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O fim da neutralidade das plataformas digitais

A omissão, nesse contexto, não é mais interpretada como neutralidade técnica, mas como falha de gestão com consequências jurídicas.

21/8/2025
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A deflagração da Operação Desfortuna, que prendeu diversos influenciadores digitais acusados de promover jogos de azar ilegais, expôs um fenômeno que vai além da atuação de indivíduos isolados.

Ao invés disso, o caso revelou a existência de uma engrenagem criminosa complexa, composta por divulgadores, operadores financeiros e empresas de fachada, estruturada para movimentar somas milionárias de forma dissimulada.

O modelo é simples na superfície: influenciadores, com grande poder de alcance, divulgam plataformas de apostas online apresentadas como oportunidade de lucro fácil, atraindo milhares de pessoas para atividades não regulamentadas pela legislação brasileira, atuando numa zona obscura da internet, mas, por trás do marketing persuasivo, há um fluxo sofisticado de recursos que se ramifica por contas de fachada e, muitas vezes, se projeta para o exterior.

Essa prática, que até pouco tempo se apoiava na sensação de impunidade digital, agora se depara com um novo obstáculo: a recente decisão do STF que alterou profundamente o regime jurídico de responsabilidade das plataformas digitais.

Isso porque a Suprema Corte Brasileira firmou entendimento de que empresas digitais, como redes sociais, sites e aplicativos, podem ser responsabilizadas solidariamente por conteúdos ilícitos publicados por terceiros, mesmo sem ordem judicial, desde que tenham sido notificadas extrajudicialmente e não tenham tomado providências para a remoção.

Mais que isso: quando se tratar de conteúdos impulsionados por publicidade paga ou distribuídos por redes automatizadas - como ocorre com jogos semelhantes ao “Tigrinho” - a responsabilidade pode ser presumida, invertendo-se o ônus de provar que a plataforma agiu de forma diligente.

Desse modo, a mudança é significativa, pois aproxima as plataformas da figura criminal do agente garantidor - ou garante -, impondo-lhes um dever ativo de vigilância e de prevenção de ilícitos.

No campo criminal, essa posição as expõe a questionamentos sobre responsabilidade omissiva - ou seja, não apenas pelo ato de permitir a circulação do conteúdo, mas por deixar de agir quando tinham o dever e a capacidade de impedir a propagação de condutas criminosas e, desse modo, mitigar os danos decorrentes da prática ilícita.

A omissão, nesse contexto, não é mais interpretada como neutralidade técnica, mas como falha de gestão com consequências jurídicas.

No caso dos jogos de azar promovidos por influenciadores, a conexão com a tese do STF é direta, uma vez que, notificada a plataforma sobre a existência de conteúdo que fomente contravenções penais, lavagem de dinheiro ou crimes contra a economia popular, a plataforma que opta por não agir não está apenas ignorando um aviso: está permitindo que seu ambiente continue sendo usado para a prática ilícita.

Dessa forma, o novo cenário jurídico exige que empresas de tecnologia invistam em políticas internas robustas, canais ágeis para recebimento de notificações e sistemas automatizados de monitoramento, não sendo o caso apenas de evitar multas ou indenizações, mas de preservar a própria viabilidade do negócio num ambiente regulatório que se torna, a cada dia, mais exigente e intolerante à inércia.

Nesse contexto, considerando que as plataformas digitais possuem um papel relevante no sucesso dos empreendimentos ilícitos efetivados em seu ambiente, a responsabilidade omissiva torna-se um risco real e mensurável, e as companhias que não se adaptarem tendem a enfrentar não apenas processos cíveis, mas também investigações criminais.

Autor

Leonardo Tajaribe Jr. Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).

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