Em um mundo cada vez mais impulsionado por dados e decisões automatizadas, o Brasil começa a despontar como um dos protagonistas na adoção da inteligência artificial. Segundo o AI Index Report 2024, elaborado pela Universidade de Stanford, o Brasil foi o quarto país do mundo que mais cresceu em contratações voltadas à IA entre 2016 e 2023. Um aumento impressionante de 325%.
Mas o que isso significa para o universo jurídico? A resposta não está apenas no futuro: está no presente. Em escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas, a inteligência artificial já começa a remodelar práticas e desafiar estruturas.
O Brasil e a corrida global da IA
O dado da Universidade de Stanford coloca o Brasil à frente de potências econômicas consolidadas. Esse crescimento nas contratações de profissionais de IA, que inclui engenheiros de machine learning, cientistas de dados, analistas de automação, entre outros, é revelador.
Não se trata de uma tendência pontual, mas de um movimento sistêmico. O Brasil, que durante anos teve papel coadjuvante em grandes transformações tecnológicas, agora começa a ocupar posição estratégica em uma das frentes mais relevantes da nova economia.
Setores como o financeiro, a saúde e o jurídico lideram essa revolução, não apenas com contratações, mas também com investimentos, programas de formação e parcerias com startups e universidades.
Além disso, o mesmo AI Index Report 2024 aponta que houve um crescimento nas publicações científicas sobre IA na América Latina, com destaque para o Brasil, o que reforça a ideia de um amadurecimento técnico e acadêmico que acompanha o apetite do mercado.
Advocacia sob pressão: eficiência, dados e novos paradigmas
Se o Brasil está acelerando em direção a um modelo mais tecnológico de operação, o setor jurídico não pode mais se dar ao luxo de operar como uma ilha analógica.
A pressão por eficiência é real e crescente. Após a pandemia, que escancarou os limites dos modelos tradicionais de gestão, escritórios e departamentos jurídicos foram confrontados com a necessidade de entregar mais com menos. Menos tempo, menos equipe, menos burocracia.
Ao mesmo tempo, os clientes se tornaram mais exigentes: esperam transparência, agilidade, previsibilidade e uma experiência digital que acompanhe os padrões de outros setores da economia.
Nesse cenário, a IA surge como ferramenta estratégica. Estamos falando de soluções que já estão automatizando pesquisas jurisprudenciais, controlando prazos, produzindo peças preliminares, otimizando a gestão de documentos e até atuando no atendimento ao cliente por meio de assistentes jurídicos virtuais.
Mas a discussão vai além da substituição de tarefas repetitivas. A IA está reconfigurando o papel do profissional jurídico e exigindo uma nova postura das lideranças.
O impacto na cultura organizacional e nas competências jurídicas
O uso estratégico de inteligência artificial modifica radicalmente as dinâmicas internas dos escritórios, exigindo não apenas investimento em tecnologia, mas também mudanças culturais profundas.
Advogados que cresceram em ambientes hierárquicos e baseados em modelos artesanais de produção de conhecimento jurídico agora precisam trabalhar em colaboração com engenheiros de dados, designers de interface e especialistas em automação.
Isso impacta diretamente:
- A gestão de pessoas: novas habilidades são requeridas. Não basta conhecer o Direito, é preciso compreender minimamente as lógicas de dados e os fluxos digitais;
- O recrutamento e a seleção: os escritórios mais avançados já mapeiam competências híbridas e criam programas de integração voltados à tecnologia;
- A controladoria jurídica: o setor ganha novo protagonismo ao operar como ponte entre o jurídico, o operacional e o tecnológico;
- A cultura organizacional: ocorre uma tendência à horizontalização, ou seja, se torna cada vez mais orientada por dados e menos baseada em cargos fixos.
Em outras palvras: a IA não entra no setor jurídico como uma simples “ferramenta de produtividade”. Ela entra como agente de transformação estrutural.
O risco da negação: quem não muda, some
Se há um aprendizado que os últimos anos nos trouxeram, é que a resistência à mudança não é mais uma opção segura. Em um setor competitivo como o jurídico, a lentidão na adoção de tecnologias pode custar clientes, talentos e reputação.
Os escritórios que ainda veem a IA como “moda passageira” correm o risco de se tornarem irrelevantes em poucos anos.
E não é exagero. Os próprios clientes já começam a questionar modelos ultrapassados de cobrança por hora, ausência de relatórios de performance, dificuldade de acesso às informações processuais em tempo real.
Empresas que contratam serviços jurídicos passaram a valorizar eficiência, transparência, previsibilidade e inovação. A IA está no centro dessa nova demanda.
O que vem pela frente?
O crescimento da IA no Brasil não é um destino garantido, mas uma janela de oportunidade. Para o setor jurídico, trata-se de uma chance única de liderar a inovação, não apenas segui-la.
É preciso coragem para reformar estruturas, ousadia para experimentar novas tecnologias e humildade para reconhecer que o modelo tradicional não dá mais conta dos desafios contemporâneos.
A inteligência artificial não substituirá o advogado. Mas os advogados que souberem usar a IA com estratégia, ética e visão de futuro certamente substituirão os que não souberem.
A boa notícia é que nunca houve tantas ferramentas, dados e conhecimento disponíveis para essa virada. E o Brasil, pela primeira vez em muito tempo, está bem posicionado para ser vanguarda e não retaguarda nesse processo.
O avanço do Brasil no ranking global de contratações em IA não é apenas um dado estatístico, é um alerta estratégico. O setor jurídico, por tradição conservador, está diante de um ponto de inflexão.
A escolha é clara: liderar a transformação ou ser engolido por ela.
E você, que atua na advocacia, já começou a sua transição?