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Uma década da lei de mediação

A promulgação da lei 13.140, de 26 de junho de 2015, conhecida como lei da mediação, representou um marco decisivo no ordenamento jurídico brasileiro.

29/8/2025

A promulgação da lei 13.140, de 26 de junho de 2015, conhecida como lei da mediação, representou um marco decisivo no ordenamento jurídico brasileiro ao reconhecer, de forma sistemática, a mediação como meio legítimo e eficaz de resolução de conflitos. Agora, em 2025, ao se completar uma década de sua vigência, impõe-se refletir sobre sua importância para a consolidação de uma nova cultura jurídica, mais voltada à pacificação social e menos centrada na lógica adversarial que historicamente predominou em nossos tribunais.

No desenvolvimento histórico da civilização como impulso de sobrevivência, a humanidade parte do conflito e da barbárie e, através da mediação, ascende à convivência harmônica da simetria respeitante às diferenças. Assim tem sido com as turbulências naturais da vida social, que precisam e devem ser resolvidas sob o manto da ética e da lei. A mediação, nessa perspectiva, não se limita a um procedimento técnico, mas se revela como expressão de maturidade civilizatória, instaurando um caminho em que a divergência não conduz à destruição, mas à construção compartilhada de soluções.

A lei da mediação não surgiu por acaso. Ela foi fruto da necessidade de dar respostas à crise estrutural do Judiciário, que, assoberbado por milhões de processos, já não conseguia garantir, em tempo razoável, a efetividade da tutela jurisdicional. A mediação se apresentou, assim, não apenas como um mecanismo auxiliar para desafogar a máquina judiciária, mas sobretudo como uma ferramenta transformadora, capaz de restituir às partes o protagonismo sobre suas próprias controvérsias, permitindo-lhes construir soluções mutuamente satisfatórias. Nesse sentido, a lei deslocou o foco do litígio para o diálogo, valorizando a autonomia da vontade e a preservação dos vínculos sociais, familiares e empresariais.

Ao longo destes dez anos, é possível constatar avanços concretos. O CNJ estimulou a criação de centros judiciários de solução de conflitos, os CEJUSCs, que se espalharam pelo país e passaram a oferecer ao cidadão um espaço de acolhimento e negociação. A figura do mediador profissional ganhou contornos normativos claros, assegurando imparcialidade, capacitação técnica e responsabilidade ética. Empresas e órgãos públicos, por sua vez, foram instados a adotar a mediação como instrumento de gestão de disputas, o que contribuiu para uma mudança cultural também no âmbito da Administração.

A importância da lei da mediação, no entanto, transcende seus efeitos imediatos sobre o sistema de justiça. Ela representa um verdadeiro convite à cidadania participativa. Ao estimular que as partes dialoguem, reconheçam interesses recíprocos e construam soluções criativas, a lei resgata valores de cooperação, solidariedade e respeito, essenciais à vida em sociedade. Mais do que resolver conflitos, ela ensina a preveni-los, lançando as bases de uma convivência mais civilizada e democrática.

No meu livro Mediação em Direito de Família, aspectos jurídicos e psicológicos (2018), pesquiso os aspectos da subjetividade e da emoção na tomada de decisões individuais e coletivas que impulsionam o movimento existencial. As mesmas forças íntimas que permitem a sublimação da arte, da cultura, do esporte, enfim, do tecido humano da comunidade, também podem facilmente ser desviadas para o ódio, o medo, a perversidade e o crime. A mediação como ciência é uma conquista da estratégia do ser humano para o próprio ofício da estratégia da sobrevivência. Hoje o mundo observa perplexo uma autofagia nas divisões políticas, sociais, religiosas, nacionais. Os organismos internacionais criados após a Segunda Guerra Mundial têm se mostrado impotentes para resolver os conflitos, o que acaba contaminando as interações pessoais. Urge, diante dessa realidade, aprimorar e usar com frequência as normas de sensatez que norteiam, no Brasil, a lei da mediação. Ela nos oferece as ferramentas necessárias para este arbítrio. Cabe aos estadistas e a cada cidadão compreender que a barganha e o negócio abrem as fronteiras e as mentes, contrastando com o uso da força e das paixões desenfreadas.

Flavio Henrique Elwing Goldberg
Advogado e mestre em Direito.

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