fim em detrimento da administração do negócio. Áreas como gestão financeira, de pessoas e de marketing são frequentemente negligenciadas, com menos de 30% das bancas investindo consistentemente em ferramentas de gestão profissional.
Especialização crescente: Há uma tendência clara de especialização das sociedades em nichos específicos do direito, buscando diferenciação e maior competitividade. Embora não haja um percentual exato de sociedades especializadas, a demanda por expertise em áreas como Direito Digital, Ambiental e Compliance tem impulsionado essa segmentação.
A necessidade de um marco regulatório atualizado: A complexidade e a diversidade das formas de atuação exigem que a OAB mantenha um arcabouço regulatório que reflita a realidade atual da advocacia. É fundamental que as normas que regem a constituição, o registro e o funcionamento das sociedades de advogados e das sociedades unipessoais de advocacia, bem como a figura do advogado associado, sejam claras, uniformes nas 27 seccionais da OAB e modernizadas. Isso inclui a necessidade de um novo Provimento do Conselho Federal da OAB, consolidando os provimentos que tratam sobre o assunto, para definir com precisão a natureza sui generis dessas sociedades, a exclusividade de seu objeto social, a responsabilidade subsidiária e ilimitada dos sócios ou titulares, e as regras para sua denominação social, garantindo que não adotem características mercantis, nem expressão fantasia. Da mesma forma, a regulamentação do advogado associado, conforme arts. 17-A e 17-B da lei 8.906, assegura sua autonomia profissional, sem vínculo empregatício ou societário, estabelece diretrizes claras para a partilha de resultados e a prevenção de conflitos de interesse.
Desafios e oportunidades para a advocacia
O cenário atual apresenta um conjunto de desafios e, simultaneamente, um leque de oportunidades para os profissionais e sociedades de advogados.
Desafios
Saturação do mercado: O grande número de profissionais intensifica a concorrência, exigindo constante aprimoramento e diferenciação.
Adaptação tecnológica: A incorporação de LegalTechs, Inteligência Artificial e automação é um imperativo, mas representa um desafio para muitas bancas, especialmente as menores, devido a recursos limitados e a falta de conhecimento.
Gestão empresarial: A carência de habilidades de gestão entre os advogados pode comprometer a sustentabilidade e o crescimento das sociedades.
Instabilidade econômica: Muitos advogados, em particular os mais jovens e autônomos, enfrentam instabilidade financeira, demandando diversificação de fontes de renda e modelos de negócio mais resilientes.
Manutenção da qualidade e ética: O crescimento acelerado impõe o desafio de manter a excelência dos serviços e a observância rigorosa dos preceitos éticos.
Oportunidades
Novas áreas do Direito: O surgimento de legislações como a LGPD, o Direito Digital e a crescente demanda por Compliance criam novas e promissoras áreas de atuação.
Inovação e tecnologia: A adoção estratégica de ferramentas tecnológicas pode gerar ganhos significativos de produtividade, otimizar a prestação de serviços e possibilitar novos modelos de negócio, como consultorias online e serviços jurídicos por assinatura.
Nicho de mercado: A especialização em áreas menos exploradas ou a oferta de serviços para setores específicos da economia podem ser estratégias eficazes para se destacar.
Advocacia colaborativa: O modelo de advogado associado e a colaboração entre sociedades permitem o compartilhamento de recursos e expertises, promovendo sinergias sem a necessidade de grandes estruturas.
Educação continuada: A necessidade de constante atualização e especialização abre um vasto campo para cursos, pós-graduações e treinamentos focados nas novas demandas do mercado.
O papel estratégico da OAB: Apoio e fiscalização
Diante desse cenário complexo, a OAB emerge como um ator central, com um duplo papel: apoiar o desenvolvimento da advocacia e garantir a integridade da profissão por meio de uma fiscalização eficaz.
Apoio à gestão de pequenas sociedades
A OAB e a ESA podem atuar como um catalisador para a profissionalização da gestão das pequenas sociedades, que são a maioria no Brasil:
Capacitação em gestão: Oferecer cursos, workshops e webinars práticos sobre gestão financeira, marketing jurídico ético, gestão de pessoas, processos e projetos, por meio da ESA - Escola Superior de Advocacia e comissões temáticas.
Ferramentas e modelos: Disponibilizar modelos de contratos, incluindo aqueles para a associação de advogados, bem como guias práticos, planilhas de controle financeiro e checklists de compliance. É crucial que a OAB mantenha à disposição dos advogados minutas padronizadas de Contrato Social e Ato Constitutivo, servindo como orientação para a elaboração de documentos em conformidade com a legislação vigente.
Fomento ao networking e mentoria: Criar programas de mentoria e grupos de estudo que conectem advogados experientes com gestores de pequenas sociedades, facilitando a troca de conhecimentos e experiências.
Desburocratização e orientação: É imperativo que a OAB continue simplificando os processos de registro e averbação, tornando-os mais ágeis e transparentes. Isso inclui a plena aceitação de documentos digitais e assinaturas eletrônicas, e a promoção da digitalização dos processos de registro e averbação pelas seccionais, buscando a integração entre os sistemas de cadastro da OAB e outros sistemas relevantes. As Comissões de Sociedades de Advogados devem ter competência para registros e averbações, exercendo funções cartorárias, o que agiliza e centraliza os procedimentos.
Incentivo à inovação: Promover a conscientização sobre o uso de LegalTechs e, se possível, estabelecer parcerias com startups para oferecer soluções acessíveis às pequenas sociedades.
Aprimoramento da fiscalização das sociedades
A fiscalização pela OAB é essencial para manter a ética e a conformidade. Para aprimorá- la, a OAB pode:
Proatividade e uso inteligente de dados:
Centralização e integração de bases de dados: Desenvolver um sistema robusto que centralize informações das sociedades, permitindo uma visão em tempo real e a identificação de irregularidades. A digitalização dos processos e a integração de sistemas são cruciais para que a OAB tenha o perfil das sociedades com dados que possam subsidiar ações prioritárias.
Análise preditiva: Utilizar análise de dados para identificar padrões de comportamento que possam indicar não conformidade, direcionando a fiscalização de forma mais eficiente.
Fortalecimento dos mecanismos disciplinares:
Capacitação especializada: Oferecer treinamento contínuo para fiscais e conselheiros sobre as particularidades das sociedades, incluindo a correta interpretação das normas sobre objeto social, responsabilidade e a natureza da associação de advogados.
Canais de denúncia acessíveis: Manter e aprimorar canais de denúncia seguros e confidenciais.
Agilidade processual: Otimizar os fluxos dos processos disciplinares para maior celeridade, sem comprometer o devido processo legal.
Transparência e orientação preventiva:
Publicidade transparente: Disponibilizar informações básicas sobre as sociedades registradas em um portal público, aumentando a confiança e servindo como controle social.
Orientações claras e didáticas: Produzir e disseminar materiais que expliquem as regras de constituição e funcionamento das sociedades, incluindo as vedações a características mercantis e a importância da exclusividade do objeto social, prevenindo irregularidades por falta de conhecimento.
Campanhas de conscientização: Realizar campanhas para reforçar a cultura de ética e responsabilidade na advocacia.
Colaboração interinstitucional: Estabelecer canais de comunicação e troca de informações com outros órgãos reguladores (ex: Receita Federal), e promover o intercâmbio de melhores práticas entre as Seccionais.
Investimento em recursos: Alocar orçamento e pessoal qualificado para as atividades de fiscalização, garantindo a infraestrutura necessária.
Conclusão
A advocacia brasileira está em um ponto de inflexão, caracterizada por um crescimento robusto, uma demografia em mutação e a ascensão de uma forma recente de constituição, a Sociedade Unipessoal de Advocacia. Os desafios da saturação do mercado, da adaptação tecnológica e da profissionalização da gestão são inegáveis, mas as oportunidades de inovação, especialização e colaboração são igualmente vastas.
Nesse contexto, a OAB desempenha um papel insubstituível. Ao modernizar seus procedimentos de registro e averbação, ao estabelecer diretrizes claras para a
constituição e funcionamento das sociedades e para a figura do advogado associado, e ao investir proativamente no apoio à gestão das pequenas sociedades e no aprimoramento de sua fiscalização, a Ordem não apenas garante a conformidade e a ética, mas também impulsiona a sustentabilidade e a excelência da Advocacia nacional. O futuro da profissão dependerá da capacidade de advogados e sociedades de advogados se adaptarem, inovarem e buscarem o apoio necessário, em um esforço conjunto com uma OAB cada vez mais estratégica e atuante, que compreenda e responda às necessidades de uma Advocacia em constante evolução.
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1 https://www.oab.org.br/noticia/63208/confira-o-trabalho-das-comissoes-tematicas-da-oab-nacional-durante-a-semana
2 https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/11/2C62754140343C_PerfilNacional.pdf
3 https://www.oab.org.br/noticia/62188/perfil-adv-conheca-o-resultado-do-primeiro-estudo-demografico-da-advocacia-brasileira