Para o Direito da Propriedade Intelectual o dito popular de que “na natureza nada se cria, tudo se copia” (inspirado na lei de conservação da matéria de Antoine Laurent Lavoisier) não tem vez. Imitações são repudiáveis, especialmente se acrescidas do intuito de lucro.
A lei confere aos criadores (lato sensu) um sem-número de direitos, a começar pela Constituição Federal (CF, art. 5º, inc. XXIX). Além dos direitos, o mesmo sistema legal pune os contrafatores que usurpam da criação original para produzir cópias. Ao ato de copiar “sinais distintivos alheios” e ao de plagiar “obras literárias e artísticas”1 se dá o nome de contrafação. Há, obviamente, uma razão que sustenta a existência desse arcabouço jurídico protetivo e sancionador: preservar os direitos (morais e patrimoniais) dos artistas importa na valorização da produção intelectual e no estímulo do desenvolvimento cultural e científico.2
A contrafação assume diversas feições e, quando posta em juízo, demanda análise eminentemente técnica. Embora o juiz possa ter (e é desejável que tenha) algum conhecimento sobre o tema, sua reconhecida limitação técnica impede a composição do litígio sem estar amparado por especialistas (peritos).3
O trade dress entendido como o conjunto-imagem de um produto ou serviço é há muito considerado elemento distintivo passível de proteção4. Naturalmente, não é a qualquer conjunto-imagem que o ordenamento jurídico confere proteção: a distintividade é elementar. De acordo com José Carlos Tinoco Soares, “a maneira peculiar” com que o produto/serviço é apresentado ao mercado consumidor é o que define o trade dress.5
Diferentemente do que se passa com as marcas ou com os desenhos industriais, cujos elementos isolados são alvos de proteção específica, o trade dress tutela a identidade visual global de um produto/serviço. Ele engloba a combinação de cores, formas, aromas, embalagens, layout de loja, tipografia e outros elementos que, quando analisados em conjunto, imprimem marca única no mercado6. A violação a esse conjunto-imagem, portanto, não é a cópia de um único elemento, mas a imitação do look and feel que confunde o mercado e configura concorrência desleal (atos de confusão), autorizando-se a intervenção do Poder Judiciário.7
Em juízo, a prova do trade dress - e de sua violação - não é das mais fáceis. Por imperativo legal (ônus), cabe ao (autointitulado) proprietário do trade dress a prova das suas afirmações. A prática forense demonstra que na grande maioria dos processos é a vítima de uma contrafação que vai ao Poder Judiciário reclamar proteção e denunciar as ações do contrafator. Na condição de autor, cabe à suposta vítima a prova do fato constitutivo de seu direito (CPC, art. 373, inc. I), vale dizer, a existência do trade dress e a violação configuradora de concorrência desleal. Chamado a integrar a demanda, o réu impõe sua barreira através de alegações que modificam, extinguem ou impedem o direito do autor (CPC, art. 373, inc. II). Dessa forma, é do réu o ônus de demonstrar a inocorrência de trade dress e/ou a inexistência de contrafação.
Fato é que a natureza do thema probandum - tanto para o autor ou para o réu - toca em diversas áreas do conhecimento8. Nesse complexo campo probatório, a prova pericial não é mera ferramenta auxiliar, mas o pilar fundamental quando a violação do trade dress está no centro. É ela o instrumento técnico que traduz a percepção subjetiva de semelhança em uma análise objetiva e probatória, fornecendo ao juiz substratos para uma decisão justa. Engana-se quem entende que a prova pericial, em tais casos, limita-se a uma simples comparação visual. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça consagra o entendimento de que “a caracterização de concorrência desleal por confusão, apta a ensejar a proteção ao conjunto-imagem (trade dress) de bens e produtos, é questão fática a ser examinada por meio de perícia técnica”9. Não se desconhece a existência de entendimento jurisprudencial no sentido de desnecessidade da prova pericial. Porém, referido entendimento deve ser acolhido como exceção, isto é, quando a contração for tão evidente que a prova pericial em nada acrescentaria ao conjunto probatório já existente (prova inútil ou meramente protelatória - juízo de pertinência e relevância).10
O perito, como especialista em design, marketing ou mesmo engenharia, atua em duas dimensões cruciais: análise comparativa dos elementos (cores, formas, proporções, layouts, disposições, tipografias, símbolos etc.) e análise da probabilidade de confusão (público-alvo, contexto de mercado, distintividade secundária etc.). O laudo pericial resultante da análise, desde que livre de vícios por questões outras, é praticamente soberano (claro, em sentido técnico). Por isso, ainda que autorizado por lei (CPC, art. 371), chama a atenção da comunidade jurídica aqueles casos de violação de trade dress nos quais o juiz adota entendimento oposto às conclusões periciais, como ocorreu há pouco meses em julgamento amplamente noticiado.11
Em conclusão, a proteção do trade dress em um mercado cada vez mais competitivo e visualmente saturado é um desafio a exigir abordagem técnica e aprofundada. A prova pericial emerge como a via capaz de desvendar a sutileza das imitações, de traduzir a estética em evidência e de garantir que a distintividade conquistada a duras penas seja protegida. Sem o rigor e a objetividade da perícia, a proteção ao conjunto-imagem está à mercê de subjetivismos.
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1 CAMELIER DA SILVA, Alberto Luís. Concorrência desleal: atos de confusão. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 142.
2 “Dessa forma, o uso devido da propriedade será efetivado quando beneficiar a coletividade e realizar o bem comum. A coletividade será beneficiada tanto quanto o inventor for bem remunerado, o que incentivará novas invenções, como quando a invenção contribuir para o progresso científico humano” (VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade Intelectual dos setores emergentes. São Paulo: Atlas, 1996, p. 122).
3 “O juiz, como uma pessoa que possui uma cultura média ou geral, é incapaz de dominar adequadamente todos os conhecimentos dos mais diversos ramos do saber, por isso, em muitos casos dentro do processo, é necessária uma pessoa que detenha o conhecimento técnico especializado que lhe falta. Essas pessoas podem ser das mais diversas áreas do saber como médicos, engenheiros, contadores e tantos outros (...)” (RIBEIRO, Darci Guimarães; FRÖHLICH, Afonso Vinício Kirschner. Propriedade Industrial e Direito Probatório: algumas considerações sobre a produção da prova técnica nos conflitos envolvendo propriedade industrial.In: DIDIER JR., Fredie; OSNA, Gustavo; MAZZOLA, Marcelo. Processo Civil e Propriedade Industrial. 3. ed. São Paulo: JusPodivm, 2025, p. 86).
4 “Embora não disciplinado na Lei n. 9.279/1996, o conjunto-imagem de bens e produtos é passível de proteção judicial quando a utilização de conjunto similar resulte em ato de concorrência desleal, em razão de confusão ou associação com bens e produtos concorrentes (art. 209 da LPI)” (STJ, 3ª T., AgInt no REsp n. 1.997.936-MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 15.8.22, v.u.)
5 SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal vs. Trade Dress e/ou conjunto-imagem. São Paulo: Tinoco Soares, 2004, p. 213.
6 Alberto Luís Camelier da Silva pontua que nem sempre os elementos que compõem o trade dress são inéditos, mas nem por isso, quando em conjunto, deixam de ser protegidos: “Se a forma de um produto é nova, pode constituir-se marca (tridimensional) e/ou desenho industrial e ter a sua proteção tutelada pela legislação de regência. Se, ao revés, a forma não é nova ou é vulgar, isto é, já foi utilizada para distinguir produto diverso, mas o seu uso ou aplicação é original (o termo aqui utilizado no sentido de atribuição de distintividade) em relação ao produto em comento, pode ter a proteção como trade dress, com suporte nas normas de repressão à concorrência desleal.
Uma única cor, associada a um produto ou serviço, a rigor não tem o condão de se constituir marca registrada, por expressa disposição do art. 124, VIII, da Lei da Propriedade Industrial. Porém, se essa cor tiver o atributo de distinguir um produto ou serviço de outro concorrente para o consumidor, indicando a origem do bem ou do serviço, a proteção se dará através das normas de repressão à concorrência desleal” (CAMELIER DA SILVA, Alberto Luís. Concorrência desleal: atos de confusão. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 151).
7 “O trade dress não é objeto de registro, tampouco de regulamentação própria. Sua proteção encontra fundamento na vedação à concorrência desleal, disposta na Lei de Propriedade Industrial.
A interferência do Poder Judiciário justifica-se somente em situações em que configurada a apropriação indevida do conjunto-imagem criado pelo concorrente, capaz de causar confusão ou associação equivocada do produto ou serviço no consumidor, evidenciando o aproveitamento parasitário. Obsta-se, pois, condutas que extrapolem a competição legítima e saudável” (TJ-SP, 1ª Câm. Res. Dir. Emp., apel. n. 1013478-21.2024.8.26.0001, rel. Des. J.B. Paula Lima, j. 25.2.25, v.u.).
“E, embora o ordenamento jurídico não contenha previsão expressa acerca do trade dress, é certo que esse conjunto-imagem também encontra amparo na legislação, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXIX, garante ‘proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País’.
Acrescenta-se, ainda, a proteção contra concorrência desleal estabelecida na Convenção da União de Paris, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 75.572/75, e em dispositivos da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), como os arts. 2º, V, 195, III e 209” (TJ-SP, 1ª Câm. Res. Dir. Emp., apel. n. 1018115-48.2020.8.26.0100, rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 2.7.25, v.u.).
8 “a aferição do grau de semelhança entre o sinal ‘X’ efetivamente utilizado nos calçados das rés e as marcas figurativas da autora, o risco de confusão ou associação indevida pelo consumidor médio, a distintividade adquirida (secondary meaning) pelo ‘X’ da autora no específico segmento de calçados esportivos, e, crucialmente, a configuração ou não de aproveitamento parasitário, são questões fáticas complexas demandando a produção de prova pericial técnica para sua correta elucidação” (TJ-SP, 1ª Câm. Res. Dir. Emp., apel. n. 1179632-23.2024.8.26.0100, rel. Des. Rui Cascaldi, j. 2.7.25, v.u.).
9STJ, 3ª T., AgInt nos EDcl no AREsp 2510994-RJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 17.6.24, v.u.
No mesmo sentido: “Para a caracterização da similaridade notória, qual seja, aquela apta a firmar convencimento sobre a geração do risco de confusão pelo uso de conjunto-imagem do produto de outrem, a prova pericial é imprescindível” (STJ, 3ª T., AgInt nos EDcl no REsp 1834830-RN, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 6.3.23, v.u.).
10 “Por outro lado, naqueles casos em que não há qualquer das hipóteses previstos na legislação para o indeferimento, a regra é o deferimento da prova pericial. Inclusive porque, se não motivada em fortes razões, o indeferimento da prova pericial tem o condão de violar o acesso à justiça, a ampla defesa e o contraditório. A fundamentação é, portanto, critério definidor na admissão ou inadmissão da prova.
A complexidade sobre a realidade, então, surge como elemento fundamental para a admissão da prova, já que faz com que o convencimento do julgador dependa de elementos que vão além da prova exclusivamente documental ou testemunhal” (RIBEIRO, Darci Guimarães; FRÖHLICH, Afonso Vinício Kirschner. Propriedade Industrial e Direito Probatório: algumas considerações sobre a produção da prova técnica nos conflitos envolvendo propriedade industrial.In: DIDIER JR., Fredie; OSNA, Gustavo; MAZZOLA, Marcelo. Processo Civil e Propriedade Industrial. 3. ed. São Paulo: JusPodivm, 2025, p. 93).
11 TJ/SP, 2ª Câm. Res. Dir. Emp., apel. n. 1001398-29.2021.8.26.0260, rel. Des. Jorge Tosta, j. 24.6.25, v.u.