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Ação de nacional no estrangeiro e o crime militar do art. 141 do CPM

O artigo analisa se os fatos envolvendo a participação de um nacional junto a governo estrangeiro, culminando com uma taxação comercial excessiva, caracterizam o crime do art. 141 do CPM.

2/9/2025

Ação de nacional no estrangeiro e o crime militar de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil

1. Introdução

Em mais um capítulo da sua inusitada cruzada tarifária, o presidente dos Estados Unidos, tecendo fortes críticas ao governo do Brasil, anunciou a imposição de taxas de 50% sobre produtos brasileiros exportados a partir de 1/8 deste ano. Se as manifestações daquele presidente criticando os Poderes Constituídos - principalmente o Poder Judiciário brasileiro ao que parece pretendendo torná-lo submisso causaram - ou deveriam causar legítima revolta no país, não há  adjetivo que possa exprimir a sensação de espanto e desapontamento causada pelas declarações daqueles que, apesar de terem nascido no solo pátrio, dele retiram-se voluntariamente, para articular, incentivar e elogiar o ato nocivo do mandatário alienígena, pedindo inclusive aos seus seguidores para agradecerem nas redes sociais a ofensa gratuita e a exacerbada taxação de cunho comercial contra o nosso país.

A partir daí, passou a se questionar se a crescente imposição de medidas prejudiciais ao país pelos Estados Unidos, e as manifestações do nacional de ir às últimas consequências são aptas a demonstrar a consumação do crime de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, que é crime militar em tempo de paz, que até então se encontrava em plácido repouso no diploma penal militar, desconhecido inclusive da maioria da comunidade jurídica.

O Código Penal Militar prevê em seu art. 141, o crime de entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil, verbis:

Art. 141. Entrar em entendimento com país estrangeiro, ou organização nele existente, para gerar conflito ou divergência de caráter internacional entre o Brasil e qualquer outro país, ou para lhes perturbar as relações diplomáticas:

Pena - reclusão, de quatro a oito anos.

Resultado mais grave

§ 1º Se resulta ruptura de relações diplomáticas:

Pena - reclusão, de seis a dezoito anos.

§ 2º Se resulta guerra:

Pena - reclusão, de dez a vinte e quatro anos.

O entendimento para gerar conflito ou divergência com o Brasil é crime que se encontra previsto no CPM, no Título I da Parte Especial - Dos Crimes contra a Segurança Externa do País, e envolve, naturalmente a defesa de sua soberania. É crime militar em tempo de paz, e, em tempo de guerra pode, dependendo do contexto da ação praticada, evoluir para um dos crimes previstos no Capítulo I (da traição), Título I (do favorecimento ao inimigo) do Livro II (crimes militares em tempo de guerra), entre os arts. 355 a 361, que admitem, inclusive a pena de morte em grau máximo.

Entrar em entendimento significa aproximar-se, manter contato, estabelecer alianças e parcerias com o país estrangeiro [e seus representantes] ou com organização nele existente, destinadas a gerar conflito [armado, rompimento de relações diplomáticas, ou comercial envolvendo aspecto tarifário] ou gerar divergência [através de acusações levianas contra as instituições nacionais, que podem evoluir para algo mais grave]. O extraordinário alcance das redes sociais levando as ações em segundos para todo o planeta agrava ainda mais o crime. A ação do agente com certeza afeta a soberania nacional.

Mas é necessário certa cautela, porque a caracterização de um fato como crime militar passa pela chamada “tipificação indireta”, para utilizarmos a feliz expressão do mestre Cícero Coimbra, ou seja, em um primeiro momento verificamos se a conduta tida como delituosa está prevista na Parte Especial do Código Penal Militar e, na sequência há que se verificar se a mesma conduta foi praticada em uma das várias hipóteses relacionadas no art. 9º do CPM, sem o que o delito militar não se aperfeiçoa.

Curial que se diga que o tipo penal militar não é novidade, vem sendo previsto na legislação brasileira desde a Proclamação da República, com o advento do CP comum de 1890, e do Código Penal Militar do mesmo ano, seguido pelo diploma de 1.944, senão vejamos:

CÓDIGO PENAL DE 1.890 (decreto 847, de 11/10/1890)

Dos crimes contra a independência, integridade e dignidade da Pátria

Art. 88. Provocar, directamente e por factos, uma nação estrangeira a mover hostilidades ou a declarar guerra á Republica:

Pena - de prisão cellular por dous a quatro annos.

§ 1º Si seguir-se a declaração de guerra.

Pena - de prisão cellular por cinco a quinze annos.

§ 2º Si para não se verificar a guerra, declarada em consequencia da provocação, a nação tiver de fazer algum sacrificio em detrimento de sua integridade ou de seus interesses:

Pena - de prisão cellular por cinco a quinze annos.

CÓDIGO PENAL PARA A ARMADA (decreto 949, de 5/11/1890)

Dos crimes contra a integridade, independência e dignidade da Nação

Art. 74. Todo individuo ao serviço da marinha de guerra que:

§ 1º, tentar directamente e por factos, sujeitar o territorio da Republica, ou parte delle, ao dominio estrangeiro; quebrantar ou enfraquecer sua independencia e integridade;

(...)

§ 3º, auxiliar alguma nação a fazer guerra, ou commetter hostilidades contra a Republica, fornecendo-lhe gente, dinheiro, armas, munições ou meios de transporte;

(...)

Pena - de morte no gráo maximo; de prisão com trabalho por vinte annos no médio de dez no minimo.

(...)

Art. 77. Todo individuo ao serviço da marinha de guerra que, directamente e por factos, provocar uma nação a declarar guerra á Republica:

§ 1º, si da provocação não resultar declaração de guerra, ou si esta, posto que declarada, não tiver seguimento:

Pena - de prisão com trabalho por dous a seis annos.

§ 2º, si da provocação resultar declaração de guerra, e esta tiver seguimento:

Pena - de morte no gráo maximo; de prisão com trabalho por vinte annos no médio e por dez no minimo.

CÓDIGO PENAL MILITAR DE 1944 (Decreto-Lei nº 6.227, de 24 de janeiro de 1.944):

Dos crimes contra a segurança externa do país 

Art. 119. Provocar o militar, diretamente por fatos, país estrangeiro a declarar guerra ou mover hostilidades contra o Brasil ou a intervir em questão que respeite à soberania nacional:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos

Clique aqui para ler a íntegra do artigo.

Jorge Cesar de Assis
Advogado inscrito na OAB/PR. Membro aposentado do Ministério Público Militar da União. Integrou o Ministério Público paranaense. Oficial da reserva não remunerada da PMPR.

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