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Texas, Califórnia e os distritos eleitorais

Avalia a controvérsia da mudança de distritos eleitorais no Texas e na Califórnia, e o interesse desse debate para o Direito Eleitoral brasileiro.

28/8/2025

1. Introdução

O presente artigo atualiza um texto anterior, produzido em 2017, quando o Brasil discutia o chamado voto distrital - como se fosse algo urgente a ser implementado, e como se fosse algo positivo. Não é demasiado recordar - e não sou muito polido nas palavras - o Brasil tem uma capacidade enorme de tornar medíocre qualquer debate complexo. O discurso a respeito do voto distrital ingressava na imprensa, em 2017, sem o menor senso crítico. O que reproduzia um oportunismo político que aparentemente grassava no Congresso.

O que, então, um texto antigo tem de atual para ser novamente veiculado, ainda que sendo modificado para os dias recentes? Explico: desde as últimas semanas, temos acompanhado nos Estados Unidos - e a imprensa brasileira repercutindo - a redistribuição dos distritos eleitorais nos estados do Texas e da Califórnia.

A legislatura do Texas redesenhou todos os mapas com um “redistritamento” em 2021 (pós-Censo 2020). Houve ainda o “redistritamento” de 2025 que está gerando a controvérsia atual. A legislatura estadual voltou a redesenhar o mapa eleitoral. O plano final - HB 4 (Plano “PlanC2333”), aprovado na 89ª legislatura, 2ª sessão extraordinária - passa a valer para as eleições a partir de 2026. A proposta busca transformar até 5 cadeiras adicionais em distritos favoráveis ao Partido Republicano, especialmente nas áreas de Austin, Dallas, Houston e sul do Texas.

A Califórnia, usando como argumento a redistribuição de distritos do Texas, lança uma tentativa de realizar também uma mudança de mapa eleitoral. No caso da Califórnia, a alteração do “mapa de distritos” não ocorreria, regularmente, pela Assembleia Estadual, mas por uma comissão de membros não eleitos com paridade entre Democratas (5), Republicanos (5) e Independentes (4). Esta comissão seguiria critérios fixados em lei. O governador enviou a proposição 50, com o plano de substituir temporariamente o mapa elaborado pela CCRC - Comissão Independente de Redistritamento da Califórnia - criada por voto popular e parte da constituição estadual - por novos distritos favoráveis aos democratas. Após 2030, o processo voltará à comissão independente.

Sem fazer juízo de valor, é fácil ver, em linhas gerais, a complexidade do tema.

2. É preciso esclarecer as artimanhas

O Brasil volta e meia discute o “voto distrital”. Há sempre alguma deliberação no Congresso - havia recentemente o chamado “distritão”. Infelizmente, a discussão sobre assuntos de tamanha complexidade é posta em debate - isto é, quando existe debate sério - de forma muito simplória. Quase se resume a uma singela discussão ao estilo “prefiro este ou aquele” modelo. Nada muito aprofundado.

Voto distrital, apregoam seus defensores, serviria para gerar uma maior aproximação dos eleitos - notadamente para cargos legislativos - de uma base territorial específica, permitindo melhor representação de todo o Estado (no caso de deputados federais e estaduais) ou de um município (vereadores). Acontece que temas complexos não autorizam soluções simploriamente debatidas, sob pena de a nova solução converter-se num problema maior do que a mazela anteriormente combatida. Neste sentido, precisamos falar de Elbridge Gerry, cujo nome fez nascer um neologismo entre os americanos: “Gerrymander” e “Gerrumandering”.

O voto distrital pressupõe a prévia delimitação de distritos. Estes distritos são distribuídos em bases territoriais determinadas. Assim, os eleitos representam distritos específicos (logo, representam territórios e populações igualmente determinados). Ponto! Está assegurada a representação territorial - e respectivos moradores -, seja de cidades (nas eleições estaduais) ou de distritos (nas eleições municipais).

Eis que aparece Elbridge Gerry em 1812, então governador de Massachusetts, e redefine os circuitos eleitorais. Com isso, por meio de uma redefinição do “aspecto territorial dos distritos”, alterou a representação dos partidos após a eleição.

Tais mutações de distritos ou circuitos eleitorais com intenção de alterar o resultado eleitoral é um dos problemas do voto distrital. Vejamos na prática:

Na imagem 1 temos 50 pessoas, sendo 20 vermelhas e 30 azuis. Caso os distritos sejam linearmente distribuídos de cima para baixo (imagem 2), teremos eleitos 2 vermelhos e 3 azuis. Caso os distritos sejam distribuídos linearmente, mas em faixas horizontais (imagem 3), teremos eleitos 5 azuis e nenhum vermelho. Porém, se uma nova composição de distritos for realizada em zigue-zague (imagem 4), podemos ter, a exemplo do desenho, 2 azuis e três vermelhos eleitos.

A tradição brasileira de normas eleitorais de surpresa, ou para alegrar o gosto de multidão temporária, é tão conhecida que há dispositivo Constitucional para, em tese, impedir normas-surpresa no ano da eleição: Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

3. Conclusão

É preciso ficar atento ao conceito de Gerrymandering, ou, se pudermos abrasileirar, o “redistritamento” ou a “reforma distrital”. Aliás, com idêntica precaução, devemos ficar atentos à própria definição inicial dos espaços territoriais dos “distritos”. Afinal, desde o início, já pode estar contaminada pela vontade não de gerar divisões territoriais, mas pela intenção de gerar facilitação em benefício de determinado partido, grupo ou candidato.

A despeito de não tratar de voto distrital, não podemos desconhecer que a fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro e a criação do Estado de Mato Grosso do Sul - em 1975 e 1978 - foram expedientes dos governistas da ocasião para aumentar a influência da Arena.1

A experiência estadunidense tem algo a nos ensinar. Usualmente, naquele país, não se costuma anular judicialmente as leis de distritos eleitorais com base em alegações de violação à “Equal Protection Clause” (Vieth v. Jubelirer;2 Davis v. Bandemer3). Ou seja, o Judiciário age de forma razoavelmente “deferente” às decisões legislativas. Todavia, a Suprema Corte não é indiferente aos casos de “mapeamento racial”, como em Allen v. Milligan (2023),4 quando no julgamento do mapa de “redistritamento” do Alabama violou a seção 2 da lei dos direitos de voto.

Vejamos como serão analisados os casos de Texas e Califórnia, especialmente esta última, que continua pendente de referendo popular. Um bom laboratório para quando o Brasil voltar a falar em voto distrital.

_________

1 http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7469

2 https://www.oyez.org/cases/2003/02-1580

3 https://www.oyez.org/cases/1985/84-1244

4 https://www.oyez.org/cases/2022/21-1086

Luiz Henrique Antunes Alochio
Doutor em Direito (Uerj). Mestre em Direito Tributário (UCAM). Visiting Scholar - Florida State University (2022/23). Advogado (ES). Conselheiro Federal OAB (2019/2022). Redes sociais: @luiz_alochio

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