Migalhas de Peso

Sandbagging e o Locked-Box em operações de M&A

Interação entre cláusulas de sandbagging e precificação em M&A: no modelo locked-box, afeta riscos, preço final e torna-se central na escolha com completion accounts e em disputas.

9/9/2025

Introdução

Este artigo tem por objetivo explorar a complexa interação entre as cláusulas de sandbagging e os mecanismos de definição de preço, com foco no modelo de locked-box, em operações de fusões e aquisições (“M&A”). Será analisado como a permissão para que o comprador busque indenização por quebras de garantias, mesmo tendo conhecimento prévio delas, impacta a alocação de riscos e a negociação do valor final da transação, contrastando as dinâmicas dos modelos de ajuste de preço pós-fechamento (completion accounts) e de preço fixo (locked-box).

Dentro de uma operação de M&A, os mecanismos de ajuste de preço se destacam pelo seu potencial litigioso. E por outro lado, crescem no mercado as discussões envolvendo Sandbagging em M&As.

As cláusulas de Sandbagging são aquelas que preveem que, independentemente do conhecimento prévio do comprador a respeito de condição da empresa vendida, caso seja identificada condição divergente pós closing, sobretudo no que tange a negociações e obrigações paralelas, é lícito que seja exigida indenização do vendedor.

Tais cláusulas promovem discussão na área de M&A a respeito da boa-fé objetiva do vendedor para com as condições inerentes do negócio, uma vez que, a definição de Sandbagging parece inferir que há ocultação de obrigações ou características do negócio, que podem afetar o novo proprietário da empresa adquirida.

Ocorre que, na prática, a responsabilização por tais condições é dotada de maior complexidade, uma vez que inúmeros são os cenários possíveis para ensejar a indenização. Dessa forma, é ponderado às partes considerar que a existência dessa obrigação condicionada à outros eventos pode afetar o valor a ser dado a título de remuneração pela compra da empresa.

A precificação do negócio

Em uma operação de M&A, uma das etapas do processo é a precificação do negócio a ser firmado (valuation). Nessa fase, é quando as partes discutem a respeito do preço a ser pago pela compra e venda do negócio, considerando que o preço é produto multifatorial da operação, pois depende de características como: os passivos da empresa, as obrigações paralelas que compõe como parte, o seu rendimento comercial, a auditoria realizada, entre outros.

Para isso, um dos mecanismos utilizados para que seja possível precificar o negócio, é o chamado “Locked Box”. Nele, as partes concordam em um valor que tem como base as demonstrações financeiras da empresa objeto, apresentadas na negociação, e concordam que não haverá ajuste de preço após o fechamento do negócio. Nele, caso haja diferença de preço após o fechamento da operação, recairá a obrigação de indenização ao negócio, visando minorar os prejuízos da parte afetada.

Além dele, pode-se também optar por utilizar o mecanismo denominado “Completion Accounts”, através do qual não é estipulado preço fixo pelas partes antes da conclusão do negócio, mas sim uma estimativa. Nesse mecanismo, o preço é apresentado por uma das partes à outra, e eventuais diferenças são liquidadas por ajuste de preço.1

Sandbagging e sua relação com o ajuste de preço da operação

No mesmo contexto de precificação da operação, a cláusula de Sandbagging relaciona-se diretamente com o preço pelo qual será acordada o processo de fusão ou aquisição da empresa em questão. Isso porque, está diretamente ligada com a auditoria, etapa por meio da qual o vendedor disponibiliza dados e informações sobre a empresa ao comprador geralmente trata-se de condição obrigatória para que o negócio seja firmado.

Através de tais informações, o vendedor, ainda, durante a etapa de negociação e pré closing, promove uma série de declarações e garantias sobre o negócio a ser firmado que afetariam diretamente o preço. Dentre essas declarações, por exemplo, pode-se citar a existência de algum processo no qual a empresa constitua polo passivo, relações com outras empresas do ramo, etc.

Ocorre que, no caso do mecanismo de ajuste de preço de locked box, por exemplo, no qual, ainda com o consentimento prévio do comprador a respeito dessas condições, antes de fechar o negócio, ele decide por prosseguir com a operação e, após o closing, exige-se do vendedor, o pagamento de indenização sobre as condições da negociação, tendo em vista que elas prejudicaram o comprador de alguma forma.

Em teoria, considerando o fornecimento de tais declarações e garantias, ao identificar a existência de característica considerada desfavorável ao vendedor, esses ajustariam o preço de aquisição da empresa em questão.

Ainda, a problemática recai no fato de que a multa, que possui natureza indenizatória e, portanto, tem a função de promover reparação à parte atingida pelos efeitos provenientes da condição, costuma possuir valor considerável ao vendedor.

A despeito da discussão sobre a boa-fé, o fato é que a existência da cláusula de Sandbagging relaciona-se sensivelmente com o valor da operação. E, uma vez presente no contrato, é sabido que terá que ser discutida entre as partes.

Sendo assim, é ponderado que haja uma negociação a respeito de seu valor, uma vez que não há como garantir que tal recurso será utilizado, ou, ainda, como alternativa, as partes podem refletir sobre a redução do preço da operação, de forma que os prejuízos a ambos sejam minorados.

Conclusão:

A interação entre as cláusulas de sandbagging e os mecanismos de preço trata-se de um dos pontos mais estratégicos e delicados em uma negociação de M&A. Em suma, a escolha do modelo de precificação - Completion Accounts ou Locked-Box - altera fundamentalmente o papel e a relevância da cláusula de sandbagging.

Em uma estrutura de Completion Accounts, o sandbagging atua como uma camada adicional de proteção para o comprador. Mesmo que certas contingências sejam refletidas no ajuste de capital de giro pós-fechamento, a cláusula de sandbagging permite que o comprador busque uma indenização separada por quebra de garantia, criando um duplo canal para recuperação de perdas.

Contudo, é no modelo de Locked-Box que a cláusula de sandbagging revela sua maior potência. Como o preço é fixo e não há ajuste por performance, o comprador assume o risco operacional da empresa desde a data-base. Se ele descobre uma quebra de garantia que não se qualifica como leakage (por exemplo, a perda iminente de um cliente importante que não envolveu uma saída de caixa para o vendedor), a cláusula de sandbagging se torna seu principal, e talvez único, recurso para buscar uma compensação financeira pós-fechamento. Sem ela, o comprador ficaria desprotegido contra riscos conhecidos que não se enquadram nas regras de vazamento de valor.

Portanto, a negociação em torno do sandbagging não é apenas uma discussão sobre boa-fé, mas uma definição explícita sobre a alocação de riscos. Um vendedor buscará inserir uma cláusula anti-sandbagging, forçando o comprador a levantar todas as questões antes do fechamento. Já o comprador verá na cláusula de sandbagging uma ferramenta essencial para preservar seu direito à indenização, especialmente em estruturas de preço fixo.

Em última análise, a decisão de incluir, excluir ou modificar uma cláusula de sandbagging reflete o poder de barganha das partes e o nível de confiança na informação compartilhada. Para evitar litígios futuros, é imperativo que o contrato defina de forma clara e inequívoca o regime aplicável, garantindo que tanto comprador quanto vendedor compreendam plenamente os riscos que estão assumindo.

_______

Referências

EY GLOBAL, Cinco considerações sobre contas de conclusão versus mecanismos de caixa bloqueada. Disponível em: https://www.ey.com/en_gl/insights/law/locked-box-vs-completion-accounts Acesso em 26 de agosto de 2025.

1 “Cinco considerações sobre contas de conclusão versus mecanismos de caixa bloqueada.” EY GLOBAL. Disponível em: https://www.ey.com/en_gl/insights/law/locked-box-vs-completion-accounts Acesso em 26 de agosto de 2025

Lucas F. G. Bento
Sócio das áreas de Societário e Mercado de Capitais do TN Advogados. Advogado e estudante de Finanças e Negócios pela USP, com passagens pela University of Illinois e University of Chicago, ambas nos EUA.

Matheus Melo Eschipio
Advogado Associado das áreas de Societário e Fusões & Aquisições do TN Advogados. Advogado Pós-graduado em Direito dos Negócios e Estruturas Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e graduado pela mesma instituição.

Mariana Cruz de Souza
Advogada graduada em direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Atua nas Áreas de Mercado de Capitais, Bancário e Societário.

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