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RH estratégico na advocacia digital: A era da inteligência artificial

A inteligência artificial transforma o RH dos escritórios de advocacia de setor operacional a agente estratégico para inovação e liderança.

22/9/2025

O setor de recursos humanos sempre foi percebido, no ambiente jurídico, como área acessória. Suas funções se restringiam a processos burocráticos, como admissões, rescisões, folha de pagamento e cumprimento de obrigações trabalhistas. O mérito da atuação era medido pela ausência de erros formais, e não pela capacidade de influenciar resultados estratégicos. 

Essa percepção começou a ser desafiada com a digitalização dos escritórios, mas é a chegada da IA - inteligência Artificial que marca a virada definitiva.

Pesquisas da Gartner e da McKinsey indicam que até 2027 mais da metade das decisões de RH serão assistidas por IA. Isso significa que contratações, promoções, desenho de carreiras e políticas de retenção deixarão de depender apenas da intuição de gestores e passarão a ser orientadas por dados. 

A advocacia, tradicionalmente mais lenta em adotar inovações de gestão, não pode se dar ao luxo de ignorar essa tendência.

Essa transformação do RH não é apenas uma evolução funcional, mas uma mudança de status dentro da hierarquia organizacional. De executor de tarefas, o RH torna-se consultor estratégico, atuando lado a lado com a alta gestão na definição de rumos e prioridades.

A digitalização da advocacia e a pressão por novos modelos de gestão

O setor jurídico enfrenta uma pressão crescente por eficiência. Clientes demandam rapidez, previsibilidade e custos controlados. 

O tempo em que a expertise técnica justificava preços elevados e prazos indefinidos ficou para trás. Atualmente, plataformas digitais de acompanhamento processual, softwares de automação de tarefas repetitivas e soluções de jurimetria transformaram a lógica da prestação de serviços.

Nesse contexto, a gestão de pessoas emerge como fator determinante de competitividade. 

Sendo assim, não basta ter acesso às melhores ferramentas, é preciso contar com equipes capazes de utilizá-las de forma criativa e integrada. O RH, quando estratégico, atua como ponte entre a tecnologia e os profissionais, garantindo que o escritório extraia o máximo potencial da transformação digital.

O relatório Future of Jobs, publicado em 2025 pelo Fórum Econômico Mundial, reforça essa tese ao destacar que, no ambiente de trabalho do futuro, as habilidades humanas, como empatia, criatividade e liderança colaborativa, ganharão ainda mais relevância, justamente porque não podem ser replicadas por algoritmos. 

Para os escritórios, isso significa que o RH deve ser guardião de um equilíbrio delicado: promover a integração da IA sem sufocar o protagonismo humano.

People Analytics e a ciência da gestão de talentos

Um dos pilares dessa transformação é o People Analytics, que utiliza análise de dados para orientar decisões de gestão de pessoas.

Em escritórios de advocacia, isso se traduz em métricas de engajamento, índices de rotatividade, identificação de perfis de alta performance e até mesmo mapeamento de riscos de desligamento voluntário.

Ao integrar sistemas de acompanhamento de desempenho com algoritmos de IA, é possível identificar gargalos, planejar sucessões e antecipar crises de clima organizacional. A consequência prática é uma redução significativa na perda de talentos e no tempo gasto para reposição de profissionais-chave.

Além disso, o uso de dados permite superar vieses inconscientes que muitas vezes contaminam os processos seletivos no setor jurídico. A preferência por perfis acadêmicos específicos, universidades tradicionais ou recomendações pessoais dá lugar a critérios objetivos de competência, performance e potencial de crescimento.

O resultado é um ambiente mais diverso, inovador e preparado para lidar com a complexidade da advocacia contemporânea.

Esse movimento é corroborado por relatórios do LinkedIn que mostram que empresas com maior diversidade e processos seletivos orientados por dados apresentam até 33% mais chances de superar concorrentes em lucratividade.

Para a advocacia, esse dado revela que a adoção de People Analytics não é apenas tendência, mas estratégia de sobrevivência.

A formação de líderes jurídicos na era da IA

Outro impacto relevante da inteligência artificial no setor de RH é a possibilidade de redesenhar os processos de formação de líderes. Historicamente, os escritórios de advocacia promoviam à sociedade aqueles que demonstravam excelência técnica, sem considerar sua aptidão para gestão de pessoas.

Essa prática gerava líderes altamente capacitados no Direito, mas pouco preparados para lidar com equipes.

Com a digitalização, a liderança deixa de ser sinônimo apenas de senioridade. A análise de dados sobre comportamento, engajamento e capacidade de colaboração permite identificar potenciais líderes em estágios iniciais da carreira.

Dessa forma, programas de desenvolvimento podem ser estruturados com base em evidências, e não apenas em percepções subjetivas.

A IA atua como suporte nesse processo, oferecendo indicadores confiáveis, mas o fator humano continua indispensável. O líder jurídico do futuro será aquele capaz de equilibrar a objetividade dos dados com a sensibilidade para lidar com situações que escapam às métricas, como conflitos interpessoais, dilemas éticos e construção de propósito.

Relatórios da consultoria McKinsey apontam que empresas que investem sistematicamente na formação de líderes têm até 2,4 vezes mais chances de se destacar em inovação. 

Para a advocacia, esse é um dado fundamental: a gestão do conhecimento e a capacidade de liderar times de alta performance estão diretamente ligadas à sustentabilidade dos escritórios.

Cultura organizacional: o ativo invisível em disputa

Se a tecnologia trouxe ganhos de eficiência inegáveis, ela também expôs as fragilidades culturais dos escritórios de advocacia. 

Ambientes competitivos, baseados na lógica de longas jornadas e no culto ao desempenho individual, estão cada vez menos atrativos para as novas gerações. O RH estratégico é chamado a redesenhar a cultura organizacional, garantindo que a inovação tecnológica venha acompanhada de práticas inclusivas, colaborativas e sustentáveis.

Ferramentas de análise de clima, quando apoiadas por IA, permitem monitorar a percepção dos colaboradores em tempo real. Reclamações recorrentes, sinais de burnout e insatisfações veladas deixam de ser descobertos apenas em momentos de crise. Isso possibilita que os escritórios atuem de forma preventiva, ajustando políticas internas e fortalecendo o engajamento antes que problemas se tornem irreversíveis.

Essa capacidade de antecipação é um diferencial competitivo. 

Os escritórios que negligenciam a cultura organizacional tendem a enfrentar rotatividade elevada, perda de conhecimento institucional e danos à imagem no mercado de trabalho. Já aqueles que a tratam como ativo estratégico consolidam sua marca empregadora, atraem os melhores talentos e constroem vínculos de longo prazo.

Aqui cabe uma provocação: se os escritórios investem tanto na construção de marcas para atrair clientes, por que ainda resistem a investir na construção de marcas empregadoras? A resposta está na persistência de uma mentalidade que enxerga pessoas como custo, e não como valor. 

É justamente essa visão que o RH estratégico, apoiado pela IA, deve transformar.

Riscos de permanecer na zona de conforto

A resistência à transformação digital ainda é visível em muitos escritórios. O argumento de que “na advocacia sempre foi assim” serve de escudo para manter práticas ultrapassadas. 

Essa postura, porém, cobra um preço alto. O RH, que insiste em ser apenas operacional, perde espaço para áreas mais inovadoras e deixa de cumprir sua missão de garantir sustentabilidade organizacional.

Os riscos não são apenas internos. Um escritório incapaz de reter talentos terá dificuldade em manter qualidade no atendimento, gerando insatisfação de clientes e perda de competitividade. 

Em um mercado cada vez mais transparente, em que avaliações de empregadores circulam em redes como o LinkedIn e o Glassdoor, a reputação como local de trabalho torna-se fator determinante na escolha dos profissionais mais disputados.

Ignorar a importância do RH estratégico equivale a comprometer o futuro do escritório. A adoção da IA não é uma escolha opcional, mas uma exigência para a sobrevivência. E se a advocacia brasileira costuma adotar inovações com certo atraso, neste caso o atraso pode ser fatal.

O impacto financeiro da transformação do RH

A análise financeira reforça a necessidade de mudança. Rotatividade elevada significa custos com recrutamento, integração e treinamento. Já profissionais desmotivados reduzem produtividade e aumentam o risco de erros, que podem gerar passivos trabalhistas ou até comprometer casos relevantes.

Com a adoção de ferramentas de IA, o RH consegue medir o ROI - retorno sobre investimento de programas de desenvolvimento, calcular o custo real da perda de talentos e justificar com dados suas propostas de mudança. 

Isso fortalece sua posição diante dos sócios do escritório, tradicionalmente mais focados em indicadores de faturamento e rentabilidade.

Assim, o RH deixa de ser visto como centro de custos e passa a ser reconhecido como área de geração de valor. O impacto positivo não se limita ao ambiente interno, mas se reflete diretamente na percepção de clientes, que associam a solidez da equipe à confiabilidade do escritório.

A McKinsey estima que empresas que utilizam dados na gestão de pessoas conseguem reduzir em até 30% os custos de rotatividade e aumentar em 25% a produtividade geral. Esses números, aplicados ao setor jurídico, representam a diferença entre escritórios que crescem de forma sustentável e aqueles que se tornam reféns da estagnação.

O futuro do trabalho jurídico e a centralidade do humano

Apesar de todos os avanços tecnológicos, o futuro da advocacia continuará a ser humano. 

A IA pode organizar dados, sugerir cenários e otimizar processos, mas são as pessoas que dão sentido, constroem narrativas e sustentam a confiança entre cliente e advogado. Nesse cenário, o RH estratégico atua como guardião do elemento humano, garantindo que a inovação não se transforme em alienação.

O setor jurídico vive um momento crítico. Pode insistir em modelos ultrapassados, em que o RH se limita ao operacional, ou pode reconhecer que o capital humano é tão estratégico quanto a técnica jurídica. A escolha não é apenas administrativa, mas filosófica: define o tipo de advocacia que se quer construir para o futuro.

A advocacia que ignora a centralidade das pessoas corre o risco de se tornar tecnicista, desumanizada e pouco atrativa para profissionais de alto nível. Já aquela que compreende o papel do RH estratégico tem a chance de se posicionar como referência em inovação, cultura organizacional e sustentabilidade.

Entre dados e humanidade

O RH estratégico na advocacia digital é, acima de tudo, um projeto de transformação cultural. Ele exige que os escritórios abandonem a visão de que pessoas são apenas recursos e passem a enxergá-las como ativos centrais para inovação e crescimento. 

A inteligência artificial é a ferramenta que possibilita essa virada, mas não substitui o papel humano.

Aqueles que compreenderem essa lógica terão vantagem competitiva, construindo organizações jurídicas mais resilientes, atrativas e preparadas para enfrentar os desafios do século XXI. Os que permanecerem presos ao modelo burocrático verão seu espaço diminuir diante da concorrência mais adaptável.

No fim, a verdadeira disrupção não está na tecnologia em si, mas na capacidade de usá-la para valorizar aquilo que sempre foi o coração da advocacia: as pessoas.

Eduardo Koetz
Eduardo Koetz é advogado, sócio-fundador da Koetz Advocacia e CEO do software jurídico ADVBOX . Especialista em tecnologia e gestão, ele também se destaca como palestrante em eventos jurídicos.

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