Recentemente, o debate sobre a crescente exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais ganhou força após a repercussão do vídeo publicado pelo influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, em seu canal no Youtube.
Como panorama geral, o vídeo em questão, de forma impactante, denuncia a exploração de menores de idade para a criação de conteúdo na internet, relacionando a exposição de crianças e adolescentes à ocorrência do processo de adultização e sexualização precoce. Felca aborda também sobre a pedofilia e, dentro desse contexto, demonstra como a manipulação de algoritmos nas redes sociais favorecem e facilitam a exposição e exploração de menores, tornando-as alvos para criminosos.
A repercussão pública do vídeo impulsionou o Poder Legislativo a avançar em sua agenda para tratar sobre temas que envolvem a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. O presidente da câmara, Hugo Motta, anunciou a intenção de pautar projetos que resultem em legislação específica sobre o tema. Já no Senado Federal, foi protocolado um requerimento para instauração de CPI cujo objetivo é de investigar a exploração de crianças e adolescentes por influenciadores digitais nas redes sociais.
Observa-se que o foco legislativo vem se estabelecendo, principalmente, na promoção da inclusão de medidas de conscientização, proteção, prevenção e combate à erotização infantil e à exploração de menores no âmbito digital, bem como na tipificação de novos crimes relacionados a exploração sexual e da adultização de crianças e adolescentes.
Outros projetos de leis, como os PLs 3842/25, 3845/25 e 3848/25, destinam o foco, especificamente, às plataformas digitais e como devem agir ao se depararem com conteúdos que envolvam crianças e adolescentes. Para tanto, promovem as seguintes medidas: (i) Estabelecer obrigações de transparência e avaliação de impacto algorítmico em conteúdos envolvendo crianças e adolescentes, bem como medidas para bloqueio de algoritmos e contas que promovam tais conteúdos nas plataformas digitais; (ii) Estabelecer regras sobre verificação de idade, controle parental e denúncia de conteúdo impróprio em redes sociais.
O debate promovido pelos PLs destacados está diretamente relacionado a nova tese estabelecida pelo julgamento dos Temas 533 e 987 pelo STF que determinaram a inconstitucionalidade parcial do art. 19 do Marco Civil da Internet.
A tese estabeleceu que nos casos de crimes gravíssimos específicos, a plataforma deve zelar para que tais conteúdos não sejam sequer publicados, devendo ser aplicado o chamado dever de cuidado. Em outras palavras, a plataforma deve atuar de maneira diligente e proativa para que esses conteúdos não circulem, independentemente de qualquer notificação ou ordem judicial, de modo que a sua responsabilização está condicionada a ocorrência de falha sistêmica do provedor.
Dentre os crimes especificados pela tese, tal regra se aplica, inclusive, aos crimes de pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes.
Diante desse cenário, é possível prever que as medidas estabelecidas pelos projetos de leis poderão impactar no dever de cuidado das redes sociais, principalmente, no aprimoramento das políticas de moderação, transparência e prevenção, visando à redução da disseminação de conteúdos prejudiciais e à efetiva proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
Tais mudanças já estão acontecendo no âmbito internacional. Países como Estados Unidos, Reino Unido, China, e da União Europeia, vêm aplicando medidas para restringir o uso das redes sociais por menores de idade.
São exemplos: a utilização de sistemas para a verificação da idade do menor, a autorização obrigatória dos pais/responsáveis para criação de perfis nas redes sociais, a limitação de tempo de uso diário pelos menores, configurações rigorosas de privacidade e a implementação de políticas e algoritmos para detectar e bloquear conteúdos ilícitos e prejudiciais.
Assim, conclui-se que, com a exposição feita pelo influenciador e com o reconhecimento pelo STF da responsabilidade proativa das plataformas na moderação de conteúdos nocivos, espera-se maior rigor na prevenção da exposição e exploração digital de menores a ser elaborado pelo Poder Legislativo.
Essa nova realidade representa um importante passo para garantir um ambiente online mais seguro, exigindo compromisso conjunto de provedores, autoridades e sociedade para proteger os direitos fundamentais das futuras gerações.
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Referências
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