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A responsabilidade tributária no aumento do IOF

Análise hermenêutica do aumento do IOF para MEI e Simples Nacional, articulando norma, justiça fiscal e pragmática econômica sob a tessitura ética do Direito tributário contemporâneo.

5/9/2025

1 Introdução

Com efeito, na tessitura complexa do ordenamento jurídico-tributário, as alterações nas alíquotas de tributos extrafiscais, como o IOF, revelam-se mais do que simples ajustes de arrecadação: constituem manifestações de política econômica e fiscal que afetam, de modo direto e profundo, a ordem econômica constitucional.

Ao se tratar do aumento do IOF para microempreendedores individuais e optantes do Simples Nacional, cumpre ir além da constatação normativa, ingressando na seara das consequências jurídico-sociais e na ponderação dos princípios estruturantes, entre os quais se destacam a capacidade contributiva, a proporcionalidade e a justiça fiscal.

A hermenêutica aqui adotada não se limita ao cotejo literal de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais; antes, busca articular a compreensão semântica do instituto tributário com o contexto socioeconômico no qual se insere, em diálogo constante com a pragmática que a experiência concreta impõe.

2 Fundamentos normativos e hermenêutica do IOF

2.1 O IOF na Constituição e no CTN

O IOF, previsto no art. 153, V, da Constituição Federal, integra o rol de tributos de competência exclusiva da União.

Seu caráter eminentemente extrafiscal, embora não exclua a função arrecadatória, confere-lhe plasticidade normativa para atender a objetivos de política econômica.

Os arts. 77 a 93 do Código Tributário Nacional disciplinam sua natureza, fato gerador, base de cálculo e limites para a fixação de alíquotas, delegando ao Poder Executivo a competência para ajustá-las dentro dos tetos legais, de modo a permitir rápida resposta a variações conjunturais.

2.2 A interpretação do STF e a força normativa da Constituição

A jurisprudência do STF reconhece a compatibilidade dessa delegação com o princípio da legalidade tributária, desde que preservados os limites constitucionais.

Nas recentes ações de controle concentrado (ADCs 96 e 97; ADIs 7827 e 7839), o STF restabeleceu, em sede cautelar, decreto que majorou o IOF, com ressalva para operações de “risco sacado”.

Essa decisão, conquanto provisória, reafirma o entendimento de que a conformação das alíquotas de IOF pelo Executivo encontra respaldo constitucional, devendo, entretanto, ser temperada pela observância de princípios como a razoabilidade e a proteção à livre iniciativa.

3 Impactos econômicos e justiça fiscal

3.1 Efeitos sobre micro e pequenos empresários

O aumento das alíquotas implica elevação direta no custo do crédito para MEIs e empresas do Simples Nacional, segmentos que, por sua natureza, dependem fortemente de capital de giro e linhas de financiamento acessíveis.

No plano econômico, tal medida pode restringir investimentos, reduzir a competitividade e, paradoxalmente, fomentar a informalidade - resultado que se choca com o desiderato constitucional de promoção da atividade econômica lícita.

3.2 A perspectiva da justiça fiscal

A justiça fiscal, enquanto vertente da justiça distributiva, reclama que o ônus tributário seja distribuído de forma equânime, considerando-se a capacidade contributiva e os impactos sociais da exação.

No caso do IOF, a análise não se esgota na legalidade formal; é imperioso averiguar se a majoração respeita os cânones de proporcionalidade e se atende a um interesse público qualificado, capaz de justificar a oneração adicional de categorias já vulneráveis no contexto econômico.

4 Estratégias jurídicas e econômicas de mitigação

4.1 Planejamento e gestão contratual

A primeira reação estratégica consiste na reavaliação das operações de crédito, com cálculo preciso do custo efetivo total, renegociação de prazos e condições e priorização de linhas subsidiadas, como o Pronampe.

4.2 Alternativas institucionais e judiciais

No campo institucional, entidades representativas (v.g., Fecomercio, Sebrae) têm se posicionado contra o aumento, fomentando o debate legislativo e, eventualmente, patrocinando medidas judiciais.

Na via jurisdicional, discute-se a possibilidade de modulação ou reversão dos efeitos, especialmente para contratos já em curso.

5 Considerações finais

Em síntese, o aumento do IOF para MEIs e empresas do Simples Nacional constitui fenômeno tributário cuja análise deve transpor o positivismo estrito, alcançando as dimensões hermenêuticas, econômicas e ético-políticas.

O desafio hermenêutico reside em equilibrar a liberdade conformadora do Executivo, outorgada pela Constituição, com a salvaguarda de princípios que estruturam o Estado Democrático de Direito e orientam a tributação justa.

A interlocução entre o Direito Tributário e a justiça fiscal, permeada por considerações pragmáticas e pela compreensão semântica dos institutos, revela-se imprescindível para que o IOF, enquanto instrumento de política econômica, cumpra sua função sem descurar da função social da tributação.

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2025.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7827 e 7839; Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 96 e nº 97. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 11 ago. 2025.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

Paulo Vitor Faria da Encarnação
Mestre em Direito Processual. UFES. paulo@santosfaria.com.br. Advogado. OAB/ES 33.819. Santos Faria Sociedade de Advogados.

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