No ambiente corporativo e jurídico, a IA - inteligência artificial deixou de ser uma novidade tecnológica para se tornar uma infraestrutura essencial à operação e à competitividade.
Processos que antes demandavam horas de trabalho agora podem ser resolvidos em minutos, e análises que exigiam equipes inteiras podem ser feitas com altíssimo grau de precisão por sistemas treinados.
Apesar desse cenário, um movimento crescente de resistência vem ganhando voz.
Profissionais, empreendedores e até instituições optam por não utilizar IA, alegando razões éticas, filosóficas ou ambientais. Essa postura levanta um dilema relevante: seria uma recusa legítima, baseada em princípios consistentes, ou um privilégio inconsequente que compromete a sustentabilidade e a viabilidade dos negócios?
O perfil da resistência
Uma reportagem recente da BBC News destacou indivíduos e empresas que, por convicção, rejeitam o uso de ferramentas como o ChatGPT, sistemas de automação e softwares de jurimetria.
Entre os argumentos mais recorrentes, figuram preocupações éticas como o receio de que a IA amplifique vieses, comprometa a privacidade e desumanize as relações. Além disso, também estão presentes críticas ambientais, relacionadas ao elevado consumo energético e à pegada de carbono dos data centers que suportam modelos generativos.
Essa visão está embasada na valorização de uma filosofia de trabalho artesanal, que defende o trabalho humano integral como valor intrínseco, preserva métodos tradicionais e teme que haja substituição em massa de postos de trabalho qualificados.
Embora tais motivos mereçam análise, o contexto global impõe a necessidade de ponderar custos e benefícios dessa resistência.
A dimensão econômica da escolha
Segundo pesquisa global da IBM (2024), 43% dos executivos já implementam IA em áreas estratégicas como atendimento ao cliente, análise jurídica e gestão de contratos. Já uma pesquisa da Gartner projeta que, até 2026, 75% das empresas terão adotado IA generativa em processos-chave.
No mercado de No NO
No mercado de trabalho, dados da LinkedIn Economic Graph mostram que vagas relacionadas a IA generativa cresceram mais de 1000% em apenas um ano. Habilidades como prompt engineering e automação via IA estão no topo da lista de competências mais valorizadas.
Portanto, ignorar essa transformação não significa apenas abrir mão de uma ferramenta, significa perder espaço competitivo.
Escritórios de advocacia, por exemplo, já utilizam inteligência artificial para organizar e buscar precedentes em grandes bases de dados, prever desfechos de litígios por meio da jurimetria, automatizar a elaboração de petições iniciais e respostas padronizadas, além de controlar prazos e fluxos processuais com mínima intervenção humana.
Sem esses recursos, a produtividade diminui, o custo por caso aumenta e o tempo de resposta ao cliente se prolonga, fatores que pressionam a margem de lucro e podem, inclusive, comprometer a sobrevivência do negócio.
A questão ambiental: Dado ou retórica?
O consumo energético da IA é um ponto legítimo de atenção. Estudo do Goldman Sachs (março/2024) estima que, até 2030, data centers que suportam IA generativa poderão consumir até 8% da energia elétrica global, contra os atuais 2% a 3%.
A preocupação é fundamentada, mas precisa ser contextualizada. Outras infraestruturas tecnológicas, como o próprio streaming de vídeo e as redes sociais, também demandam volumes significativos de energia. A diferença é que a IA, especialmente no setor jurídico, oferece ganhos de eficiência que podem compensar parte desse impacto.
Por exemplo: um escritório que automatiza tarefas repetitivas pode reduzir horas extras, deslocamentos e uso de papel, diminuindo emissões indiretas. É um trade-off que exige análise completa do ciclo de impacto, e não apenas a observação do consumo bruto de energia dos servidores.
Ética e tecnologia: Inseparáveis
O filósofo James Brusseau, no seu livro de 2023 AI Ethics and the Limits of Algorithms (Ética da IA e os limites dos algoritmos, em tradução livre), sustenta que a IA é inevitável nas tarefas repetitivas e de baixo impacto crítico. O papel humano tende a concentrar-se nas decisões sensíveis, complexas e éticas em que o julgamento contextual é insubstituível.
Essa visão ajuda a desmistificar o temor de substituição total. Em vez de extinguir funções, a IA reorganiza a estrutura do trabalho, deslocando profissionais para áreas de maior valor agregado.
No Direito, isso significa que advogados podem dedicar mais tempo à estratégia jurídica, à argumentação criativa e ao relacionamento com o cliente, deixando que a IA cuide da busca de jurisprudência ou da análise de documentos extensos.
A recusa absoluta à IA, portanto, não é apenas uma questão técnica: é uma decisão ética que precisa considerar o dever de entregar resultados mais eficientes e acessíveis ao cliente.
O risco da “postura romântica”
No ambiente empresarial, manter processos exclusivamente manuais pode ser uma escolha estratégica, desde que haja clareza sobre seus impactos financeiros e operacionais.
No entanto, quando essa opção se baseia apenas em princípios desconectados da realidade econômica, corre-se o risco de transformar convicção em fragilidade.
A “postura romântica” mencionada por Brusseau descreve exatamente isso: uma idealização da produção humana pura, que ignora a dinâmica competitiva global.
Enquanto um profissional resiste à IA por convicção, concorrentes podem utilizar essas ferramentas para oferecer mais, em menos tempo e a um custo menor. Essa assimetria não é apenas teórica, é uma questão de sobrevivência empresarial.
A perspectiva do ecossistema jurídico
As plataformas especializadas, observam diariamente os efeitos da adoção ou rejeição da IA no desempenho organizacional. Escritórios que resistem à digitalização enfrentam aumento do retrabalho, perda de prazos, gargalos na tramitação interna e menor previsibilidade de resultados.
Já aqueles que adotam a IA de forma responsável colhem benefícios como a redução de custos operacionais, o aumento da produtividade e da escalabilidade, a otimização da previsibilidade financeira e jurídica e a melhoria na experiência do cliente.
O uso consciente e ético da IA não significa abrir mão de valores humanos. Pelo contrário, libera tempo e recursos para que a equipe jurídica possa atuar de forma mais estratégica e próxima do cliente.
O impacto sobre a sustentabilidade dos negócios
Em um mercado cada vez mais orientado por dados e automação, a resistência à inteligência artificial pode ser interpretada como um descuido estratégico.
Empresas e escritórios de advocacia precisam considerar que a transformação digital é irreversível, cada vez mais os clientes esperam agilidade e transparência e a concorrência não aguarda quem decide ficar para trás.
A sustentabilidade empresarial, nesse contexto, não se limita à responsabilidade ambiental, mas envolve também a capacidade de adaptação tecnológica. Negar o uso da IA sem uma justificativa sólida pode conduzir à obsolescência organizacional.
Caminhos para uma adoção responsável
A solução não é adotar a IA de forma acrítica, mas criar políticas internas que garantam uso responsável e alinhado aos valores institucionais. Entre as práticas recomendadas estão:
- Auditoria de dados: Verificar origem, qualidade e possíveis vieses nas bases utilizadas;
- Treinamento de equipe: Capacitar profissionais para compreender o funcionamento e as limitações da IA;
- Transparência com clientes: Comunicar como e em quais etapas a IA é utilizada;
- Monitoramento contínuo: Revisar periodicamente os resultados e impactos éticos, ambientais e sociais;
- Integração híbrida: Combinar automação com supervisão humana criteriosa.
Crítica legítima, risco calculado
A recusa em utilizar inteligência artificial pode ser uma escolha legítima, desde que fundamentada em dados e acompanhada de estratégias que mitiguem as perdas competitivas.
Contudo, quando essa resistência se baseia apenas em percepções desconectadas da realidade de mercado, torna-se um privilégio arriscado muitas vezes acessível apenas a quem pode se dar ao luxo de perder eficiência e relevância.
No setor jurídico, onde prazos, qualidade e custo são determinantes, essa decisão precisa ser ainda mais cuidadosa.
A IA não é inimiga da ética, nem substituta da inteligência humana. É uma ferramenta que, se usada com responsabilidade, pode ampliar a capacidade de atuação e a sustentabilidade dos negócios.
O debate, portanto, não é se devemos ou não usar IA, mas como usá-la de modo a preservar valores humanos, atender às expectativas dos clientes e garantir a competitividade na nova economia.
Afinal, resistir à mudança pode ser uma posição de princípio, mas adaptar-se com consciência é uma questão de sobrevivência.