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Estudante de medicina pode ser punido pelo CRM?

Uma análise jurídica e prática sobre a possibilidade de estudantes de medicina serem punidos pelo CRM, destacando os limites legais, éticos e o papel da fiscalização na formação profissional.

21/8/2025
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A formação médica é um processo longo, exigente e repleto de responsabilidades. Durante os anos de graduação, os estudantes de medicina têm contato direto com pacientes, realizam estágios em hospitais e participam de atividades práticas que simulam a rotina profissional. Mas até onde vai a autonomia do estudante? E, principalmente: ele pode ser punido pelo CRM - Conselho Regional de Medicina?

Nesse artigo você vai aprender como estudantes de medicina podem garantir uma formação ética e segura, conhecendo seus limites legais, atuando sob supervisão adequada e utilizando canais de denúncia em casos de irregularidades. Também verá como a proteção do estudante e do paciente depende da responsabilidade de todos os envolvidos na formação médica.

1 - O que é CRM e qual sua jurisdição?

O Conselho Regional de Medicina é o órgão responsável por fiscalizar e regulamentar o exercício da medicina em cada Estado brasileiro. Ele atua na defesa da ética médica, julga infrações cometidas por profissionais registrados e pode aplicar sanções que vão desde advertências até a cassação do registro profissional.

Importante: O CRM só tem autoridade sobre médicos devidamente registrados. Ou seja, estudantes de medicina, por ainda não possuírem número de CRM, não estão sujeitos à punição direta pelo Conselho.

2 - Quando o estudante pode ser responsabilizado?

Embora o CRM não possa punir diretamente o estudante, isso não significa que ele esteja isento de consequências legais e acadêmicas. Veja os principais cenários: 

2.1 - Exercício ilegal da medicina

O exercício ilegal da medicina ocorre quando uma pessoa não habilitada legalmente para atuar como médica realiza atividades que são exclusivas da profissão, sem possuir registro no CRM - Conselho Regional de Medicina ou sem estar sob supervisão adequada. No caso de estudantes de medicina, essa infração se configura quando há a prática de atos médicos sem a devida autorização, supervisão ou respaldo institucional.

Atos considerados privativos de médicos incluem:

  • Prescrição de medicamentos controlados ou de uso contínuo;
  • Realização de procedimentos invasivos, como suturas, punções, biópsias ou cirurgias;
  • Atendimento clínico autônomo, com diagnóstico e conduta terapêutica sem supervisão de um profissional habilitado.

Base legal: O art. 282 do CP brasileiro tipifica o exercício ilegal da profissão como crime, estabelecendo sanções para quem exercer, ainda que gratuitamente, atividade profissional regulamentada sem preencher os requisitos legais.

Consequências jurídicas e profissionais:

  • Processo criminal: O estudante pode ser denunciado pelo Ministério Público, respondendo judicialmente pelo crime, o que pode resultar em antecedentes criminais.
  • Pena de detenção e multa: A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos, além de multa, podendo ser agravada em casos de reincidência ou danos causados ao paciente.
  • Sanções acadêmicas: A instituição de ensino pode aplicar medidas disciplinares, como advertência, suspensão ou até desligamento do curso.
  • Prejuízo à reputação profissional: O envolvimento em práticas ilegais pode comprometer futuras oportunidades de residência médica, concursos públicos e credibilidade perante colegas e pacientes.

Importância da supervisão: Durante a graduação, o estudante deve sempre atuar sob orientação direta de médicos responsáveis, especialmente em estágios e internatos. A supervisão não é apenas uma exigência legal, mas uma garantia de segurança para o paciente e de aprendizado ético e responsável para o futuro profissional.

Assim, o exercício ilegal da medicina por estudantes representa uma infração grave, com implicações legais, acadêmicas e éticas. Respeitar os limites da formação e atuar sempre sob supervisão são atitudes essenciais para garantir a segurança dos pacientes e preservar a integridade da futura carreira médica.

2.2 - Falsidade ideológica

Em casos em que o estudante se apresenta como médico ou utiliza indevidamente o número de CRM de outro profissional, pode haver enquadramento por falsidade ideológica (art. 299 do CP).

Elementos do crime:

  • Documento público ou particular: Pode ser prontuário médico, ficha de atendimento, receita, declaração de estágio etc.
  • Declaração falsa ou omissão relevante: Exemplo: um estudante assina como médico ou insere número de CRM que não lhe pertence.
  • Finalidade ilícita: Obter vantagem, enganar pacientes, assumir responsabilidades indevidas.

Aplicação ao estudante de medicina: embora o estudante não tenha CRM, ele pode cometer falsidade ideológica se:

  • Se apresenta como médico em documentos, redes sociais, crachás, ou verbalmente em ambientes clínicos.
  • Assina documentos médicos como se fosse profissional habilitado.
  • Utiliza o número de CRM de outro médico para validar prescrições, laudos ou fichas de atendimento.

Essas condutas não apenas violam a ética, mas também configuram crime formal, ou seja, não é necessário que haja prejuízo concreto, basta a intenção e a falsificação.

Exemplos práticos:

Consequências legais:

  • Pena prevista: Reclusão de 1 a 5 anos e multa, se o documento for público; de 1 a 3 anos e multa, se for particular.
  • Agravante: Se o agente se vale de cargo público ou falsifica registro civil, a pena aumenta em 1/6.
  • Registro criminal: Pode dificultar futura inscrição no CRM e concursos públicos.
  • Responsabilidade solidária: O médico que permite ou acoberta a conduta também pode ser responsabilizado.

Como evitar riscos:

  • Nunca assuma identidade profissional que não possui.
  • Identifique-se sempre como estudante ou interno.
  • Recuse qualquer proposta para assinar documentos médicos.
  • Denuncie práticas irregulares à coordenação do curso ou ao hospital.

Dessa forma, a falsidade ideológica, quando praticada por estudantes de medicina que se passam por médicos ou utilizam indevidamente o número de CRM, é um crime grave que pode comprometer não apenas sua formação acadêmica, mas também sua carreira futura. Agir com ética, respeitar os limites legais e manter a transparência na atuação são atitudes essenciais para garantir uma trajetória profissional segura e respeitável.

2.3 - Sanções acadêmicas

As instituições de ensino superior, especialmente aquelas que oferecem cursos na área da saúde, possuem autonomia administrativa e pedagógica para aplicar sanções aos estudantes que violam normas éticas, legais ou regulamentares. Essas medidas visam preservar a integridade da formação acadêmica, proteger a comunidade universitária e garantir que futuros profissionais atuem com responsabilidade e respeito às diretrizes da profissão.

Fundamento institucional: As sanções estão previstas nos regimentos internos das universidades e nos códigos de ética estudantil. Elas podem ser aplicadas após sindicância ou processo disciplinar, respeitando o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Motivos que podem levar à aplicação de sanções:

  • Prática de atos privativos de médicos sem supervisão;
  • Falsidade ideológica, como uso indevido de número de CRM;
  • Desrespeito às normas de conduta em ambientes clínicos ou hospitalares;
  • Comportamentos que coloquem em risco a segurança de pacientes, colegas ou profissionais.

Tipos de sanções aplicáveis:

Impactos a longo prazo:

  • Acadêmicos: Atrasos na conclusão do curso, perda de créditos ou necessidade de reingresso.
  • Profissionais: Dificuldades em processos seletivos para residência médica, concursos ou empregos.
  • Pessoais: Abalo na autoestima, reputação e relações interpessoais dentro da comunidade acadêmica.

Importância da conduta ética: Mais do que cumprir regras, manter uma postura ética é essencial para construir uma carreira sólida e confiável. O ambiente universitário é o primeiro espaço de formação profissional, e nele se cultivam valores que acompanharão o estudante por toda a vida

3 - Impacto na inscrição profissional futura

A transição do estudante de medicina para médico registrado exige mais do que a conclusão do curso e aprovação em exames. O processo de inscrição no CRM - Conselho Regional de Medicina também considera o histórico ético e disciplinar do candidato, especialmente se houver registros de condutas incompatíveis com os princípios da profissão médica.

O que é avaliado na inscrição?

Ao solicitar o registro profissional, o recém-formado deve apresentar uma série de documentos, incluindo:

  • Diploma de graduação reconhecido pelo MEC;
  • Certidão de quitação eleitoral e militar;
  • Documentos pessoais;
  • Declaração de antecedentes éticos, emitida pela instituição de ensino ou solicitada pelo próprio interessado.

Essa declaração pode incluir informações sobre sindicâncias, processos disciplinares ou infrações éticas ocorridas durante a graduação.

Condutas que podem gerar impacto negativo:

  • Envolvimento em exercício ilegal da medicina;
  • Prática de falsidade ideológica, como uso indevido de número de CRM;
  • Participação em fraudes acadêmicas ou estágios clandestinos;
  • Comportamentos que atentem contra a dignidade humana, como assédio, discriminação ou negligência com pacientes.

Essas condutas, se formalmente registradas e comprovadas, podem ser levadas em consideração pelo CRM no momento da análise da inscrição.

Consequências possíveis:

Além disso, o CFM - Conselho Federal de Medicina e os CRMs mantêm sistemas internos de controle e podem solicitar certidões de antecedentes éticos para verificar se o candidato representa risco à profissão ou à sociedade.

Como proteger sua trajetória profissional:

  • Mantenha conduta ética e transparente durante toda a graduação;
  • Recuse práticas ilegais, mesmo que incentivadas por terceiros;
  • Documente e denuncie irregularidades que possam comprometer sua formação;
  • Busque orientação jurídica ou institucional em caso de envolvimento em sindicâncias

Assim, a conduta ética durante a formação médica não apenas reflete o compromisso do estudante com os valores da profissão, como também pode determinar sua elegibilidade para o registro profissional. Manter integridade e responsabilidade ao longo da graduação é essencial para garantir uma transição segura e respeitável para o exercício da medicina.

4 - E o médico supervisor, pode ser punido?

Sim. O médico que atua como supervisor de estudantes ou residentes tem responsabilidades éticas, legais e administrativas claramente definidas pelo Código de Ética Médica e pelas resoluções do CFM - Conselho Federal de Medicina. Quando esse profissional permite, negligência ou incentiva práticas ilegais ou antiéticas, ele pode ser responsabilizado diretamente pelo CRM - Conselho Regional de Medicina, podendo sofrer sanções severas.

4.1 - Deveres do médico supervisor

O papel do supervisor vai além da orientação técnica. Ele deve:

  • Garantir que o estudante ou residente não execute atos médicos privativos sem a devida supervisão;
  • Zelar pela segurança dos pacientes e pela qualidade da formação;
  • Atuar como referência ética e profissional, evitando qualquer forma de delegação irresponsável.

Segundo o Código de Ética Médica, é vedado ao médico: “Permitir que seus subordinados ou auxiliares executem atos que ultrapassem sua qualificação profissional ou que coloquem em risco a saúde dos pacientes.”

Exemplos de condutas passíveis de punição:

  • Permitir que o estudante assuma plantões sozinho, sem supervisão direta;
  • Delegar procedimentos invasivos ou diagnósticos complexos sem acompanhamento;
  • Emprestar ou permitir o uso indevido de seu número de CRM, configurando falsidade ideológica e exercício ilegal da medicina;
  • Omitir-se diante de práticas irregulares ou falhas graves cometidas por estudantes sob sua supervisão.

Essas condutas não apenas violam normas éticas, como também podem configurar infrações administrativas e até crimes, dependendo da gravidade e das consequências envolvidas.

4.2 - Sanções aplicáveis ao médico supervisor

O CRM pode aplicar diferentes penalidades, conforme previsto na resolução CFM 2.145/16:

A cassação é aplicada em casos extremos, como reincidência grave ou envolvimento em fraudes que coloquem em risco a vida de pacientes ou comprometam a integridade da profissão.

Como o médico pode se proteger:

  • Documentar todas as atividades supervisionadas;
  • Garantir que estudantes atuem sempre sob orientação direta;
  • Recusar qualquer prática que envolva delegação indevida;
  • Manter comunicação clara com a instituição de ensino e comissões de ética;
  • Buscar orientação jurídica em casos de dúvida ou conflito.

Portanto, o médico supervisor que negligencia suas responsabilidades éticas pode ser responsabilizado pelo CRM, com sanções que variam de advertência à cassação do registro. Supervisionar com responsabilidade é essencial para proteger os pacientes, garantir a formação adequada dos estudantes e preservar a integridade da profissão médica.

5 - Boas práticas para estudantes de medicina

A formação médica exige não apenas domínio técnico, mas também um compromisso ético sólido desde os primeiros anos da graduação. O estudante de medicina é parte integrante da equipe de saúde em ambientes de ensino, e sua conduta deve refletir respeito à vida, responsabilidade profissional e integridade moral.

5.1 - Atuar sempre sob supervisão direta de um médico

  • O estudante não possui autonomia legal para realizar atos médicos privativos, como diagnósticos, prescrições ou procedimentos invasivos.
  • Toda atividade prática deve ocorrer sob orientação e supervisão presencial de um médico responsável, que garanta a segurança do paciente e a qualidade do aprendizado.
  • A ausência de supervisão pode configurar exercício ilegal da medicina, com consequências éticas e jurídicas tanto para o estudante quanto para o profissional envolvido.

5.2 - Conhecer os limites legais do estágio

  • O estágio curricular é regulamentado por normas institucionais e pela legislação educacional. O estudante deve conhecer: quais atividades são permitidas em cada fase da graduação; quais procedimentos exigem supervisão obrigatória; e quais ambientes são autorizados para prática (hospitais-escola, unidades conveniadas etc.).
  • O desconhecimento da legislação não exime o estudante de responsabilidade. É essencial buscar orientação junto à coordenação do curso ou ao setor jurídico da instituição.

5.3 - Recusar propostas ilegais, mesmo que venham de superiores

  • O estudante deve ter postura firme diante de propostas que violem a ética médica, como: assumir plantões sozinho; realizar atendimentos sem supervisão; e utilizar indevidamente o número de CRM de terceiros.
  • A recusa é um ato de responsabilidade e coragem. O Código de Ética do Estudante de Medicina reforça que o aluno deve priorizar o bem-estar do paciente e a legalidade da prática médica, mesmo diante de pressões hierárquicas.

5.4 - Denunciar irregularidades à instituição de ensino ou ao hospital

Situações que envolvam risco ao paciente, desvio de conduta ou infrações éticas devem ser comunicadas imediatamente: à coordenação do curso; à Comissão de Ética Médica do hospital; e ao setor jurídico ou ouvidoria da instituição.

A denúncia não é apenas um direito, mas um dever ético. O silêncio diante de irregularidades pode ser interpretado como conivência.

Adotar uma postura ética, responsável e consciente durante a graduação é essencial para garantir uma formação segura e respeitável. O estudante que conhece seus limites, atua sob supervisão e denuncia irregularidades contribui não apenas para sua própria trajetória, mas para a integridade da medicina como um todo.

6 - Denúncia e proteção: Garantindo a ética na formação médica

Durante a graduação, é possível que estudantes de medicina enfrentem situações delicadas, como pressões para realizar procedimentos sem supervisão adequada ou fora dos limites legais e éticos. Esses episódios, além de comprometerem a segurança do paciente, colocam em risco a integridade física, emocional e profissional do estudante. Por isso, é essencial que haja canais de apoio e denúncia eficazes.

6.1 - Quando e por que denunciar?

A denúncia deve ser feita sempre que o estudante:

  • For coagido a atuar além de suas competências legais;
  • Presenciar condutas antiéticas ou abusivas por parte de profissionais ou colegas; 
  • Identificar falhas graves na supervisão ou estrutura de ensino que comprometam a segurança.

Denunciar não é apenas um direito, é um dever ético que contribui para a construção de um ambiente de aprendizado seguro e justo.

6.2 - Canais de denúncia disponíveis:

O estudante pode recorrer a diferentes instâncias, dependendo da gravidade e natureza do ocorrido:

6.3 - Proteção ao denunciante:

A legislação brasileira prevê mecanismos de proteção ao denunciante, especialmente em casos que envolvem abuso de poder ou riscos à integridade física e psicológica. O anonimato pode ser garantido em algumas instâncias, e o estudante não deve sofrer retaliações por exercer seu direito de denúncia.

6.4 - Cultura de integridade:

A proteção do estudante e do paciente depende da construção de uma cultura institucional baseada na ética, no respeito e na transparência. Professores, preceptores, gestores e colegas têm o dever de zelar por um ambiente que valorize o aprendizado responsável e a segurança de todos os envolvidos.

7 - Conclusão

A jornada do estudante de medicina é marcada por desafios intensos, aprendizados profundos e uma constante construção de identidade profissional. Para que essa trajetória seja segura, ética e transformadora, é essencial que o estudante conheça seus limites legais, atue sempre sob supervisão qualificada e se posicione diante de condutas inadequadas.

A denúncia responsável e o acesso a canais de proteção não apenas resguardam o estudante, mas também fortalecem a confiança na formação médica e na qualidade do cuidado oferecido à população. A integridade de todos os envolvidos, instituições, professores, profissionais e alunos, é o alicerce de uma medicina que honra sua missão: cuidar com competência, respeito e humanidade.

Autor

Maria Laura Álvares de Oliveira Advogada (OAB/GO 41.209), fundadora do escritório Álvares Advocacia, especialista em concursos e servidores públicos, atua na defesa judicial e administrativa de candidatos e servidores injustiçados.

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