O STF pautou para julgamento virtual, entre os dias 22 de agosto de 2025 e 29 de agosto de 2025, o RE 1.362.742/MG, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.258/STF). A Corte deverá analisar a possibilidade de manutenção dos créditos de ICMS relativos às operações internas anteriores à saída interestadual de combustíveis derivados de petróleo.
A controvérsia gira em torno da interpretação do artigo 155, § 2º, inciso X, alínea “b”, da Constituição Federal, que estabelece que não incide ICMS na saída interestadual de combustíveis derivados do petróleo. Os fiscos estaduais têm compreendido que essa norma configura uma imunidade tributária, o que implicaria duas consequências: a impossibilidade de geração de créditos para as operações seguintes e o dever de estorno dos créditos gerados nas etapas anteriores.
Contudo, a despeito da interpretação fazendária, a verdade é que o dispositivo constitucional em questão não deve ser entendido como uma imunidade propriamente dita. A referida regra só existe para concretizar a escolha do constituinte de que o petróleo, bem como os combustíveis e lubrificantes derivados, sejam tributados pelo ICMS inteiramente pelo Estado de Destino, nos termos do art. 155, § 4º, inciso I, da Constituição.
Em outras palavras, no Estado de Destino são tributadas todas as operações que compõem o ciclo econômico dos combustíveis derivados do petróleo, não havendo que se falar em renúncia de arrecadação tributária. Nesse sentido já se manifestou o STF em inúmeras ocasiões, como, por exemplo, no julgamento do RE 198.088-SP; do RE 358.956-3/RJ; do RE 190.992/RN; dentre muitos outros.
Assim, na prática, a postura dos Fiscos Estaduais de demandar o estorno dos créditos apurados em operações anteriores à saída interestadual dos combustíveis viola os princípios da tributação no destino e da não-cumulatividade. Sem mencionar que produz tratamento tributário desfavorecido em virtude da procedência do produto, violando o princípio da isonomia.
Tributação no destino: equilíbrio federativo
Em razão de especificidades do mercado de combustíveis e de uma escolha do constituinte, o produto da arrecadação do ICMS nas operações interestaduais é direcionado para o Estado de Destino, onde ocorre o consumo. Isso se deve historicamente a um mecanismo de equilíbrio federativo segundo o qual, grosso modo, cabe aos Estados produtores os royalties e demais participações governamentais advindas da exploração do petróleo, enquanto a arrecadação do ICMS destina-se aos Estados consumidores.
Nesse contexto, o art. 155, § 2º, inciso X, alínea “b”, da Constituição apenas tem o efeito de viabilizar a tributação no Estado de Destino do combustível.
É evidente, portanto, que a interpretação dos Fiscos Estaduais pela existência de simples imunidade constitucional tem o condão de direcionar, indevidamente, parte da arrecadação do ICMS para o Estado de Origem, subvertendo a lógica desenhada pela Constituição.
Não-cumulatividade e impacto ao consumidor
Os contornos constitucionais do ICMS atribuem-lhe característica de imposto não-cumulativo, de maneira que afora as limitações constitucionalmente previstas, que dizem respeito às hipóteses de entrada e/ou saída de produtos sujeitos à isenção ou não incidência do imposto estadual, o direito ao crédito do ICMS pago nas etapas anteriores não pode sofrer quaisquer restrições.
Assim, uma vez que as saídas interestaduais de combustíveis e lubrificantes derivados do petróleo são tributadas pelo ICMS no Estado de Destino, é evidente que a exigência fazendária de estorno dos créditos apurados em operações anteriores, que, por sua vez, também são tributadas pelo referido imposto, viola o princípio da não-cumulatividade.
Em última análise, pode-se concluir que a manutenção da obrigatoriedade do estorno acarreta o fim da neutralidade do ICMS, desconsiderando toda a cadeia econômica dos combustíveis, transformando tributação que deve necessariamente ser não-cumulativa, em cumulativa (tributação em cascata). A consequência inescapável é o encarecimento dos combustíveis para o consumidor final, que arca com o custo do imposto que deixa de ser creditado.
Violação à isonomia
A proibição da apropriação de crédito em relação às operações que antecedem a saída interestadual de combustíveis e lubrificantes derivados do petróleo faz com que o tributo que já foi recolhido seja repassado como custo para os destinatários localizados em outros Estados.
Sob essa perspectiva, a obrigatoriedade do estorno é inconstitucional porque faz com que os produtos cheguem ao destinatário final com preço mais elevado, exclusivamente em razão da sua origem (outro Estado da Federação).
Afronta-se, sob essa perspectiva, os arts. 150, inciso II, e 152 da Constituição, que vedam a criação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, exclusivamente em razão de sua procedência.
Expectativas do julgamento
A solução jurídica a ser conferida pelo STF terá o importante papel de definir o entendimento da Corte sobre o alcance da não-cumulatividade do ICMS nas operações interestaduais com combustíveis. Trata-se, evidentemente, de controvérsia que envolve múltiplos interesses - jurídicos, econômicos e políticos - e cuja resolução exige uma interpretação sistemática da Constituição.
Espera-se, nesse contexto, que o STF assegure a manutenção dos créditos de ICMS relativos às etapas anteriores à saída interestadual de combustíveis derivados do petróleo, em respeito ao princípio constitucional da não-cumulatividade e da isonomia, garantindo a tributação exclusiva no Estado de Destino. Tal medida certamente contribuirá para a redução dos custos que são repassados ao consumidor final, em benefício de toda a coletividade.