1. Introdução
O Brasil assistiu perplexo ao relato de Larissa Manoela, atriz consagrada desde a infância, que revelou publicamente a perda de controle sobre o próprio patrimônio em razão da administração exercida por seus pais enquanto era menor. O episódio gerou ampla repercussão após a exibição em cadeia nacional no Dia dos Pais. A situação revela a vulnerabilidade legal de crianças e adolescentes atuantes no setor artístico, que permanecem expostos a riscos patrimoniais mesmo diante de formalidades legais.
2. Capacidade civil e participação societária do menor
O CC permite, desde que assistido ou representado, que o menor participe de sociedades empresárias. O art. 974, §3º, disciplina a formalização de contratos com participação de incapaz. Contudo, não há fiscalização contínua sobre a condução societária após o ingresso do menor. Essa lacuna resultou em cenários como o da atriz, sócia formal desde os 13 anos, sem equilíbrio societário nem garantias mínimas.
3. A dinâmica empresarial e a perda de controle patrimonial
As alterações contratuais registradas na Junta Comercial de São Paulo revelam a progressiva diluição da participação societária de Larissa Manoela. Inicialmente com um terço do capital, sua posição foi reduzida a 2% e, posteriormente, a apenas 1%. Apesar de emancipada, não detinha maioria de votos, o que a impedia de influenciar decisões relevantes. Isso ocorreu mesmo sendo ela a principal geradora de receitas da empresa familiar, conforme podemos observar abaixo:
Figura 1 - Quadro societário reduzindo a participação de Larissa para 2% (R$ 2.000,00).
Figura 2 - Participação inicialmente igualitária entre os três sócios (R$ 33.333,00).
Figura 3 - Nova redução: Larissa passa a deter apenas 1% do capital (R$ 1.000,00).
Figura 4 - Ficha cadastral da empresa na Junta Comercial do Estado de São Paulo, confirmando constituição em 2014.
4. A falta de atuação institucional
Mesmo com tais alterações formalizadas, não há qualquer registro de manifestação do Ministério Público, cuja função é proteger o interesse do incapaz. A omissão institucional demonstra a ausência de políticas públicas ou normativas para coibir estruturas de domínio familiar que possam esconder abusos patrimoniais e simulações societárias.
5. A coação afetiva e a dependência emocional
A dependência emocional e o vínculo afetivo entre menores e seus responsáveis legais torna improvável qualquer contestação, especialmente durante a menoridade. A ausência de ferramentas jurídicas que atuem preventivamente em nome da criança permite a perpetuação de injustiças mesmo em estruturas empresariais formalizadas.
6. O trabalho artístico infantil e a proteção legal específica
Estudos como os de Medeiros e Nascimento (2022) destacam a necessidade de regulação rigorosa sobre o trabalho artístico infantil. A doutrina propõe medidas como depósito compulsório de parte dos rendimentos do menor e autorização judicial individualizada. Tais propostas reforçam a urgência de um marco legal voltado à proteção do artista mirim.
7. Propostas para reforma legislativa
Diante dos fatos apresentados, propõem-se as seguintes medidas normativas:
- Garantia legal de que ao menos 50% das cotas estejam em nome do menor;
- Participação obrigatória do Ministério Público na constituição e alteração de contratos sociais com menor;
- Depósito obrigatório de parte dos lucros em conta restrita, liberável somente após a maioridade;
- Mecanismos de denúncia pública e proteção a terceiros que alertem simulações e abusos;
- Estabelecimento de limite de retirada de lucros por responsáveis, proporcional à atividade exercida.
7.1 Técnicas de compliance poderiam ajudar nessa relação
Tal como ocorre no ambiente escolar, onde programas de compliance têm sido estruturados para prevenir o bullying e o abuso institucional, é possível aplicar os mesmos princípios ao ambiente familiar-empresarial. O menor artista, vulnerável por definição legal, deve ser protegido não apenas pela legislação, mas por estruturas concretas de governança, baseadas nos pilares do compliance: prevenção, detecção e resposta. Essa abordagem é coerente com o entendimento de que o compliance não é apenas um mecanismo empresarial, mas um instrumento de proteção aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana (OLIVEIRA, 2021).
É necessário ainda considerar que a ausência de compliance societário contribui para cenários de simulação contratual, omissão de informações e exclusão do menor de sua condição de sócio real. Mesmo diante da formalização documental, a falta de mecanismos internos de controle, auditoria e transparência resulta em concentração patrimonial indevida e favorece práticas abusivas que ferem o princípio da proteção integral. Estruturas familiares que envolvem crianças como geradoras de receita deveriam seguir os mesmos critérios mínimos exigidos de empresas profissionais quanto à integridade, prestação de contas e mecanismos corretivos (PIMENTA, 2023).
8. Conclusão
O caso de Larissa Manoela é emblemático na exposição das falhas legislativas e institucionais na proteção de crianças e adolescentes artistas. É preciso mais do que indignação pública: é necessário um novo marco legal, que pode ser simbolicamente chamado de 'Lei Maria Joaquina', capaz de garantir transparência, justiça e proteção patrimonial aos menores que trabalham e movimentam cifras elevadas desde a infância.
Dessa forma, propõe-se a criação de um modelo de compliance familiar, voltado para núcleos empresariais que envolvem menores de idade como sócios ou protagonistas financeiros. Esse modelo incluiria regras obrigatórias de prestação de contas, controle externo por curador ou auditor independente e canais de denúncia acessíveis a terceiros. Trata-se de construir, no seio familiar, um sistema de governança ética e preventiva, inspirado nos pilares clássicos do compliance, mas adaptado à lógica da proteção de vulneráveis.
O caso da atriz Larissa Manoela como um marco para refletir sobre a fragilidade institucional na proteção de crianças e adolescentes envolvidos no mercado artístico brasileiro. A gestão do patrimônio da artista por seus responsáveis legais durante a menoridade expõe lacunas significativas nos mecanismos de fiscalização, prestação de contas e controle legal sobre atos envolvendo incapazes, especialmente em ambientes empresariais e de alta visibilidade pública. Neste contexto, o compliance surge como ferramenta essencial para a proteção jurídica e patrimonial de artistas mirins. Programas de compliance são capazes de estabelecer diretrizes claras, controles internos rigorosos e processos de supervisão eficazes que previnem abusos, fraudes e conflitos de interesse, além de assegurar a conformidade com a legislação civil, trabalhista e do Estatuto da Criança e do Adolescente. A adoção dessas práticas permite a construção de um ambiente transparente e seguro, protegendo os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, e promovendo a responsabilidade dos gestores e representantes legais.
A análise do ordenamento jurídico atual reforça a necessidade de medidas estruturantes que fortaleçam a governança e a integridade nas relações envolvendo menores artistas, incluindo a fiscalização institucional mais rigorosa e a prestação de contas clara. O artigo propõe reflexões legislativas e institucionais que visam criar um marco regulatório mais eficaz, capaz de garantir proteção adequada a essa parcela vulnerável da população inserida no mercado cultural e artístico.
Assim, o compliance revela-se imprescindível não apenas para o meio empresarial tradicional, mas também para o segmento artístico infantil, cuja complexidade exige cuidados especiais para preservar a infância, proteger o patrimônio e assegurar o desenvolvimento saudável dos jovens talentos. aqui tem quantos.
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TOLEDO, Fábio. O caso Larissa Manoela, a eterna “Maria Joaquina”: falha na Legislação que protege o incapaz, ou não? Jusbrasil, 4 ago. 2025. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-caso-larissa-manoela-a-eterna-maria-joaquina-falha-na-legislacao-que-protege-o-incapaz-ou-nao/1960716526. Acesso em: 7 ago. 2025.
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: ago. 2025.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: ago. 2025.
MEDEIROS, Maria Clara Macêdo de; NASCIMENTO, Carlos Francisco do. Trabalho infantil artístico: a tutela jurídica trabalhista pátria. Research, Society and Development, v. 11, n. 16, e106111637706, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i16.37706.
OLIVEIRA, Tarcísio de. Compliance como ferramenta de proteção dos direitos fundamentais. Revista Brasileira de Direitos Fundamentais e Justiça, v. 5, n. 1, p. 123-140, 2021.
PIMENTA, Juliana. A criança como sócia: riscos patrimoniais e necessidade de compliance familiar. Revista de Direito das Famílias e Sucessões, v. 29, p. 215-238, 2023.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.350.804/MG. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. DJe 29 ago. 2013.